goo.gl/rEEszt | Acordei com uma notícia maravilhosa, SENTENÇA TOTALMENTE PROCEDENTE!
Não cabia em mim de alegria, logo fiquei decepcionada, a sentença chegou tarde demais.
Há quase dois anos Dona Francisca me procurou aconselhada por um amigo do trabalho. Ela estava com câncer e desde a descoberta da doença vinha passando por uma verdadeira via crucis, além dos inúmeros tratamentos, quando não estava de atestado médico, ou afastada pelo INSS, trabalhava, com grande dificuldade, como cozinheira em uma empresa de médio porte.
Um dia, após voltar do auxílio-doença, foi demitida, na frente de toda equipe da cozinha, e de acordo com o patrão, ele não queria uma funcionária doente em seu quadro de empregados, precisava de alguém estável, que não faltasse e que não passasse mal durante a jornada de trabalho.
Dona Francisca foi demitida em função do câncer, essa doença que havia lhe tirado a saúde, a vontade de viver, também havia tirado seu trabalho, que de acordo com ela, era o único meio de subsistência de sua família, além de uma fuga da realidade que estava vivendo.
Ingressamos com uma ação trabalhista em função da dispensa discriminatória e totalmente arbitrária!
Começou a nova via crucis de Dona Francisca, sua luta para ter seu dano moral reparado e a percepção, em dobro, da remuneração do período em que ficou afastada, corrigida monetariamente e acrescida de juros, já que, após toda humilhação a que foi submetida, Dona Francisca não vislumbrava a possibilidade de ser reintegrada, ou seja, voltar a trabalhar naquela empresa.
Logo que protocolei a ação saiu a data da primeira audiência, a audiência de conciliação, marcada para dali a dois meses. Fomos a audiência, e como prevíamos, não houve acordo, e ao fim da audiência já foi marcada a segunda audiência, a audiência de instrução, que seria um ano após a primeira audiência.
Dona Francisca ficou triste, “nossa doutora, vai demorar tanto assim?”, “vai Dona Francisca, infelizmente, mas prometo tentar antecipar a data para que isso se resolva o mais rápido possível.”
Inúmeros foram os pedidos para antecipar o dia da audiência, tendo em vista o delicado estado de saúde de Dona Francisca, mas nunca conseguimos, e então chegou o grande dia, o dia da audiência de instrução.
Dona Francisca me encontrou no tribunal com suas testemunhas. Fomos para o local onde aconteceria a audiência e chegando lá nossa primeira surpresa, a juíza estava de férias, tinham redesignado a audiência para dali um mês, mas não haviam notificado nenhuma das partes, pura irresponsabilidade com diversos jurisdicionados que, como nós, deram com a cara na porta, então no mesmo pé que fomos, voltamos para casa.
Passado o mês voltamos ao tribunal para a audiência. Ao chegarmos soubemos que naquela sexta, mais uma vez, não haveria audiência, a juíza havia passado mal na terça e não havia feito as audiências daquela semana, e novamente, nem eu nem ninguém foi avisado, e as audiências, enfim, seriam remarcadas. Mais uma vez voltamos para casa de mãos vazias, parecia que tudo conspirava contra Dona Francisca.
Audiência remarcada para dali a três meses, “Como assim excelência? Tem que adiantar isso, topamos qualquer horário, só não pode demorar tanto, cadê a celeridade da justiça do trabalho? Cadê seu comprometimento? Afinal em todas as ocasiões, em que pese os infortúnios, a falha foi da senhora e não da minha cliente!”, “Não dá para antecipar, não tenho agenda, já está marcado, no dia designado faremos a audiência!”, “Vamos rezar Dona Francisca, para na próxima ninguém morrer!”, ela riu, nos despedimos e desliguei o telefone.
Finalmente aconteceu a audiência, e graças a Deus as testemunhas da Dona Francisca lhe foram fiéis, estavam lá conosco no dia da instrução, após duas tentativas frustradas. Instrução feita, sai de lá com um alívio no peito, a convicção de um trabalho bem feito e a certeza de que Dona Francisca teria a devida reparação.
Mal sabia eu que quando brinquei, “Vamos rezar Dona Francisca, para na próxima ninguém morrer!”, estava prevendo o futuro.
Alguns meses depois saiu a sentença, li e nem acreditei, conseguimos, conseguimos tudo o que pedimos, sabia que a empresa ia recorrer, a guerra não havia acabado, mas essa batalha estava ganha, meu Deus, vou ligar agora para Dona Francisca!
“Oi, por favor, quero falar com a Dona Francisca, é a Marcela Garcia, sou a advogada dela.”, “Oi doutora Marcela, é o Carlos, sou filho da Francisca, MINHA MÃE MORREU ONTEM, ela finalmente sucumbiu ao câncer.”
Silêncio total, perdi meu chão, não sabia o que dizer, sei que no mínimo eu deveria dizer “meus pêsames”, mas não saia, eu estava feliz, muito feliz, e de repente tive um mix de sentimentos contraditórios, me sentia triste, decepcionada, feliz e culpada.
Estava feliz pela sentença, triste por Dona Francisca que morreu sem ver sua “justiça sendo feita”, decepcionada com o judiciário, com sua demora, com sua indiferença, e culpada por estar feliz e triste ao mesmo tempo.
Dona Francisca morreu sem saber que “ganhou”, morreu na expectativa de receber o que lhe era devido, de ver sua justiça ser feita, mas morreu lutando, lutando pela vida, lutando por seus direitos.
Minha oração hoje foi: "Dona Francisca, vencemos a primeira batalha, a guerra não acabou, não posso prometer que a vencerei, pois como havia explicado a senhora um processo depende de muitas coisas, mas reforço a promessa que lhe fiz aquele dia que foi ao meu escritório me contratar, prometo lutar para que seu direito seja resguardado e que ao final seu filho receba esse dinheiro e faça aquela viajem para conhecer o mar, que a senhora tanto queria, descanse em paz."
Desejo que Dona Francisca receba minha oração e que esteja em festa por sua vitória!
Por Marcela Garcia Cardoso e Silva
Fonte: Jus Brasil
Não cabia em mim de alegria, logo fiquei decepcionada, a sentença chegou tarde demais.
Há quase dois anos Dona Francisca me procurou aconselhada por um amigo do trabalho. Ela estava com câncer e desde a descoberta da doença vinha passando por uma verdadeira via crucis, além dos inúmeros tratamentos, quando não estava de atestado médico, ou afastada pelo INSS, trabalhava, com grande dificuldade, como cozinheira em uma empresa de médio porte.
Um dia, após voltar do auxílio-doença, foi demitida, na frente de toda equipe da cozinha, e de acordo com o patrão, ele não queria uma funcionária doente em seu quadro de empregados, precisava de alguém estável, que não faltasse e que não passasse mal durante a jornada de trabalho.
Dona Francisca foi demitida em função do câncer, essa doença que havia lhe tirado a saúde, a vontade de viver, também havia tirado seu trabalho, que de acordo com ela, era o único meio de subsistência de sua família, além de uma fuga da realidade que estava vivendo.
Ingressamos com uma ação trabalhista em função da dispensa discriminatória e totalmente arbitrária!
Começou a nova via crucis de Dona Francisca, sua luta para ter seu dano moral reparado e a percepção, em dobro, da remuneração do período em que ficou afastada, corrigida monetariamente e acrescida de juros, já que, após toda humilhação a que foi submetida, Dona Francisca não vislumbrava a possibilidade de ser reintegrada, ou seja, voltar a trabalhar naquela empresa.
Logo que protocolei a ação saiu a data da primeira audiência, a audiência de conciliação, marcada para dali a dois meses. Fomos a audiência, e como prevíamos, não houve acordo, e ao fim da audiência já foi marcada a segunda audiência, a audiência de instrução, que seria um ano após a primeira audiência.
Dona Francisca ficou triste, “nossa doutora, vai demorar tanto assim?”, “vai Dona Francisca, infelizmente, mas prometo tentar antecipar a data para que isso se resolva o mais rápido possível.”
Inúmeros foram os pedidos para antecipar o dia da audiência, tendo em vista o delicado estado de saúde de Dona Francisca, mas nunca conseguimos, e então chegou o grande dia, o dia da audiência de instrução.
Dona Francisca me encontrou no tribunal com suas testemunhas. Fomos para o local onde aconteceria a audiência e chegando lá nossa primeira surpresa, a juíza estava de férias, tinham redesignado a audiência para dali um mês, mas não haviam notificado nenhuma das partes, pura irresponsabilidade com diversos jurisdicionados que, como nós, deram com a cara na porta, então no mesmo pé que fomos, voltamos para casa.
Passado o mês voltamos ao tribunal para a audiência. Ao chegarmos soubemos que naquela sexta, mais uma vez, não haveria audiência, a juíza havia passado mal na terça e não havia feito as audiências daquela semana, e novamente, nem eu nem ninguém foi avisado, e as audiências, enfim, seriam remarcadas. Mais uma vez voltamos para casa de mãos vazias, parecia que tudo conspirava contra Dona Francisca.
Audiência remarcada para dali a três meses, “Como assim excelência? Tem que adiantar isso, topamos qualquer horário, só não pode demorar tanto, cadê a celeridade da justiça do trabalho? Cadê seu comprometimento? Afinal em todas as ocasiões, em que pese os infortúnios, a falha foi da senhora e não da minha cliente!”, “Não dá para antecipar, não tenho agenda, já está marcado, no dia designado faremos a audiência!”, “Vamos rezar Dona Francisca, para na próxima ninguém morrer!”, ela riu, nos despedimos e desliguei o telefone.
Finalmente aconteceu a audiência, e graças a Deus as testemunhas da Dona Francisca lhe foram fiéis, estavam lá conosco no dia da instrução, após duas tentativas frustradas. Instrução feita, sai de lá com um alívio no peito, a convicção de um trabalho bem feito e a certeza de que Dona Francisca teria a devida reparação.
Mal sabia eu que quando brinquei, “Vamos rezar Dona Francisca, para na próxima ninguém morrer!”, estava prevendo o futuro.
Alguns meses depois saiu a sentença, li e nem acreditei, conseguimos, conseguimos tudo o que pedimos, sabia que a empresa ia recorrer, a guerra não havia acabado, mas essa batalha estava ganha, meu Deus, vou ligar agora para Dona Francisca!
“Oi, por favor, quero falar com a Dona Francisca, é a Marcela Garcia, sou a advogada dela.”, “Oi doutora Marcela, é o Carlos, sou filho da Francisca, MINHA MÃE MORREU ONTEM, ela finalmente sucumbiu ao câncer.”
Silêncio total, perdi meu chão, não sabia o que dizer, sei que no mínimo eu deveria dizer “meus pêsames”, mas não saia, eu estava feliz, muito feliz, e de repente tive um mix de sentimentos contraditórios, me sentia triste, decepcionada, feliz e culpada.
Estava feliz pela sentença, triste por Dona Francisca que morreu sem ver sua “justiça sendo feita”, decepcionada com o judiciário, com sua demora, com sua indiferença, e culpada por estar feliz e triste ao mesmo tempo.
Dona Francisca morreu sem saber que “ganhou”, morreu na expectativa de receber o que lhe era devido, de ver sua justiça ser feita, mas morreu lutando, lutando pela vida, lutando por seus direitos.
Minha oração hoje foi: "Dona Francisca, vencemos a primeira batalha, a guerra não acabou, não posso prometer que a vencerei, pois como havia explicado a senhora um processo depende de muitas coisas, mas reforço a promessa que lhe fiz aquele dia que foi ao meu escritório me contratar, prometo lutar para que seu direito seja resguardado e que ao final seu filho receba esse dinheiro e faça aquela viajem para conhecer o mar, que a senhora tanto queria, descanse em paz."
Desejo que Dona Francisca receba minha oração e que esteja em festa por sua vitória!
Por Marcela Garcia Cardoso e Silva
Fonte: Jus Brasil