'Carta' de uma jovem advogada - O papel dos advogados corporativos nas empresas

goo.gl/iiqdLS | Por essas surpresas das redes sociais, recebi uma mensagem de alguém que não conhecia. Muito diferente daquelas enviando folders coloridos ou apresentando “soluções” para todos os meus problemas, essa chamou minha atenção em especial.

Foi escrita por uma jovem advogada, Carolina, recém-formada, cuja breve experiência vinha “toda” de passagens por escritórios de advocacia de Belo Horizonte, desde os tempos de estágio.

Ela se apresentou e logo começou a dividir sua inquietação comigo: “Confesso que sempre me incomodou a cultura de escritório e como chegou em um ponto que eu tenho que fazer escolhas na carreira, comecei a buscar o que faltava nesse ambiente. Até que me deparei com uma entrevista sua que trata do papel dos advogados corporativos nas empresas. E o que mais me chamou a atenção foi a frase de destaque da matéria: ‘Advogado corporativo precisa ter interesse genuíno por negócios’ . Desde então isso não saiu da minha cabeça e me fez repensar muitas coisas.”.

Corajosa, ela levou o tema para o sócio do escritório, manifestando sua vontade de ser “alocada” em algum dos clientes, ter a oportunidade de conhecer o ambiente empresarial, aprender sobre o seu “business” e como funciona sua organização. E, de pronto, ela teve sua resposta: “Sabe o que ele me respondeu, Flávio? Que aquilo era um desperdício! E que ser advogado corporativo é apenas para quem tem preguiça de trabalhar…”.

Insatisfeita com o que recebeu de seu “chefe”, Carolina seguiu escrevendo para mim. “Tomei a liberdade de te contar tudo isso e também de te contatar pelo LinkedIn, para entender como funciona essa carreira.”. Pediu ajuda, “seja com a indicação de um livro, material, qualquer coisa, só para eu ficar cada vez mais próxima desse ‘mundo das empresas’ e preparada para as novas oportunidades nesse ramo…”.

A mensagem da Carolina me fez lembrar dos meus “chefes” no início de carreira e especialmente a enorme influência que eles (ou elas) podem ter sobre pensamentos e decisões de jovens profissionais, inexperientes na carreira e ainda mais inexperientes na vida.

No primeiro momento fiquei triste pela resposta que Carolina recebeu. Triste pelos outros profissionais que receberam “orientação” semelhante e que, diferente da Carolina, se resignaram com uma visão tão pobre e desatualizada vinda “de seu superior”. Triste por saber como um péssimo líder, cheio de “verdades” pré-concebidas, pode influenciar negativamente o começo de nossas carreiras e o quanto essa visão rasa pode limitar as possibilidades dele como advogado, do próprio escritório mas, principalmente, das jovens pessoas que o cercam.

Fiquei triste também por lembrar que ainda existem muitos “chefes da Carolina” espalhados por aí, todos trajados com suas “gravatas mentais” que tanto limitam a capacidade de enxergar a tempestade dos “novos” tempos da advocacia e que, em muito breve, virá afogá-lo junto com sua arrogância e postura ultrapassada, cada vez mais sem espaço no mercado extremamente competitivo que vivemos.

Mas essa tristeza durou pouco! Isso porque lembrei também que existem muitas “Carolinas” por aí! Jovens profissionais curiosos e incomodados com a péssima qualidade da formação jurídica que recebem na enorme maioria das escolas de Direito, ainda em um formato “colonial” e conteúdo ultrapassado. Inconformados ao perceberem que o mercado lhes demanda hoje competências para as quais nunca foram treinados. “Carolinas” tentando ativamente buscar direcionamento para as suas dúvidas profissionais, sedentas por informação e lideranças de qualidade, que as inspirem ou, ao menos, as motivem buscar respostas menos rasas e “tradicionais”.

E por mais incrível que ainda possa parecer, ninguém na faculdade que ela acabou de se formar ensinou à Carolina que existe um outro caminho divertidíssimo, diferente dos concursos públicos e dos escritórios de advocacia, para o advogado progredir em sua carreira. Aconteceu o mesmo comigo há 20 anos e certamente também com o “chefe da Carolina”. Essa mudança precisa ocorrer logo, e a novidade é que pessoas extremamente qualificadas vêm se dedicando muito neste sentido. Mas isso é tema para outro artigo…

O que interessa mesmo agora é que, apesar dessa carência na graduação, a Carolina não aceitou a resposta que recebeu de seu “chefe” e se desligou do escritório. Hoje ela está devorando os textos sobre Gestão Jurídica, frequentando seminários e palestras, seguindo de perto as atividades do “Jurídico sem Gravata”, pesquisando outros fóruns sobre advocacia empresarial e questionando gestores experientes. Continua curiosa demais por esse “mundo das empresas”, enquanto busca ativamente uma oportunidade para trabalhar como advogada corporativa.

Assim que uma empresa tiver a sorte de contratá-la, Carolina irá logo perceber que o ponto principal não é quem “trabalha mais” ou quem “trabalha menos”. Isso varia demais dependendo de muitas circunstâncias e absolutamente não há regra. Ela vai comprovar que, dentro da advocacia corporativa, os papéis do advogado interno e do advogado externo são distintos e, ao mesmo tempo, complementares entre si. Um não funciona bem sem o outro e, se estiverem alinhados e entrosados, todos ganham! Aprenderá rápido que muitas das competências que não foram ensinadas na Faculdade de Direito estão ganhando cada vez mais relevância e sendo decisivas para os “dois papéis”.

Mas se não sabemos ou não queremos entender como é a vida no “outro lado do balcão” — como claramente é o caso do “chefe da Carolina” — nossas escolhas ficam mais limitadas e a frustração com os rumos que damos para nossas carreiras chegam mais rápido.

Ao longo dos anos, Carolina talvez descubra que realmente seus talentos e vocação se encaixem melhor em escritórios de advocacia. Ou perceba que seu sucesso esteja em especializações técnicas ou carreiras públicas. Ou eventualmente, seguirá a carreira corporativa e se tornará uma Executiva Jurídica de sucesso, reconhecida dentro e fora da empresa. Mas isso Carolina nos contará em outra oportunidade.

E a notícia que podemos contar desde já para o “chefe da Carolina” é que quando ele perceber a necessidade de aproximação e conhecimento do mundo corporativo, já será muito tarde. Isso porque as empresas que hoje são seus clientes já terão feito outras escolhas, preferindo uma advocacia muito mais moderna, sem preconceitos e que realmente atue como parceiro estratégico para o sucesso de seus negócios.

Então restará a ele procurar Carolina no LinkedIn, enviar seu CV e ser apenas mais um querendo trabalhar no time dela…

Por Flávio Franco
Fonte: www.jota.info
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