goo.gl/Y2Wd3M | A advogada Nathalie Fragoso observa com atenção a movimentação em torno da prisão de Jéssica Monteiro, que deu à luz três dias após ser levada para a cadeia. Uma das autoras de um habeas corpus em favor de todas as grávidas presas ou com filhos até 12 anos de idade, Nathalie considera um escândalo esse tipo de prisão. Jéssica Monteiro é ré primária, foi presa com 90 gramas de maconha, é mãe de um filho de três anos e do recém-nascido, que ficou preso em uma cela com condições insalubres.
Qual a sua avaliação sobre o caso?
NATHALIE FRAGOSO - Considerando o atual marco normativo que é aplicável ao caso da Jéssica, é uma decisão absolutamente inadequada. Especialmente porque é uma decisão tomada no contexto da audiência de custódia, que é um momento processual pensado para propiciar ao juiz que avalie o caso e suas particularidades para conceder uma decisão adequada. A situação da Jéssica foi mal avaliada, tanto da perspectiva de que era uma mulher que entrou em trabalho de parto, e que teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. É uma pessoa (ré) primária. Isso tem que ser avaliada, a quantidade de droga também é pequena.
Segundo um levantamento do CNJ de janeiro, 249 bebês vivem com suas mães dentro de presídios; 622 mulheres presas grávidas ou mães de recém-nascidos. Quais as consequências?
- A criança que vive encarcerada está em condições insalubres, em circunstâncias que impactam na habilidade do desenvolvimento social. Ela é carente de espaço físico e estímulos adequados. Mesmo em penitenciárias que têm condições, em tese, adequadas, ainda estão privadas de uma série de outras atividades. As mães, por outro lado, ficam num regime de hipermaternidade, ou seja, vivem em função do cuidado da criança e em absoluto confinamento. Essa vivência absoluta da maternidade e a separação são elementos problemáticos para experiência das mães e dos bebês.
Mesmo com o estatuto da primeira infância, casos como o de Jessica Monteiro ainda são uma realidade no Brasil. Por que a prisão domiciliar e a opção de responder pelo crime em liberdade provisória ainda não é uma realidade?
- Isso é escandaloso. Há uma resistência no judiciário brasileiro, e iniciativas como o habeas corpus enxergam a possibilidade de constranger o judiciário brasileiro a levar o marco legal da primeira infância e as alterações do Código Penal a sério. Sob nenhum aspecto essa prisão se justifica quando há uma alternativa à mão, mesmo em casos mais graves.
Presídios que seguem “boas práticas” no sistema prisional - no que diz respeito à grávida e bebê - são ideais?
- Mesmo nos casos em que há espaços específicos para a maternidade, conseguimos ver de maneira muito clara as violações de direitos das mulheres e das crianças. Ela viverá uma maternidade confinada, absolutamente controlada. E a criança pode ter o seu desenvolvimento cognitivo e social comprometido, em uma fase fundamental para ela.
Por que encontramos severa resistência no sistema judiciário brasileiro para conceder a prisão domiciliar?
- A prisão preventiva deveria ser excepcionalidade. O foco do marco legal da primeira infância contempla esse público, que carece de atenção prioritária nesse tema. Houve uma explosão do encarceramento feminino na última década, que está associado ao tráfico de drogas, que é predominantemente de uma população vulnerável. Normalmente as mulheres não têm antecedentes criminais, são presas com pouca quantidade, sem indícios em organizações criminosas. Está associado à vulnerabilidade econômica.
Quais são as maneiras de fazer com que as mulheres respondam aos processos sem que essas mulheres fujam à justiça?
- Sempre que uma pessoa é presa em flagrante, ela deveria ser levada para a audiência de custódia. Deveriam ser avaliadas as circunstâncias sociais, para avaliar se há necessidade de medidas cautelares, porque nem sempre essa necessidade se identifica.
O regime domiciliar é um privilégio, como no caso da ex-primeira dama Adriana Ancelmo?
- No caso do regime domiciliar, o que configura privilégio é a assimetria na prestação jurisdicional, no fato de que a maior parte das mulheres não tem acesso à justiça. A alternativa não seria “queremos a Adriana Ancelmo de volta na cadeia”, mas sim que outras mulheres tivessem acesso à Justiça.
Por Gabriela Varella
Fonte: oglobo.globo.com
Qual a sua avaliação sobre o caso?
NATHALIE FRAGOSO - Considerando o atual marco normativo que é aplicável ao caso da Jéssica, é uma decisão absolutamente inadequada. Especialmente porque é uma decisão tomada no contexto da audiência de custódia, que é um momento processual pensado para propiciar ao juiz que avalie o caso e suas particularidades para conceder uma decisão adequada. A situação da Jéssica foi mal avaliada, tanto da perspectiva de que era uma mulher que entrou em trabalho de parto, e que teve a prisão em flagrante convertida em preventiva. É uma pessoa (ré) primária. Isso tem que ser avaliada, a quantidade de droga também é pequena.
Segundo um levantamento do CNJ de janeiro, 249 bebês vivem com suas mães dentro de presídios; 622 mulheres presas grávidas ou mães de recém-nascidos. Quais as consequências?
- A criança que vive encarcerada está em condições insalubres, em circunstâncias que impactam na habilidade do desenvolvimento social. Ela é carente de espaço físico e estímulos adequados. Mesmo em penitenciárias que têm condições, em tese, adequadas, ainda estão privadas de uma série de outras atividades. As mães, por outro lado, ficam num regime de hipermaternidade, ou seja, vivem em função do cuidado da criança e em absoluto confinamento. Essa vivência absoluta da maternidade e a separação são elementos problemáticos para experiência das mães e dos bebês.
Mesmo com o estatuto da primeira infância, casos como o de Jessica Monteiro ainda são uma realidade no Brasil. Por que a prisão domiciliar e a opção de responder pelo crime em liberdade provisória ainda não é uma realidade?
- Isso é escandaloso. Há uma resistência no judiciário brasileiro, e iniciativas como o habeas corpus enxergam a possibilidade de constranger o judiciário brasileiro a levar o marco legal da primeira infância e as alterações do Código Penal a sério. Sob nenhum aspecto essa prisão se justifica quando há uma alternativa à mão, mesmo em casos mais graves.
Presídios que seguem “boas práticas” no sistema prisional - no que diz respeito à grávida e bebê - são ideais?
- Mesmo nos casos em que há espaços específicos para a maternidade, conseguimos ver de maneira muito clara as violações de direitos das mulheres e das crianças. Ela viverá uma maternidade confinada, absolutamente controlada. E a criança pode ter o seu desenvolvimento cognitivo e social comprometido, em uma fase fundamental para ela.
Por que encontramos severa resistência no sistema judiciário brasileiro para conceder a prisão domiciliar?
- A prisão preventiva deveria ser excepcionalidade. O foco do marco legal da primeira infância contempla esse público, que carece de atenção prioritária nesse tema. Houve uma explosão do encarceramento feminino na última década, que está associado ao tráfico de drogas, que é predominantemente de uma população vulnerável. Normalmente as mulheres não têm antecedentes criminais, são presas com pouca quantidade, sem indícios em organizações criminosas. Está associado à vulnerabilidade econômica.
Quais são as maneiras de fazer com que as mulheres respondam aos processos sem que essas mulheres fujam à justiça?
- Sempre que uma pessoa é presa em flagrante, ela deveria ser levada para a audiência de custódia. Deveriam ser avaliadas as circunstâncias sociais, para avaliar se há necessidade de medidas cautelares, porque nem sempre essa necessidade se identifica.
O regime domiciliar é um privilégio, como no caso da ex-primeira dama Adriana Ancelmo?
- No caso do regime domiciliar, o que configura privilégio é a assimetria na prestação jurisdicional, no fato de que a maior parte das mulheres não tem acesso à justiça. A alternativa não seria “queremos a Adriana Ancelmo de volta na cadeia”, mas sim que outras mulheres tivessem acesso à Justiça.
Por Gabriela Varella
Fonte: oglobo.globo.com