goo.gl/zquLgZ | Reportagem de capa da edição de VEJA que chegou às bancas nesta sexta-feira mostra que o número de processos por assédio sexual que chegaram ao Judiciário brasileiro quadruplicou nos últimos quatro anos (de 1.530 casos em 2013, para 4.450 em 2016) e pode ter quintuplicado ao fim de 2017 (a atualização mais recente, até junho, mostrava 4.057 novos casos).
Apesar do aumento expressivo, ações abertas a partir da maior vigilância contra o assédio dos últimos tempos ainda são consideradas excepcionais por quem lida com os casos no dia a dia: os juízes. Em entrevista exclusiva a VEJA, Rui César Publio Correa, que é juiz do trabalho há 24 anos e atua no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), afirma que é difícil estabelecer indenizações, pois é muito difícil comprovar o assédio sexual.
Quando o senhor começou a perceber um aumento no número de processos envolvendo assédio sexual no trabalho?
Os processos judiciais envolvendo assédio sexual no ambiente de trabalho começaram a surgir na década de 1990, após a Constituição Federal de 1988, que passou a garantir direitos à dignidade e à honra da pessoa. Ainda assim, naquela época, eram raríssimos os casos que chegavam ao Judiciário, ninguém falava disso. As pessoas começaram a se encorajar a denunciar muito aos poucos, quando viram que a Justiça realmente era um canal seguro e que trazia resultados.
Que tipo de indenização as pessoas pedem nessas ações?
Para que o processo seja julgado pela Justiça do Trabalho, precisa existir uma relação de trabalho envolvida, senão o processo vai para varas criminais. Os pedidos geralmente tem como base a Constituição Federal e são de danos morais, já que o assediador feriu a dignidade da pessoa, feriu a honra. Os pedidos de danos morais se tornam uma indenização.
Por que ainda vemos poucos casos chegando à Justiça?
Porque ainda é muito difícil provar que realmente aconteceu o assédio. Quando uma pessoa entra com uma denúncia de assédio sexual, cabe a ela provar que foi assediada – e não ao acusado provar inocência. E é aí que começa o problema. O assediador, em geral, não faz nada que possa comprometê-lo na frente de outras pessoas. E também dificilmente deixa algo que possa ser usado como prova, como bilhetes comprometedores ou mensagens de texto.
Mensagens em redes sociais, por exemplo, servem como prova?
Sim. A Justiça aceita todas as formas de prova: testemunhal, documental ou pericial. Mas, em geral, é muito difícil que a pessoa tenha testemunhas, pois elas temem represálias, temem perder o emprego. Então hoje em dia vale tudo: gravação, mensagem no WhatsApp ou em outra rede social. A pessoa vai juntando o máximo de provas para formar o convencimento.
Se é difícil provar, é difícil também condenar?
É muito difícil. Eu, como juiz, preciso analisar cuidadosamente as provas antes de tomar uma decisão que vai mudar a vida e a carreira daquela pessoa que está sendo acusada. Mas, como pessoa, acredito que para a mulher (ou homem) chegar ao ponto de buscar ajuda na Justiça é porque realmente foi vítima de algo que ela considera grave e ofensivo à sua dignidade. Pode ter gente oportunista, mentindo? Pode. Mas acho que, para alguém se expor dessa maneira, se expor para familiares, amigos, no trabalho, é porque aconteceu algo sério. Em geral, as pessoas acham que a vítima deu mole, que facilitou, que deu abertura. É uma exposição.
Quando há condenação, quais são os valores médios das indenizações?
Essa é outra questão muito difícil de definir. Os valores variam de 1.000 reais a 100.000 reais. É muito difícil precificar uma indenização por assédio. É tudo subjetivo, por isso o juiz precisa estabelecer alguns critérios, como: se a pessoa/empresa é reincidente, qual a capacidade de pagamento da indenização, definir um caráter educativo (o juiz pode exigir que a empresa faça ações educativas para evitar assédio). Afinal, quanto custa uma cantada? O constrangimento da vítima não tem preço.
Como é o clima das audiências? Vítimas e assediadores se encontram?
Nas audiências 99% das vítimas choram muito quando começo a perguntar do caso. Elas desabam. É como se revivessem tudo, chega a ser constrangedor. Na maioria das vezes o assediador não participa, a empresa manda um preposto.
Num caso de assédio no trabalho, de quem é a responsabilidade? Da empresa ou do assediador?
Em caso de denúncia de assédio sexual no ambiente de trabalho a responsabilidade jurídica é sempre da empresa, e não do assediador. Isso acontece porque cabe à empresa proporcionar um ambiente de trabalho adequado ao funcionário e ela é responsável pelos atos de quem ela contrata. Raramente as partes entram em acordo, mas o juiz sempre propõe que isso aconteça. Assim, em caso de condenação, quem paga a indenização é a empresa, e não o assediador.
O senhor pode citar algum caso?
Nas ações que já julguei, vi casos de o assediador falar muito da roupa da vítima, dos lábios, dos atributos físicos etc. Já vi frases como “seu decote é uma coisa maravilhosa” ou “que lábios carnudos e bonitos”. Já vi casos de um funcionário homossexual denunciar o chefe pois “ele ficava lhe mostrando seu órgão sexual”. Em um outro caso, uma funcionária de uma companhia aérea processou um superior do trabalho que a assediava sussurrando palavras no ouvido dela. Na época, ela usava coque no cabelo. Na audiência, contou que passou a usar os cabelos soltos para poder cobrir o pescoço e as orelhas e, assim, evitar que o homem se aproximasse para sussurrar no ouvido dela. Ele admitiu o assédio, mas queria resolver logo o problema. Entraram em acordo. O valor da indenização foi de R$ 50.000 reais.
O senhor acha que o aumento no número de denúncias tende a crescer?
Sem dúvida nenhuma. Estamos caminhando para o avanço. Antigamente, a mulher vítima de violência doméstica, por exemplo, também não tinha nenhum respaldo. Hoje, com a Lei Maria da Penha e delegacias especializadas, muito mais mulheres têm coragem de denunciar. Para mim, as denúncias envolvendo assédio sexual no trabalho estão seguindo o mesmo rumo, estão avançando.
Por Fernanda Bassette
Fonte: veja.abril.com.br
Apesar do aumento expressivo, ações abertas a partir da maior vigilância contra o assédio dos últimos tempos ainda são consideradas excepcionais por quem lida com os casos no dia a dia: os juízes. Em entrevista exclusiva a VEJA, Rui César Publio Correa, que é juiz do trabalho há 24 anos e atua no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), afirma que é difícil estabelecer indenizações, pois é muito difícil comprovar o assédio sexual.
Quando o senhor começou a perceber um aumento no número de processos envolvendo assédio sexual no trabalho?
Os processos judiciais envolvendo assédio sexual no ambiente de trabalho começaram a surgir na década de 1990, após a Constituição Federal de 1988, que passou a garantir direitos à dignidade e à honra da pessoa. Ainda assim, naquela época, eram raríssimos os casos que chegavam ao Judiciário, ninguém falava disso. As pessoas começaram a se encorajar a denunciar muito aos poucos, quando viram que a Justiça realmente era um canal seguro e que trazia resultados.
Que tipo de indenização as pessoas pedem nessas ações?
Para que o processo seja julgado pela Justiça do Trabalho, precisa existir uma relação de trabalho envolvida, senão o processo vai para varas criminais. Os pedidos geralmente tem como base a Constituição Federal e são de danos morais, já que o assediador feriu a dignidade da pessoa, feriu a honra. Os pedidos de danos morais se tornam uma indenização.
Por que ainda vemos poucos casos chegando à Justiça?
Porque ainda é muito difícil provar que realmente aconteceu o assédio. Quando uma pessoa entra com uma denúncia de assédio sexual, cabe a ela provar que foi assediada – e não ao acusado provar inocência. E é aí que começa o problema. O assediador, em geral, não faz nada que possa comprometê-lo na frente de outras pessoas. E também dificilmente deixa algo que possa ser usado como prova, como bilhetes comprometedores ou mensagens de texto.
Mensagens em redes sociais, por exemplo, servem como prova?
Sim. A Justiça aceita todas as formas de prova: testemunhal, documental ou pericial. Mas, em geral, é muito difícil que a pessoa tenha testemunhas, pois elas temem represálias, temem perder o emprego. Então hoje em dia vale tudo: gravação, mensagem no WhatsApp ou em outra rede social. A pessoa vai juntando o máximo de provas para formar o convencimento.
Se é difícil provar, é difícil também condenar?
É muito difícil. Eu, como juiz, preciso analisar cuidadosamente as provas antes de tomar uma decisão que vai mudar a vida e a carreira daquela pessoa que está sendo acusada. Mas, como pessoa, acredito que para a mulher (ou homem) chegar ao ponto de buscar ajuda na Justiça é porque realmente foi vítima de algo que ela considera grave e ofensivo à sua dignidade. Pode ter gente oportunista, mentindo? Pode. Mas acho que, para alguém se expor dessa maneira, se expor para familiares, amigos, no trabalho, é porque aconteceu algo sério. Em geral, as pessoas acham que a vítima deu mole, que facilitou, que deu abertura. É uma exposição.
Quando há condenação, quais são os valores médios das indenizações?
Essa é outra questão muito difícil de definir. Os valores variam de 1.000 reais a 100.000 reais. É muito difícil precificar uma indenização por assédio. É tudo subjetivo, por isso o juiz precisa estabelecer alguns critérios, como: se a pessoa/empresa é reincidente, qual a capacidade de pagamento da indenização, definir um caráter educativo (o juiz pode exigir que a empresa faça ações educativas para evitar assédio). Afinal, quanto custa uma cantada? O constrangimento da vítima não tem preço.
Como é o clima das audiências? Vítimas e assediadores se encontram?
Nas audiências 99% das vítimas choram muito quando começo a perguntar do caso. Elas desabam. É como se revivessem tudo, chega a ser constrangedor. Na maioria das vezes o assediador não participa, a empresa manda um preposto.
Num caso de assédio no trabalho, de quem é a responsabilidade? Da empresa ou do assediador?
Em caso de denúncia de assédio sexual no ambiente de trabalho a responsabilidade jurídica é sempre da empresa, e não do assediador. Isso acontece porque cabe à empresa proporcionar um ambiente de trabalho adequado ao funcionário e ela é responsável pelos atos de quem ela contrata. Raramente as partes entram em acordo, mas o juiz sempre propõe que isso aconteça. Assim, em caso de condenação, quem paga a indenização é a empresa, e não o assediador.
O senhor pode citar algum caso?
Nas ações que já julguei, vi casos de o assediador falar muito da roupa da vítima, dos lábios, dos atributos físicos etc. Já vi frases como “seu decote é uma coisa maravilhosa” ou “que lábios carnudos e bonitos”. Já vi casos de um funcionário homossexual denunciar o chefe pois “ele ficava lhe mostrando seu órgão sexual”. Em um outro caso, uma funcionária de uma companhia aérea processou um superior do trabalho que a assediava sussurrando palavras no ouvido dela. Na época, ela usava coque no cabelo. Na audiência, contou que passou a usar os cabelos soltos para poder cobrir o pescoço e as orelhas e, assim, evitar que o homem se aproximasse para sussurrar no ouvido dela. Ele admitiu o assédio, mas queria resolver logo o problema. Entraram em acordo. O valor da indenização foi de R$ 50.000 reais.
O senhor acha que o aumento no número de denúncias tende a crescer?
Sem dúvida nenhuma. Estamos caminhando para o avanço. Antigamente, a mulher vítima de violência doméstica, por exemplo, também não tinha nenhum respaldo. Hoje, com a Lei Maria da Penha e delegacias especializadas, muito mais mulheres têm coragem de denunciar. Para mim, as denúncias envolvendo assédio sexual no trabalho estão seguindo o mesmo rumo, estão avançando.
Por Fernanda Bassette
Fonte: veja.abril.com.br