Por que as faculdades de Direito se esquecem da Justiça Federal? Por Evinis Talon

goo.gl/swSBxh | Em várias oportunidades, já pontuei a forma como as faculdades de Direito, no âmbito criminal, enfatizam a Justiça Estadual e se esquecem da Justiça Federal.

Quando os professores citam exemplos, normalmente falam de homicídio, furto, roubo, lesão, ameaça etc. Raramente se observa um professor de Direito Penal ou Direito Processual Penal que cita exemplos relacionados aos crimes contra a ordem tributária, moeda falsa ou qualquer outro crime que, normalmente, é julgado pela Justiça Federal.

Quais seriam os motivos? Imagino alguns:

  1. O Direito Penal voltado para a Justiça Estadual é mais simples, pois reflete uma criminalidade tradicional (furto, roubo, lesão etc.).
  2. Muitos professores de Direito Penal jamais atuaram na Justiça Federal.
  3. Diante do maior número de agentes da Justiça Estadual (Juízes de Direito, Promotores de Justiça, Defensores Públicos e Delegados de Polícia), há mais chances de que a faculdade tenha esses agentes como professores do que tenha algum dos agentes que atuam na Justiça Federal.

É muito importante abandonar o romantismo de outrora, quando a parte apaixonante da Advocacia Criminal dizia respeito apenas aos crimes tradicionais. Hoje, a criminalidade econômica, apesar de complexa, é tão ou mais apaixonante que a defesa penal realizada nas décadas passadas.

Por esse motivo, este texto pretende apresentar algumas noções sobre a Justiça Federal.

O Poder Judiciário é regulamentado entre os arts. 92 e 126 da Constituição Federal. Por sua vez, a Justiça Federal é disciplinada especificamente entre os arts. 106 e 110 da Constituição, com a sua competência prevista no art. 109.

Enquanto a competência da Justiça Federal é taxativamente prevista, a competência da Justiça Estadual é residual, isto é, tem lugar quando não for competente alguma outra Justiça (Trabalhista, Militar, Eleitoral ou Federal).

Ainda assim, diuturnamente surgem dúvidas sobre as competências da Justiça Federal e da Justiça Federal, conforme texto anterior, no qual analisei alguns conflitos de competência julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (leia aqui). Naquela oportunidade, demonstrei como raramente é reconhecida a competência da Justiça Federal em detrimento da competência da Justiça Estadual.

Aliás, algumas estatísticas demonstram como a Justiça Estadual é muito mais “requisitada” que a Justiça Federal.

Conforme o Relatório Analítico de 2016 (leia aqui), a Justiça Estadual abrange 79% dos processos em tramitação, responde por aproximadamente 57% da despesa total do Poder Judiciário e, quanto à área criminal, cuida de 92,8% da demanda.

Como dito, esses números podem explicar o fato de que as faculdades praticamente tratam exclusivamente do Direito Penal voltado para a Justiça Estadual, seja pela necessidade de privilegiar o conteúdo que, via de regra, está mais presente no mercado, seja porque os próprios professores normalmente atuam apenas (ou preponderantemente) na seara Estadual.

A Justiça Estadual é composta pelos Juízes de Direito, que atuam em varas judiciais ou especializadas na área criminal. Em segundo grau, é composta pelos Tribunais de Justiça.

Por sua vez, a Justiça Federal é composta pelos Juízes Federais e Tribunais Regionais Federais (1ª região: AC, AM, AP, BA, DF, GO, MA, MG, MT, PA, PI, RO, RR; 2ª região: ES, RJ; 3ª região: MS, SP; 4ª região: PR, RS, SC; 5ª região: AL, CE, PB, PE, RN, SE).

Aliás, é interessante observar que o art. 107 da Constituição Federal, ao tratar dos Tribunais Regionais Federais, não fala “Desembargadores”, mas sim “Juízes”. Diferentemente, quando a Constituição aborda os Tribunais de Justiça, utiliza a nomenclatura “Desembargadores”.

Assim, surge uma dúvida que, na verdade, é irrelevante: os membros dos TRFs não são chamados de Desembargadores? Na prática, são denominados de Desembargadores, apesar do fato de termos uma Constituição que utiliza a expressão “Juízes” referindo-se aos membros dos TRFs.

Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça julgarão os recursos contra as decisões dessas duas Justiças. Assim, os processos da Justiça Estadual e da Justiça Federal seguem caminhos distintos no primeiro grau e na segunda instância (TJ e TRF), mas se unem no STF e no STJ.

Diante do fato de que a Justiça Federal está geograficamente presente em menos locais no primeiro grau, há ações que, apesar de serem da competência federal, são julgadas no âmbito estadual, como é o caso de ações previdenciárias propostas em comarcas que não tenham sede de vara do juízo federal (art. 109, §§ 3º e 4º, da Constituição).

Será que esse excesso de competências (apesar de ter competência residual) é um dos fatores para que a Justiça Estadual seja tão demorada, inclusive em processos penais de réu preso?

Sobre a nomenclatura, na Justiça Estadual atuam, pelo Ministério Público, Promotores e Procuradores de Justiça. Por sua vez, a Justiça Federal tem a atuação dos Procuradores da República, que integram o Ministério Público Federal, o qual faz parte do Ministério Público da União.

Aliás, no caso de aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal (pedido de arquivamento do inquérito policial pelo Ministério Público, com posterior discordância do Juiz), ocorre, na Justiça Estadual, o envio dos autos ao Procurador-Geral de Justiça.

Por outro lado, na Justiça Federal, caso o Juiz Federal discorde do pedido de arquivamento do inquérito realizado pelo Procurador da República, a decisão será atribuição de uma das Câmaras de Coordenação e Revisão, que integra a estrutura do Ministério Público Federal. Na área criminal, quem tem atribuição é a 2ª Câmara.

Enfim, muitas dessas informações, infelizmente, não são passadas aos alunos durante a graduação. Muitos nem imaginam a existência das Câmaras de Coordenação e Revisão. Da mesma forma, imagina-se que vários professores jamais utilizaram exemplos sobre crimes de competência federal ou mencionaram a atuação de Juízes Federais e Procuradores da República nos exemplos utilizados.

Nessa linha, continuamos extremamente focados na Justiça Estadual, desconsiderando a possibilidade de atuação perante a Justiça Federal, que, conquanto não tenha tanta demanda quanto a Justiça Estadual, é, como regra, muito mais promissora.

Por Evinis Talon
Fonte: Canal Ciências Criminais
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