Advocacia criminal: você só defende bandido! (Artigo) de Pedro Wellington da Silva

goo.gl/pvqRgg | Começo esse texto confessando que ele foi inspirado após uma conversa de churrasco. E, em que pese essa pequena e até desnecessária contextualização, peço ao leitor que deixe o preconceito de lado e qualquer tipo de resistência em relação ao que me proponho a dizer aqui.

Vamos lá.

Em determinado momento de uma discussão acalorada, no exato momento em que eu tentava explicar como funciona a seletividade do direito penal, o amigo e ouvinte soltou um “ahh, vc só defende bandido”.

Naquele momento fiquei imaginando o momento em que aquela pessoa, por mais que eu não desejasse que o meu pensamento se concretizasse, tivesse algum problema com a justiça, especificamente no âmbito criminal.

Até pensei em argumentar acerca do absurdo argumento que foi usado, e até mesmo desrespeitoso, considerando que dedico minha vida à advocacia criminal, dela tirando o meu sustendo desde que comecei a advogar.

O amigo disse aquela frase como se fosse um golpe fatal, daqueles para acabar com a guerra. E conseguiu, pois após sentir no fundo do peito aquelas palavras resolvi me calar.

Mas o que não pude deixar de pensar naquele exato momento foi em vários clientes que defendo e que definitivamente não são “bandidos”. Aliás, quem podemos chamar de bandido?

Se bandido for alguém que infringe a lei, posso ser considerado um. Assim como todos aqueles que de algum modo infringem a lei, mas que por sorte não são “sorteados” pelo Estado.

E dos clientes que foram considerados, de modo absolutamente ignorante, “bandidos” simplesmente pelo fato de responderem um processo criminal, ou ter sua defesa feita por um advogado criminalista, posso destacar apenas alguns. Convido o leitor a refletir comigo sobre esses “bandidos”.

Alerto, mais uma vez, para que o leitor não tenha preconceito ou resistência.

O primeiro deles é um cliente que em uma fatídica noite, ao conduzir um veículo durante a madrugada, tentou fazer uma ultrapassagem considerada perigosa e acabou sofrendo um acidente.

O passageiro, seu melhor amigo, acabou falecendo e o motorista respondeu um processo criminal porque, segundo o Ministério Público, sua conduta foi imprudente ao tentar fazer a ultrapassagem.

O cliente não chegou a ser preso, mas precisou pagar uma indenização à família da vítima e cumprir a pena indo todos os meses ao fórum assinar. Ocorre que o tempo passou e o cliente resolveu se mudar e não atualizou o endereço.

O resultado disso foi que ele deve sua prisão decretada. Foi depois de sua prisão que o conheci. Na delegacia me esperavam sua esposa e alguns amigos que trabalhavam com ele. Todos preocupados e, acima de tudo, querendo ajudar de algum modo. O meu trabalho foi de certa forma simples: justificar o que ocorreu.

E levando um tempo relativamente rápido, considerando que o processo era de outro estado, conseguimos a liberdade do cliente no dia seguinte. Mais um “criminoso” estava de volta à sociedade, para os braços de sua família e da empresa onde trabalhava, que aliás foi quem fez questão de pagar os meus honorários.

Esse cliente respondeu apenas esse processo em sua vida. Hoje leva sua vida dignamente trabalhando e proporcionando uma vida digna aos seus familiares. Uma pena ser um criminoso, apesar de tudo.

O segundo “criminoso” que vou falar um pouco envolve um caso mais sério. Um homicídio. Basicamente o cliente tinha um irmão mais novo, um jovem com cerca de 15 anos, que estava sendo constantemente ameaçado por um traficante da cidade. Tudo por conta de uma moça que foi o objeto da confusão.

Certo dia o cliente estava junto com o irmão quando foi ameaçado por esse traficante, que estava com uma pequena faca em mãos e acompanhado de vários outros amigos. Foi quando meu cliente, munido de um pedaço de pau, partiu para cima dele, conseguiu desarma-lo e cego pela raiva acabou desferindo mais golpes do que precisaria.

Esse cliente, que por muitos é considerado um “criminoso”, ficou exatos 22 dias preso. A liberdade foi conseguida somente por meio de um habeas corpus julgado pelo Tribunal de Justiça. Os desembargados deram o direito de responder o processo em liberdade. Esse cliente responde apenas esse processo em sua vida.

Hoje aguarda julgamento e leva sua vida dignamente trabalhando e proporcionando uma vida digna aos seus familiares (coincidentemente tal como o primeiro caso). Uma pena ser um criminoso, apesar de tudo.

O terceiro caso, e este será o último, é tão grave quanto o segundo. Certo dia o cliente estava em sua casa, com mulher e sobrinho, quando três indivíduos adentraram em sua propriedade e anunciaram o assalto. O cliente, aliás, o “bandido”, possuía treinamento especial e conseguiu desarmar um dos criminosos e desferiu disparo contra eles.

Depois disso se viu processado e tendo que responder um processo em que era acusado de tentar matar os três indivíduos. Nesse caso eu chamo a atenção para uma coisa: ao final do processo, no dia do seu Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça, convencido do que a defesa alegava, e principalmente tocado pelo depoimento do réu, ao final pediu sua absolvição.

O promotor PEDIU QUE OS JURADOS NÃO CONDENASSEM aquele que, em verdade, agiu em legítima defesa própria e de terceiros (mulher e sobrinha).

Caro leitor, evidentemente que na advocacia criminal não lidamos com um único tipo de pessoa, classificada de forma maniqueísta como mocinho ou bandido. Isso varia muito. O que é natural considerando que a nossa ciência não é exata.

O que não se pode fazer é generalizar os discursos como dizer que bandido bom é bandido morto, sendo que todos nós em algum momento já fomos bandidos. Dizer que direitos humanos são para humanos direitos, quando no final das contas todos somos humanos e merecedores de direitos.

Por Pedro Wellington da Silva
Fonte: Canal Ciências Criminais
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