goo.gl/KdLq8w | O CPC/1973 apresenta duas formas possíveis para cumprimento da prestação alimentícia: pelo rito do art. 732 ou pelo rito do art. 733, sendo facultada a escolha por parte do exequente.
Optando-se pelo procedimento previsto no art. 732, o cumprimento da decisão que tenha condenado o devedor a prestar alimentos seguirá o mesmo procedimento previsto para o cumprimento da execução relativa às obrigações de pagar quantia certa, que permite a expropriação de bens do executado para a satisfação da obrigação alimentar. Trata-se, nesse caso, de execução comum, na qual o devedor é citado para, em vinte e quatro horas, pagar o débito ou indicar bens à penhora. Se, no entanto, o procedimento escolhido for o do art. 733, o devedor dos alimentos será citado para pagar o débito em três dias, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de pagamento, sob pena de prisão civil, e não meramente de expropriação de seus bens.
De acordo com a redação expressa do CPC/1973, é possível a cumulação dos dois ritos (arts. 732 e 733) nos mesmos autos. Apesar disso, alguns tribunais de justiça estaduais entendem que se houver cisão dos procedimentos, com a expedição de um mandado de citação para exigir-se o pagamento das três últimas prestações, sob pena de prisão, e, de outro, para cobrar as demais, obedecendo-se ao rito da execução por quantia certa, será possível a dualidade de procedimentos.[1] Por outro lado, há também entendimentos que admitem apenas a conversão do rito do art. 733 para o rito do art. 732, caso a constrição pessoal não tenha sido eficaz para a satisfação da obrigação.[2] Para o STJ, como é o exequente quem detém legitimidade para propor os meios executivos que achar conveniente, a conversão para o rito mais gravoso (ou seja, do art. 732 para o 733) jamais poderá ocorrer de ofício,[3] dependendo, portanto, de novo requerimento por parte do exequente ou de seu representante.
De acordo com o novo capítulo que trata do cumprimento da sentença que reconhece a exigibilidade de prestar alimentos, a constrição de bens e a constrição pessoal (prisão civil) do devedor continuam a ser tratadas em procedimentos distintos, sendo que na hipótese de prisão civil o juiz ainda poderá mandar protestar o pronunciamento judicial (art. 528, § 1º).
O CPC/2015 continua a restringir a utilização da forma coercitiva de execução, limitando-a ao débito correspondente aos três últimos meses anteriores ao ajuizamento (art. 528, § 7º). Não havia essa limitação expressa no CPC/1973, mas o entendimento que prevalecia já era este, em virtude da Súmula nº 309 do Superior Tribunal de Justiça.[4]
A nova legislação também estabelece regras para o cumprimento da prisão civil, tratando-se de um dos principais pontos de maior divergência ao longo da tramitação do projeto. No final, definiu-se a manutenção do regime fechado para o cumprimento da prisão por dívida de alimentos, com a condição de que o executado fique separado dos presos comuns (art. 528, § 4º). Se o presídio não oferecer condições para a separação dos demais presos, possivelmente a jurisprudência caminhará no sentido de permitir o cumprimento da pena em regime domiciliar.
Ressalte-se que não será decretada prisão se o juiz aceitar as justificativas do devedor quanto à impossibilidade de pagar os alimentos vencidos. Essa questão, embora também se sujeite ao convencimento do magistrado, deverá ser comprovada cabalmente, pois somente o fato que gerar impossibilidade absoluta de pagar os alimentos justificará o inadimplemento (art. 528, § 2º).
No caso do devedor que tem bens aptos a responder pela dívida, o exequente poderá promover o cumprimento da sentença na forma dos arts. 523 e seguintes do CPC/2015. Nessa hipótese não será possível a prisão civil do executado, mas a decisão judicial poderá ser protestada na forma do art. 517 do CPC/2015. Esse novo modelo, que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, constitui uma das mais expressivas inovações do CPC/2015.
Por fim, quanto à competência territorial, o novo Código prevê que o cumprimento da sentença que condenar à prestação de alimentos poderá ser proposto: (i) no atual domicílio do executado; (ii) no juízo do local onde se encontrem bens sujeitos à execução; (iii) no domicílio do exequente; ou (iv) no juízo de proferiu a sentença exequenda. A intenção do legislador é possibilitar ao alimentado escolher o foro que melhor atenda às suas necessidades e à efetivação do direito que foi declarado na sentença ou noutra espécie de decisão judicial (art. 528, § 9º).[5]
Cumprimento da sentença mediante desconto em folha
De acordo com o CPC/1973, “quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia” (art. 734).
A hipótese do art. 734 da legislação anterior é utilizada apenas em relação às parcelas vincendas, sendo que as vencidas, com exceção das últimas três – hipótese do art. 733 do CPC/1973 –, deve ser executada por meio do procedimento previsto no art. 732, conforme tratado anteriormente. No entanto, com o objeto de dar efetividade à tutela jurisdicional já concedida na sentença, em algumas oportunidades o STJ chegou a admitir o desconto em folha de pagamento, inclusive quanto ao débito pretérito, desde que o montante a ser descontado fosse razoável e não impossibilitasse a sobrevivência do devedor (STJ, REsp 997.515, julgado em 18.10.2011).
O Novo CPC aprofundou a matéria relativa ao desconto em folha de pagamento das verbas relativas aos alimentos. Um dos pontos de maior relevância é o § 3º do art. 529, que não encontra correspondência da lei anterior e que autoriza que, além dos alimentos vincendos, o débito do executado (alimentos vencidos) possa ser descontado de seus rendimentos ou rendas, de forma parcelada, contanto que, somado à parcela devida, o valor do desconto não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos do executado. O dispositivo menciona que o débito poderá ser descontado dessa forma, o que quer dizer que caberá ao juiz avaliar as possibilidades do executado para, então, deferir a medida.
O novo Código também esclarece que a autoridade ou o empregador que deixar de descontar as verbas determinadas pelo juiz poderá responder por crime de desobediência (art. 330 do CP). Essa disposição (art. 529, § 1º) vai ao encontro do que já estava disciplinado no parágrafo único do art. 22 da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/1968).[6]
Cumprimento da decisão que fixa alimentos provisórios
Alimentos provisórios são aqueles fixados antes da sentença na ação de alimentos submetida ao rito especial previsto na Lei nº 5.478/1968. Nos termos do art. 4º da referida lei, “ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”. Trata-se de uma forma de antecipação dos efeitos da sentença quando há prova pré-constituída do parentesco, casamento ou união estável, sendo desnecessária prévia citação do réu ou mesmo dilação probatória.
A decisão que fixa os alimentos provisórios terá, então, natureza interlocutória e será passível de cumprimento em autos apartados, por expressa disposição do § 1º do art. 531 do CPC/2015. A mesma regra vale para os alimentos fixados em sentença ainda não transitada em julgado. Vale lembrar que os alimentos provisórios serão devidos até a decisão final e, portanto, ainda que haja recurso (agravo de instrumento), o credor poderá propor o cumprimento da decisão. Convertidos os alimentos provisórios em definitivos, o cumprimento da sentença já transitada em julgado será processado nos mesmos autos em que proferida a decisão definitiva.
Cumprimento da sentença que fixa alimentos indenizatórios
Alimentos indenizatórios ou ressarcitórios são aqueles devidos em razão da prática de ato ilícito, como, por exemplo, de homicídio, hipótese em que as pessoas que dependiam da vítima poderão pleiteá-los (art. 948, II, do CC).
A importância dos alimentos para a manutenção da vítima, ou dos sucessores dela, no caso do exemplo anterior, levou o legislador a estabelecer normas com o objetivo de preservar o valor real da prestação e assegurar o cumprimento da obrigação, evitando que eventual insolvência do devedor possa comprometer o pagamento das verbas alimentícias.
A preservação do valor dos alimentos é alcançada com a permissão de se fixá-los tomando por base o salário mínimo, bem como pela possibilidade de revisão, para aumentar ou diminuir, se sobrevier modificação nas condições econômicas do devedor ou do beneficiário (art. 533, §§ 3º e 4º).
A utilização do salário mínimo como base para fixação dos alimentos não afronta o art. 7º, IV, da CF, porquanto a vedação constante do texto constitucional visa o mesmo fim almejado pelo Código, ou seja, assegurar a subsistência digna dos alimentandos. A vinculação vedada pela constituição é aquela que possa interferir nos reajustes do salário mínimo.
No aspecto revisional, não se distingue entre alimentos fixados em decorrência de ato ilícito, de parentesco, casamento ou companheirismo. Em qualquer desses casos será possível a revisão se ocorrer alteração substancial nas condições econômicas, cabendo majoração ou diminuição do encargo.
No que tange às garantias para assegurar o pagamento da prestação alimentar, o exequente poderá requerer do devedor a constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão (art. 533, caput).
O capital garantidor do cumprimento da obrigação alimentar pode ser representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial. O importante é que os rendimentos dos bens que constituam a garantia sejam suficientes para quitar as prestações enquanto perdurar a obrigação. O § 1º do art. 533 do novo CPC prevê, ainda, que poderão ser constituídos como capital, além dos bens imóveis, os direitos reais sobre bens imóveis passíveis de alienação. Isso quer dizer que podem ser incluídos como garantia alguns dos direitos elencados no art. 1.225 do Código Civil, como, por exemplo, a hipoteca, o usufruto e o direito do promitente comprador. Nesses casos, o devedor não perde a propriedade ou o direito sobre os bens que constituem a garantia, mas apenas a disponibilidade deles enquanto perdurar a obrigação.
Esclarece-se que a constituição de capital, que no CPC/1973 soava como faculdade do juiz, no CPC/2015 passa a ser obrigatória, desde que (i) haja requerimento do exequente e (ii) o executado apresente bens (imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras), próprios ou de terceiro, destinados à geração de renda para o pagamento da prestação. De qualquer forma, restou mantida a possibilidade de substituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação alimentar na folha de pagamento do devedor, por fiança bancária ou por garantia real (art. 475-Q, § 2º, do CPC/1973; art. 533, § 2º, do CPC/2015). A novidade fica por conta da previsão de que os bens destinados à geração de renda constituir-se-ão em patrimônio de afetação (art. 533, § 1º, parte final).
Patrimônio de afetação consiste na destinação de parte ou de totalidade de um patrimônio para uma determinada finalidade. Trata-se de um fundo autônomo, como se passa com a fundação. Desta, porém, se difere, porquanto não tem personalidade jurídica, mas apenas autonomia patrimonial.
O regime da afetação patrimonial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Medida Provisória nº 2.221 – a qual foi substituída pela Lei nº 10.931/2004 –, exclusivamente para fins de garantir a continuidade das obras da incorporação imobiliária no caso de “quebra” do incorporador. O objetivo era conferir segurança ao mercado imobiliário, aos adquirentes das unidades imobiliárias e ao próprio banco financiador da obra. Para edição da lei, o legislador se baseou na teoria da afetação, apresentada no final do século XIX, que tinha por escopo romper com a doutrina da unicidade patrimonial, permitindo, assim, a instituição de patrimônio destinado especificamente à consecução e entrega do empreendimento imobiliário.
A partir da vigência do novo Código, o regime também será aplicável para garantir a continuidade do pagamento de pensão fixada em decorrência de ato ilícito, quando a indenização consistir na prestação de alimentos.
Para que se configure o regime de afetação, quanto aos bens imóveis e direitos reais sobre eles (art. 1.225 do CC), deve-se proceder à averbação no Registro Imobiliário, por mandado expedido por ordem da autoridade judicial. Em se tratando, por exemplo, de títulos da dívida pública ou de aplicações financeiras, deve-se proceder ao registro perante o Banco Central do Brasil.
Tal patrimônio, assim apartado, deve ter aptidão para gerar receita suficiente para o pagamento da pensão, além de honorários ao administrador, impostos e outras despesas que possam recair sobre a essa ficção, uma vez que não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do devedor dos alimentos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à obrigação respectiva.
Os eventuais efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do devedor não atingirão o patrimônio de afetação previamente constituído e nem integrarão a massa concursal. Efeito prático: não obstante tais circunstâncias, o patrimônio afetado continuará a produzir receita para saldar o débito alimentar.
Embora o legislador tenha silenciado, ao regime de afetação previsto neste dispositivo aplica-se, no que couber o disposto na Lei nº 10.931/2004.
Finda a obrigação de prestar os alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha, cancelar qualquer das garantias prestadas ou desconstituir o patrimônio de afetação.
O limite temporal do pensionamento em decorrência de ato ilícito varia de acordo com a qualidade do beneficiário da pensão. Se a pensão destina-se à própria vítima, em decorrência, por exemplo, de redução da capacidade laborativa, a pensão será vitalícia, mas poderá ser paga de uma única vez (art. 950, parágrafo único, do CC). Destinando-se à viúva, no caso de morte da vítima, a duração do pensionamento observará a expectativa de vida do ofendido, bem como o estado de viuvez da beneficiária. No caso de dependentes, a obrigação alimentar será limitada não só pela expectativa de vida da vítima, como também pela condição de dependência. A maioridade e o casamento dos filhos constituem causas de extinção da obrigação alimentar.
Abandono material
De acordo com o art. 532 do novo Código, “verificada a conduta procrastinatória do executado, o juiz deverá, se for o caso, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material”.
A redação – novidade na legislação material – originou-se do Projeto de Lei nº 2.285/2007, que pretende instituir o Estatuto das Famílias. Por meio de sua aplicação busca-se evitar que o devedor seja premiado com a suspensão da execução do débito alimentar na hipótese de não serem encontrados bens passíveis de constrição por conta de manobras de má-fé realizadas pelo próprio executado. Assim, verificando que o devedor se esquiva de cumprir a obrigação mesmo tendo condições de fazê-la, o juiz dará ciência ao órgão do Ministério Público para apuração de crime previsto no art. 244, parágrafo único, do Código Penal.[7]
Cumpre esclarecer que a jurisprudência exige que o Ministério Público demonstre a falta de justa causa para o inadimplemento da obrigação, bem como o dolo na conduta do agente.[8] Somente assim será possível o processamento da ação penal.
* Elpídio Donizetti é jurista, professor e advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino. Pós-Doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina. Fundador do Instituto Elpídio Donizetti (http://www.portalied.com.br) e do Escritório Elpídio Donizetti Advogados (http://www.elpidiodonizetti.com). Entre outras, é autor das seguintes obras jurídicas: O Novo Código de Processo Civil Comparado, O Novo Código de Processo Civil Comentado, Curso Didático de Direito Civil, em co-autoria com o prof. Felipe Quintella, e Curso Didático de Direito Processual Civil
[1] Por exemplo: TJSC, AI 624.825/SC 2010.062482-5, Rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 26.08.2011.
[2] Exemplos: TJMG, AI 10702096042602001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, j. 13.05.2014; TJRS, AG 70041364977, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 25.02.2011.
[3] Exemplos: HC 128.229/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 06.05.2009; HC 188.630/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 11.02.2011.
[4] STJ, Súmula nº 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
[5] Esse já era o entendimento adotado pelo STJ: CC 118.340/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.09.2013.
[6] Lei nº 5.478/1968, “Art. 22. Constitui crime conta a administração da Justiça deixar o empregador ou funcionário público de prestar ao juízo competente as informações necessárias à instrução de processo ou execução de sentença ou acordo que fixe pensão alimentícia: Pena – Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, sem prejuízo da pena acessória de suspensão do emprego de 30 (trinta) a 90 (noventa) dias. Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, de qualquer modo, ajuda o devedor a eximir-se ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, ou se recusa, ou procrastina a executar ordem de descontos em folhas de pagamento, expedida pelo juiz competente”.
[7] Código Penal, “Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”.
[8] Por exemplo: STJ, HC 141.069/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.08.2011.
Por Elpídio Donizetti e Portal IED - Instituto Elpídio Donizetti
Fonte: Jus Brasil
Optando-se pelo procedimento previsto no art. 732, o cumprimento da decisão que tenha condenado o devedor a prestar alimentos seguirá o mesmo procedimento previsto para o cumprimento da execução relativa às obrigações de pagar quantia certa, que permite a expropriação de bens do executado para a satisfação da obrigação alimentar. Trata-se, nesse caso, de execução comum, na qual o devedor é citado para, em vinte e quatro horas, pagar o débito ou indicar bens à penhora. Se, no entanto, o procedimento escolhido for o do art. 733, o devedor dos alimentos será citado para pagar o débito em três dias, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de pagamento, sob pena de prisão civil, e não meramente de expropriação de seus bens.
De acordo com a redação expressa do CPC/1973, é possível a cumulação dos dois ritos (arts. 732 e 733) nos mesmos autos. Apesar disso, alguns tribunais de justiça estaduais entendem que se houver cisão dos procedimentos, com a expedição de um mandado de citação para exigir-se o pagamento das três últimas prestações, sob pena de prisão, e, de outro, para cobrar as demais, obedecendo-se ao rito da execução por quantia certa, será possível a dualidade de procedimentos.[1] Por outro lado, há também entendimentos que admitem apenas a conversão do rito do art. 733 para o rito do art. 732, caso a constrição pessoal não tenha sido eficaz para a satisfação da obrigação.[2] Para o STJ, como é o exequente quem detém legitimidade para propor os meios executivos que achar conveniente, a conversão para o rito mais gravoso (ou seja, do art. 732 para o 733) jamais poderá ocorrer de ofício,[3] dependendo, portanto, de novo requerimento por parte do exequente ou de seu representante.
De acordo com o novo capítulo que trata do cumprimento da sentença que reconhece a exigibilidade de prestar alimentos, a constrição de bens e a constrição pessoal (prisão civil) do devedor continuam a ser tratadas em procedimentos distintos, sendo que na hipótese de prisão civil o juiz ainda poderá mandar protestar o pronunciamento judicial (art. 528, § 1º).
O CPC/2015 continua a restringir a utilização da forma coercitiva de execução, limitando-a ao débito correspondente aos três últimos meses anteriores ao ajuizamento (art. 528, § 7º). Não havia essa limitação expressa no CPC/1973, mas o entendimento que prevalecia já era este, em virtude da Súmula nº 309 do Superior Tribunal de Justiça.[4]
A nova legislação também estabelece regras para o cumprimento da prisão civil, tratando-se de um dos principais pontos de maior divergência ao longo da tramitação do projeto. No final, definiu-se a manutenção do regime fechado para o cumprimento da prisão por dívida de alimentos, com a condição de que o executado fique separado dos presos comuns (art. 528, § 4º). Se o presídio não oferecer condições para a separação dos demais presos, possivelmente a jurisprudência caminhará no sentido de permitir o cumprimento da pena em regime domiciliar.
Ressalte-se que não será decretada prisão se o juiz aceitar as justificativas do devedor quanto à impossibilidade de pagar os alimentos vencidos. Essa questão, embora também se sujeite ao convencimento do magistrado, deverá ser comprovada cabalmente, pois somente o fato que gerar impossibilidade absoluta de pagar os alimentos justificará o inadimplemento (art. 528, § 2º).
No caso do devedor que tem bens aptos a responder pela dívida, o exequente poderá promover o cumprimento da sentença na forma dos arts. 523 e seguintes do CPC/2015. Nessa hipótese não será possível a prisão civil do executado, mas a decisão judicial poderá ser protestada na forma do art. 517 do CPC/2015. Esse novo modelo, que alia a execução alimentar a outros instrumentos de coercibilidade, constitui uma das mais expressivas inovações do CPC/2015.
Por fim, quanto à competência territorial, o novo Código prevê que o cumprimento da sentença que condenar à prestação de alimentos poderá ser proposto: (i) no atual domicílio do executado; (ii) no juízo do local onde se encontrem bens sujeitos à execução; (iii) no domicílio do exequente; ou (iv) no juízo de proferiu a sentença exequenda. A intenção do legislador é possibilitar ao alimentado escolher o foro que melhor atenda às suas necessidades e à efetivação do direito que foi declarado na sentença ou noutra espécie de decisão judicial (art. 528, § 9º).[5]
Cumprimento da sentença mediante desconto em folha
De acordo com o CPC/1973, “quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia” (art. 734).
A hipótese do art. 734 da legislação anterior é utilizada apenas em relação às parcelas vincendas, sendo que as vencidas, com exceção das últimas três – hipótese do art. 733 do CPC/1973 –, deve ser executada por meio do procedimento previsto no art. 732, conforme tratado anteriormente. No entanto, com o objeto de dar efetividade à tutela jurisdicional já concedida na sentença, em algumas oportunidades o STJ chegou a admitir o desconto em folha de pagamento, inclusive quanto ao débito pretérito, desde que o montante a ser descontado fosse razoável e não impossibilitasse a sobrevivência do devedor (STJ, REsp 997.515, julgado em 18.10.2011).
O Novo CPC aprofundou a matéria relativa ao desconto em folha de pagamento das verbas relativas aos alimentos. Um dos pontos de maior relevância é o § 3º do art. 529, que não encontra correspondência da lei anterior e que autoriza que, além dos alimentos vincendos, o débito do executado (alimentos vencidos) possa ser descontado de seus rendimentos ou rendas, de forma parcelada, contanto que, somado à parcela devida, o valor do desconto não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquidos do executado. O dispositivo menciona que o débito poderá ser descontado dessa forma, o que quer dizer que caberá ao juiz avaliar as possibilidades do executado para, então, deferir a medida.
O novo Código também esclarece que a autoridade ou o empregador que deixar de descontar as verbas determinadas pelo juiz poderá responder por crime de desobediência (art. 330 do CP). Essa disposição (art. 529, § 1º) vai ao encontro do que já estava disciplinado no parágrafo único do art. 22 da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/1968).[6]
Cumprimento da decisão que fixa alimentos provisórios
Alimentos provisórios são aqueles fixados antes da sentença na ação de alimentos submetida ao rito especial previsto na Lei nº 5.478/1968. Nos termos do art. 4º da referida lei, “ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”. Trata-se de uma forma de antecipação dos efeitos da sentença quando há prova pré-constituída do parentesco, casamento ou união estável, sendo desnecessária prévia citação do réu ou mesmo dilação probatória.
A decisão que fixa os alimentos provisórios terá, então, natureza interlocutória e será passível de cumprimento em autos apartados, por expressa disposição do § 1º do art. 531 do CPC/2015. A mesma regra vale para os alimentos fixados em sentença ainda não transitada em julgado. Vale lembrar que os alimentos provisórios serão devidos até a decisão final e, portanto, ainda que haja recurso (agravo de instrumento), o credor poderá propor o cumprimento da decisão. Convertidos os alimentos provisórios em definitivos, o cumprimento da sentença já transitada em julgado será processado nos mesmos autos em que proferida a decisão definitiva.
Cumprimento da sentença que fixa alimentos indenizatórios
Alimentos indenizatórios ou ressarcitórios são aqueles devidos em razão da prática de ato ilícito, como, por exemplo, de homicídio, hipótese em que as pessoas que dependiam da vítima poderão pleiteá-los (art. 948, II, do CC).
A importância dos alimentos para a manutenção da vítima, ou dos sucessores dela, no caso do exemplo anterior, levou o legislador a estabelecer normas com o objetivo de preservar o valor real da prestação e assegurar o cumprimento da obrigação, evitando que eventual insolvência do devedor possa comprometer o pagamento das verbas alimentícias.
A preservação do valor dos alimentos é alcançada com a permissão de se fixá-los tomando por base o salário mínimo, bem como pela possibilidade de revisão, para aumentar ou diminuir, se sobrevier modificação nas condições econômicas do devedor ou do beneficiário (art. 533, §§ 3º e 4º).
A utilização do salário mínimo como base para fixação dos alimentos não afronta o art. 7º, IV, da CF, porquanto a vedação constante do texto constitucional visa o mesmo fim almejado pelo Código, ou seja, assegurar a subsistência digna dos alimentandos. A vinculação vedada pela constituição é aquela que possa interferir nos reajustes do salário mínimo.
No aspecto revisional, não se distingue entre alimentos fixados em decorrência de ato ilícito, de parentesco, casamento ou companheirismo. Em qualquer desses casos será possível a revisão se ocorrer alteração substancial nas condições econômicas, cabendo majoração ou diminuição do encargo.
No que tange às garantias para assegurar o pagamento da prestação alimentar, o exequente poderá requerer do devedor a constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão (art. 533, caput).
O capital garantidor do cumprimento da obrigação alimentar pode ser representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial. O importante é que os rendimentos dos bens que constituam a garantia sejam suficientes para quitar as prestações enquanto perdurar a obrigação. O § 1º do art. 533 do novo CPC prevê, ainda, que poderão ser constituídos como capital, além dos bens imóveis, os direitos reais sobre bens imóveis passíveis de alienação. Isso quer dizer que podem ser incluídos como garantia alguns dos direitos elencados no art. 1.225 do Código Civil, como, por exemplo, a hipoteca, o usufruto e o direito do promitente comprador. Nesses casos, o devedor não perde a propriedade ou o direito sobre os bens que constituem a garantia, mas apenas a disponibilidade deles enquanto perdurar a obrigação.
Esclarece-se que a constituição de capital, que no CPC/1973 soava como faculdade do juiz, no CPC/2015 passa a ser obrigatória, desde que (i) haja requerimento do exequente e (ii) o executado apresente bens (imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras), próprios ou de terceiro, destinados à geração de renda para o pagamento da prestação. De qualquer forma, restou mantida a possibilidade de substituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação alimentar na folha de pagamento do devedor, por fiança bancária ou por garantia real (art. 475-Q, § 2º, do CPC/1973; art. 533, § 2º, do CPC/2015). A novidade fica por conta da previsão de que os bens destinados à geração de renda constituir-se-ão em patrimônio de afetação (art. 533, § 1º, parte final).
Patrimônio de afetação consiste na destinação de parte ou de totalidade de um patrimônio para uma determinada finalidade. Trata-se de um fundo autônomo, como se passa com a fundação. Desta, porém, se difere, porquanto não tem personalidade jurídica, mas apenas autonomia patrimonial.
O regime da afetação patrimonial foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Medida Provisória nº 2.221 – a qual foi substituída pela Lei nº 10.931/2004 –, exclusivamente para fins de garantir a continuidade das obras da incorporação imobiliária no caso de “quebra” do incorporador. O objetivo era conferir segurança ao mercado imobiliário, aos adquirentes das unidades imobiliárias e ao próprio banco financiador da obra. Para edição da lei, o legislador se baseou na teoria da afetação, apresentada no final do século XIX, que tinha por escopo romper com a doutrina da unicidade patrimonial, permitindo, assim, a instituição de patrimônio destinado especificamente à consecução e entrega do empreendimento imobiliário.
A partir da vigência do novo Código, o regime também será aplicável para garantir a continuidade do pagamento de pensão fixada em decorrência de ato ilícito, quando a indenização consistir na prestação de alimentos.
Para que se configure o regime de afetação, quanto aos bens imóveis e direitos reais sobre eles (art. 1.225 do CC), deve-se proceder à averbação no Registro Imobiliário, por mandado expedido por ordem da autoridade judicial. Em se tratando, por exemplo, de títulos da dívida pública ou de aplicações financeiras, deve-se proceder ao registro perante o Banco Central do Brasil.
Tal patrimônio, assim apartado, deve ter aptidão para gerar receita suficiente para o pagamento da pensão, além de honorários ao administrador, impostos e outras despesas que possam recair sobre a essa ficção, uma vez que não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do devedor dos alimentos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à obrigação respectiva.
Os eventuais efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do devedor não atingirão o patrimônio de afetação previamente constituído e nem integrarão a massa concursal. Efeito prático: não obstante tais circunstâncias, o patrimônio afetado continuará a produzir receita para saldar o débito alimentar.
Embora o legislador tenha silenciado, ao regime de afetação previsto neste dispositivo aplica-se, no que couber o disposto na Lei nº 10.931/2004.
Finda a obrigação de prestar os alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha, cancelar qualquer das garantias prestadas ou desconstituir o patrimônio de afetação.
O limite temporal do pensionamento em decorrência de ato ilícito varia de acordo com a qualidade do beneficiário da pensão. Se a pensão destina-se à própria vítima, em decorrência, por exemplo, de redução da capacidade laborativa, a pensão será vitalícia, mas poderá ser paga de uma única vez (art. 950, parágrafo único, do CC). Destinando-se à viúva, no caso de morte da vítima, a duração do pensionamento observará a expectativa de vida do ofendido, bem como o estado de viuvez da beneficiária. No caso de dependentes, a obrigação alimentar será limitada não só pela expectativa de vida da vítima, como também pela condição de dependência. A maioridade e o casamento dos filhos constituem causas de extinção da obrigação alimentar.
Abandono material
De acordo com o art. 532 do novo Código, “verificada a conduta procrastinatória do executado, o juiz deverá, se for o caso, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material”.
A redação – novidade na legislação material – originou-se do Projeto de Lei nº 2.285/2007, que pretende instituir o Estatuto das Famílias. Por meio de sua aplicação busca-se evitar que o devedor seja premiado com a suspensão da execução do débito alimentar na hipótese de não serem encontrados bens passíveis de constrição por conta de manobras de má-fé realizadas pelo próprio executado. Assim, verificando que o devedor se esquiva de cumprir a obrigação mesmo tendo condições de fazê-la, o juiz dará ciência ao órgão do Ministério Público para apuração de crime previsto no art. 244, parágrafo único, do Código Penal.[7]
Cumpre esclarecer que a jurisprudência exige que o Ministério Público demonstre a falta de justa causa para o inadimplemento da obrigação, bem como o dolo na conduta do agente.[8] Somente assim será possível o processamento da ação penal.
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* Elpídio Donizetti é jurista, professor e advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/MG. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino. Pós-Doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina. Fundador do Instituto Elpídio Donizetti (http://www.portalied.com.br) e do Escritório Elpídio Donizetti Advogados (http://www.elpidiodonizetti.com). Entre outras, é autor das seguintes obras jurídicas: O Novo Código de Processo Civil Comparado, O Novo Código de Processo Civil Comentado, Curso Didático de Direito Civil, em co-autoria com o prof. Felipe Quintella, e Curso Didático de Direito Processual Civil
[1] Por exemplo: TJSC, AI 624.825/SC 2010.062482-5, Rel. Des. Carlos Prudêncio, j. 26.08.2011.
[2] Exemplos: TJMG, AI 10702096042602001, Rel. Des. Alberto Vilas Boas, j. 13.05.2014; TJRS, AG 70041364977, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 25.02.2011.
[3] Exemplos: HC 128.229/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 06.05.2009; HC 188.630/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 11.02.2011.
[4] STJ, Súmula nº 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
[5] Esse já era o entendimento adotado pelo STJ: CC 118.340/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.09.2013.
[6] Lei nº 5.478/1968, “Art. 22. Constitui crime conta a administração da Justiça deixar o empregador ou funcionário público de prestar ao juízo competente as informações necessárias à instrução de processo ou execução de sentença ou acordo que fixe pensão alimentícia: Pena – Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, sem prejuízo da pena acessória de suspensão do emprego de 30 (trinta) a 90 (noventa) dias. Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, de qualquer modo, ajuda o devedor a eximir-se ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, ou se recusa, ou procrastina a executar ordem de descontos em folhas de pagamento, expedida pelo juiz competente”.
[7] Código Penal, “Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único. Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”.
[8] Por exemplo: STJ, HC 141.069/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.08.2011.
Por Elpídio Donizetti e Portal IED - Instituto Elpídio Donizetti
Fonte: Jus Brasil