goo.gl/B2AvfV | O caso da carioca Cláudia Cristina Sobral Hoerig - primeira pessoa a perder a cidadania brasileira e ser extraditada para o exterior - gerou um debate sobre as circunstâncias em que brasileiros com outras nacionalidades podem enfrentar a mesma situação.
Cláudia desembarcou na última quarta nos Estados Unidos, onde será julgada pela morte do marido, o piloto americano Karl Hoerig, em 2007.
Nascida no Rio de Janeiro, ela se mudou para os EUA nos anos 1990, onde se casou duas vezes e obteve a cidadania americana. Ela voltou ao Brasil no mesmo dia em que, segundo investigadores americanos, seu marido foi morto por tiros, o que a tornou a principal suspeita.
Na página da BBC Brasil no Facebook, leitores enviaram perguntas sobre as razões para a perda de nacionalidade e a extradição de Cláudia, situação inédita na Justiça brasileira.
Confira as respostas a algumas das principais dúvidas suscitadas:
Quem nasce no Brasil pode perder a cidadania brasileira?
Segundo o artigo 12º da Constituição, brasileiros só podem perder a cidadania nacional se obtiverem cidadania em um país com o qual não tenham laços sanguíneos.
Um migrante brasileiro que more nos Estados Unidos, por exemplo, pode solicitar a cidadania local mesmo sem ter laços sanguíneos com o país, desde que cumpra outros requisitos. O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Luiz Guilherme Arcaro Conci explica que esse tipo de cidadania é chamado de "cidadania derivada".
Há outro tipo de cidadania, normalmente reconhecido a quem tem um vínculo sanguíneo com a nação. É o caso de muitos países europeus - entre os quais Portugal, Itália, Alemanha e Espanha -, que reconhecem a cidadania de pessoas nascidas fora de seus territórios, desde que seus antepassados sejam originários dessas nações. Esse tipo de cidadania é chamado de "nacionalidade originária".
Alguns países - caso do Brasil e dos Estados Unidos - também concedem a nacionalidade originária a qualquer pessoa que nasça em seus territórios, independentemente das origens dos pais.
Pessoas que tenham alguma nacionalidade originária além da brasileira não podem perder a nacionalidade brasileira. Isso se aplica à ampla maioria dos brasileiros que também são cidadãos de países europeus.
Pergunta do leitor Edel Gonçalves: 'Tenho o Green Card e vou pedir a cidadania americana. Como faço para não perder a cidadania brasileira?'
Em tese, a decisão da Justiça no caso Cláudia Hoerig dá margem para que qualquer brasileiro com nacionalidade americana derivada (e não originária) perca a nacionalidade brasileira.
Para a perda da nacionalidade brasileira, é preciso que o Ministério da Justiça, órgão do governo federal, decrete o ato por meio de um ofício. No caso de Cláudia Hoerig, a pasta entendeu que ela renunciou à cidadania brasileira ao solicitar a cidadania americana.
A Constituição cita uma circunstância em que brasileiros que obtenham voluntariamente (e não por direito originário) outra cidadania ficam protegidos de perder a cidadania brasileira: quando a adquirem em países que exijam a cidadania "como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis".
A defesa de Cláudia Hoerig diz que seu caso se enquadra nessa categoria, pois ela teria pedido a cidadania americana para poder exercer plenamente seus direitos civis nos EUA. Antes de pedir a cidadania, ela tinha um Green Card, documento que permite ao portador viver e trabalhar nos EUA, mas não garante todos os direitos de quem é cidadão americano.
Só cidadãos podem votar em eleições locais e federais, concorrer a cargos públicos, pedir vistos de permanência para familiares e entrar e sair dos EUA sem restrições nem limites quanto ao período de ausência, entre outros direitos.
Com base nesses argumentos, advogados da carioca ingressaram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da perda de nacionalidade decretada pelo Ministério da Justiça.
Em abril de 2016, a Primeira Turma do Supremo Tibunal Federal (STF) rejeitou o pedido por três votos a dois, alterando a jurisprudência brasileira em relação ao tema.
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, disse que, ao receber o Green Card, Cláudia recebeu "autorização para permanência, trabalho, e gozo de direitos civis, tornando-se, assim, absolutamente desnecessária a obtenção da nacionalidade norte-americana".
Até então, vigorava o entendimento - baseado em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - de que a obtenção da cidadania americana era necessária ao exercício de direitos civis.
O leitor Diego Cruz comentou: 'A Constituição prevê a perda da cidadania brasileira para cidadãos brasileiros que optarem por outra cidadania. Mas há diferença entre cidadania e nacionalidade, não?!'
O professor de Direito Penal Internacional da PUC-SP Claudio Langroiva Pereira diz que, no Brasil, não há diferença legal entre os conceitos de cidadania e nacionalidade.
Normalmente usa-se o conceito nacionalidade quando se quer enfatizar o vínculo cultural de um indivíduo com uma nação, e o conceito de cidadania para se referir ao laço político entre uma pessoa e o Estado.
Quem corre o risco de ser extraditado conforme as regras adotadas no caso Cláudia Hoerig?
O procurador Vladimir Aras, que acompanhou o caso como membro da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (MPF), diz que extradições desse tipo só ocorrerão em situações muito específicas.
Mesmo que cumpra os requisitos citados nas respostas anteriores, ele diz que é preciso que a pessoa tenha a nacionalidade brasileira anulada pelo Ministério da Justiça e tenha cometido um crime que seja passível de extradição segundo os critérios definidos em acordo entre o Brasil e o país que venha a recebê-la.
Segundo o STF, o Brasil mantém acordos de extradição com 29 países.
Além dessas premissas, Aras diz que é preciso que o governo brasileiro aceite o pedido do país estrangeiro para extraditar a pessoa e que o STF avalize o gesto.
Quando um caso de extradição chega à corte, cabe aos ministros analisar a legalidade do pedido, e não o mérito das acusações contra quem se deseja extraditar.
Segundo Aras, a legislação brasileira sobre extradições é bastante restritiva se comparada às das demais nações iberoamericanas. Ele afirma que 67% dos países desse grupo extraditam inclusive seus cidadãos nacionais.
"Claudia Hoerig já não era mais brasileira no momento em que o STF analisou seu caso, por isso recebeu o mesmo tratamento que qualquer estrangeiro."
No julgamento da carioca, a Procuradoria defendeu que ela fosse extraditada.
Alguns juristas criticaram a decisão e afirmaram que ela cria a possibilidade de novos processos de anulação de cidadania brasileira e extradição.
Para Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, brasileiros que tiram outras cidadanias o fazem sempre para ter mais direitos. "A aplicação da lei penal não pode justificar a restrição a direitos civis."
Para a advogada migratória brasileira Renata Castro, que atua em Miami, o caso Cláudia Hoerig dá margem para que vários brasileiros com cidadania americana entrem na fila da extradição.
Ela afirma que não só crimes graves como homicídios poderão resultar em extradições, mas também crimes fiscais, como a sonegação de impostos.
Hoje, diz Castro, muitos brasileiros com cidadania americana voltam ao Brasil para evitar responder a processos na Justiça americana.
Segundo ela, a pressão exercida pelo governo dos EUA pode fazer com que o Brasil "comece a extraditar gente a torto e a direito".
Fonte: www.terra.com.br
Cláudia desembarcou na última quarta nos Estados Unidos, onde será julgada pela morte do marido, o piloto americano Karl Hoerig, em 2007.
Nascida no Rio de Janeiro, ela se mudou para os EUA nos anos 1990, onde se casou duas vezes e obteve a cidadania americana. Ela voltou ao Brasil no mesmo dia em que, segundo investigadores americanos, seu marido foi morto por tiros, o que a tornou a principal suspeita.
Na página da BBC Brasil no Facebook, leitores enviaram perguntas sobre as razões para a perda de nacionalidade e a extradição de Cláudia, situação inédita na Justiça brasileira.
Confira as respostas a algumas das principais dúvidas suscitadas:
Quem nasce no Brasil pode perder a cidadania brasileira?
Segundo o artigo 12º da Constituição, brasileiros só podem perder a cidadania nacional se obtiverem cidadania em um país com o qual não tenham laços sanguíneos.
Um migrante brasileiro que more nos Estados Unidos, por exemplo, pode solicitar a cidadania local mesmo sem ter laços sanguíneos com o país, desde que cumpra outros requisitos. O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Luiz Guilherme Arcaro Conci explica que esse tipo de cidadania é chamado de "cidadania derivada".
Há outro tipo de cidadania, normalmente reconhecido a quem tem um vínculo sanguíneo com a nação. É o caso de muitos países europeus - entre os quais Portugal, Itália, Alemanha e Espanha -, que reconhecem a cidadania de pessoas nascidas fora de seus territórios, desde que seus antepassados sejam originários dessas nações. Esse tipo de cidadania é chamado de "nacionalidade originária".
Alguns países - caso do Brasil e dos Estados Unidos - também concedem a nacionalidade originária a qualquer pessoa que nasça em seus territórios, independentemente das origens dos pais.
Pessoas que tenham alguma nacionalidade originária além da brasileira não podem perder a nacionalidade brasileira. Isso se aplica à ampla maioria dos brasileiros que também são cidadãos de países europeus.
Pergunta do leitor Edel Gonçalves: 'Tenho o Green Card e vou pedir a cidadania americana. Como faço para não perder a cidadania brasileira?'
Em tese, a decisão da Justiça no caso Cláudia Hoerig dá margem para que qualquer brasileiro com nacionalidade americana derivada (e não originária) perca a nacionalidade brasileira.
Para a perda da nacionalidade brasileira, é preciso que o Ministério da Justiça, órgão do governo federal, decrete o ato por meio de um ofício. No caso de Cláudia Hoerig, a pasta entendeu que ela renunciou à cidadania brasileira ao solicitar a cidadania americana.
A Constituição cita uma circunstância em que brasileiros que obtenham voluntariamente (e não por direito originário) outra cidadania ficam protegidos de perder a cidadania brasileira: quando a adquirem em países que exijam a cidadania "como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis".
A defesa de Cláudia Hoerig diz que seu caso se enquadra nessa categoria, pois ela teria pedido a cidadania americana para poder exercer plenamente seus direitos civis nos EUA. Antes de pedir a cidadania, ela tinha um Green Card, documento que permite ao portador viver e trabalhar nos EUA, mas não garante todos os direitos de quem é cidadão americano.
Só cidadãos podem votar em eleições locais e federais, concorrer a cargos públicos, pedir vistos de permanência para familiares e entrar e sair dos EUA sem restrições nem limites quanto ao período de ausência, entre outros direitos.
Com base nesses argumentos, advogados da carioca ingressaram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da perda de nacionalidade decretada pelo Ministério da Justiça.
Em abril de 2016, a Primeira Turma do Supremo Tibunal Federal (STF) rejeitou o pedido por três votos a dois, alterando a jurisprudência brasileira em relação ao tema.
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, disse que, ao receber o Green Card, Cláudia recebeu "autorização para permanência, trabalho, e gozo de direitos civis, tornando-se, assim, absolutamente desnecessária a obtenção da nacionalidade norte-americana".
Até então, vigorava o entendimento - baseado em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - de que a obtenção da cidadania americana era necessária ao exercício de direitos civis.
O leitor Diego Cruz comentou: 'A Constituição prevê a perda da cidadania brasileira para cidadãos brasileiros que optarem por outra cidadania. Mas há diferença entre cidadania e nacionalidade, não?!'
O professor de Direito Penal Internacional da PUC-SP Claudio Langroiva Pereira diz que, no Brasil, não há diferença legal entre os conceitos de cidadania e nacionalidade.
Normalmente usa-se o conceito nacionalidade quando se quer enfatizar o vínculo cultural de um indivíduo com uma nação, e o conceito de cidadania para se referir ao laço político entre uma pessoa e o Estado.
Quem corre o risco de ser extraditado conforme as regras adotadas no caso Cláudia Hoerig?
O procurador Vladimir Aras, que acompanhou o caso como membro da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (MPF), diz que extradições desse tipo só ocorrerão em situações muito específicas.
Mesmo que cumpra os requisitos citados nas respostas anteriores, ele diz que é preciso que a pessoa tenha a nacionalidade brasileira anulada pelo Ministério da Justiça e tenha cometido um crime que seja passível de extradição segundo os critérios definidos em acordo entre o Brasil e o país que venha a recebê-la.
Segundo o STF, o Brasil mantém acordos de extradição com 29 países.
Além dessas premissas, Aras diz que é preciso que o governo brasileiro aceite o pedido do país estrangeiro para extraditar a pessoa e que o STF avalize o gesto.
Quando um caso de extradição chega à corte, cabe aos ministros analisar a legalidade do pedido, e não o mérito das acusações contra quem se deseja extraditar.
Segundo Aras, a legislação brasileira sobre extradições é bastante restritiva se comparada às das demais nações iberoamericanas. Ele afirma que 67% dos países desse grupo extraditam inclusive seus cidadãos nacionais.
"Claudia Hoerig já não era mais brasileira no momento em que o STF analisou seu caso, por isso recebeu o mesmo tratamento que qualquer estrangeiro."
No julgamento da carioca, a Procuradoria defendeu que ela fosse extraditada.
Alguns juristas criticaram a decisão e afirmaram que ela cria a possibilidade de novos processos de anulação de cidadania brasileira e extradição.
Para Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, brasileiros que tiram outras cidadanias o fazem sempre para ter mais direitos. "A aplicação da lei penal não pode justificar a restrição a direitos civis."
Para a advogada migratória brasileira Renata Castro, que atua em Miami, o caso Cláudia Hoerig dá margem para que vários brasileiros com cidadania americana entrem na fila da extradição.
Ela afirma que não só crimes graves como homicídios poderão resultar em extradições, mas também crimes fiscais, como a sonegação de impostos.
Hoje, diz Castro, muitos brasileiros com cidadania americana voltam ao Brasil para evitar responder a processos na Justiça americana.
Segundo ela, a pressão exercida pelo governo dos EUA pode fazer com que o Brasil "comece a extraditar gente a torto e a direito".
Fonte: www.terra.com.br