goo.gl/vpxeh9 | Tento acreditar todos os dias que a Justiça é levada a sério. Que advogados e juízes, empresas e jurisdicionados, servidores e assessores dão o máximo de si e que não estão numa conspiração para sempre levarem vantagem. Ultimamente está difícil acreditar nisso. Acontecimentos recentes me levam a ficar ainda mais cético sobre o assunto.
Eu sou cliente da telefonia móvel pós-paga da Vivo. Minha conta costumava ser debitada automaticamente e, há pouco mais de um ano, um seguro da ACE Seguros (Chubb) foi adicionado à fatura sem a minha autorização. Só descobri isso depois de alguns meses, quando vi pelo extrato do Banco do Brasil que a conta estava com um valor diferente.
Tentei resolver com a Vivo mas sem sucesso. Disseram que eu tinha que resolver com a Chubb porque o meu contrato fora com ela. Acontece que nunca autorizei cobrança de seguro algum. A própria atendente da Vivo me dissera que os meus dados foram compartilhados em razão de uma parceria com a Chubb e que eu "provavelmente teria autorizado por telefone ou SMS". Eu não tinha feito isso, então pedi que me encaminhassem o SMS ou a gravação da ligação com a minha voz. Óbvio que nunca recebi essa comprovação.
Quando me vi na situação descrita, eu decidi procurar mais pessoas com o mesmo problema que eu. Acessei o site Reclame Aqui e descobri vários casos semelhantes. E que provavelmente geraram vários processos semelhantes. Naquele instante eu me perguntei: quando empresas prejudicam clientes em massa de forma reiterada e calculada, isso é um problema judicial ou de gestão incompetente? E se for um problema judicial, será que estamos resolvendo o problema da melhor maneira?
Eu decidi entrar com uma ação. Eu estava furioso com todo o fluxo a que fui submetido. Ligações demoradas que nunca resolviam nada. Transferências, musiquinhas, filas de espera...
Meus principais pedidos foram os seguintes:
c. a condenação das empresas rés ao ressarcimento em dobro dos valores cobrados indevidamente pela Chubb Seguros Brasil S.A. em fatura de serviço de telefonia da VIVO S.A. (duas parcelas de R$ 5,99 referentes aos meses de março e abril);
d. o encerramento definitivo de contrato de “seguro premiado” da empresa Chubb Seguros S.A., cuja existência é devido ao fornecimento de dados por parte da ré VIVO S.A.
e. a condenação das rés em reparação do dano moral no valor de R$ 10.000 (dez mil reais) em razão do uso e compartilhamento indevido de dados e do nome do autor para uso em concretização de negócio jurídico de natureza distinta sem a manifestação de vontade por parte do autor e sem a sua autorização;
f. regular processamento para que, ao final, seja julgada procedente a ação para encerramento das cobranças indevidas e do contrato de seguro efetivado sem a autorização do autor.
Perceberam o destaque no item e?
Todo advogado sabe que cobrança indevida não gera danos morais. Isso é tão recorrente em decisões que quem ainda tenta pedir dano moral por isso ou está desinformado ou acredita com firmeza naquela história de "aborrecimento, constrangimento, etc. e tal". Dano moral não é isso.
Dano moral é aquele que atinge direitos de personalidade ou a dignidade da pessoa humana - aquele coringa que todo mundo define, mas na verdade é cômodo pra todos manterem uma zona cinzenta nele.
Mas vamos focar no direito de personalidade. O nome é um exemplo. Mas há outros:
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Acho que fica muito claro que quando uma empresa fornece dados de um cliente a outra para fechar negócios sem a autorização dele nome e intimidade são violados automaticamente. Eles me ligam para oferecer produtos insistentemente. E os mais atrevidos ainda formalizam contratos sem a anuência, como foi o caso da Chubb e Vivo. Então todo o meu argumento foi em torno do fornecimento dos meus dados privados - CPF, Telefone... - e da violação de direitos de personalidade. O que o juiz achou disso? Bem, ele não achou. Ainda.
Antes de eu mostrar os absurdos que aconteceram eu preciso contextualizar o seguinte. O processo demorou mais de 290 dias para ser sentenciado em razão de a citação não ter sido efetivada em relação à Chubb. Foram quatro tentativas. Pedi o endereço à própria empresa, ela me enviou por e-mail e, pasmem, a citação não ocorreu porque o endereço estava errado - eles haviam se mudado (pela quarta vez?)!
Como os valores eram baixos, fiz o seguinte: desisti em relação à Chubb (que era quem teria efetivamente que reembolsar o que foi cobrado indevidamente) e prossegui em relação à VIVO, que foi quem forneceu os dados para o contrato de seguro. A essa altura, inclusive, eu já tinha conseguido, com muito suor, cancelar o serviço.
O processo é público e aconteceu na 15ª Vara do Consumidor dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Salvador. A audiência aconteceu. No dia seguinte, havia uma sentença:
Isto posto, com fulcro no teor do artigo 487, inciso I do NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na exordial, para determinar que a ré proceda com a restituição, dos valores excedentes intitulados de ¿seguro premiado¿, no valor de duas parcelas de R$ 5,99 (cinco reais e noventa e nove centavos), referentes aos meses de março e abril, em dobro, nos termos do artigo 42,§único do CDC, a incidir juros de 01% ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a partir do pagamento de cada fatura, nos termos do artigo 397 do CC e súmula 43 do STJ.
Indefiro o pleito relativo aos danos morais face a constatação de sua inocorrência, uma vez que a mera cobrança indevida é inapta a desencadear afetação aos direitos da personalidade, em respeito ao REsp 1.550.509-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016 (Info 579).
A sentença parece ter saído de um modelo pronto e deve ter considerado o pedido médio que a grande maioria das pessoas fazem: dano por cobrança indevida. Não leva em momento nenhum o meu pedido e causa de pedir.
Para completar, ainda me concedeu os pedidos que eu tinha desistido. Quem deveria me reembolsar era a Chubb e não a Vivo. (Tudo bem que poderia haver o entendimento de responsabilidade solidária e mais.)
O que concluir de tudo isso?
Eu falo ninguém porque há uma chance - uma chance grande - de uma decisão ser concebida por alguém que não seja o próprio juiz. Com muita sorte, eles revisam e remetem para que o estagiário ou assessor refaçam.
Eu estagiei com um Juiz Federal que fazia isso - Salomão Viana - com tudo que passava por minhas mãos e de todos os assessores. Lembro dos rabiscos vermelhos enormes com alterações e emendas. Um juiz assim não é visto como uma máquina de produtividade, mas tenha certeza que ele cuidava de cada caso com uma visão particular. E isso é o que deve ser feito mas de uma forma eficiente.
E em todos os lugares. É claro que com a quantidade de ações que existe hoje em dia parece impossível dar conta de tudo com carinho e atenção necessários.
Veja o caso da Chubb e da Vivo. Eles têm claramente um déficit no gerenciamento de suas informações e procedimentos, são empresas gigantes e ineficientes e que têm um incentivo a mais para manterem suas práticas abusivas recorrentes: um judiciário ineficiente. Basta ir ao Reclame Aqui e verificar, ou acessar os milhares de processos que existem com os mesmos pedidos.
O Judiciário está entupido de ações repetitivas, com a mesma causa de pedir e pedido, por causa de erros procedimentais de empresas que não são punidas e não veem razão nenhuma para mudarem de comportamento. Por que não resolver um problema de forma única e agrupada? Por que dispersar e esperar isso em processos múltiplos?
A resposta é: o custo de responder judicialmente é baixo. O "crime" nesse caso compensa. E tendo um bando de advogados se esbofeteando para atuarem como representantes dessas grandes causas de grandes empresas a coisa fica fácil.
Eu tento ser um advogado diferente. Não só porque eu ando de jeans e camiseta nos Fóruns ou porque atendo meus clientes de bermuda, camiseta estampada e ando de metrô e não com um Audi TT.
Eu acredito que ser advogado é mais do que litigar e ganhar dinheiro. É ganhar a vida de forma a revolucionar e inovar nas formas de resolvermos problemas que nem sempre são problemas judiciais. Cada profissional tende a ver situações do ponto de vista que estudou. As faculdades ajudam a emburrecer nesse sentido. Mas por que não resolver as coisas de outras formas?
A maioria não pensa assim e é por isso que vemos a luta diária de advogados e escritórios lutando por contas enormes de clientes como Vivo e Chubb. Eles pensam que ganham muito dinheiro (que na verdade é pouco para as empresas) e acham que pagam muito dinheiro aos seus "associados" (que na verdade são empregados e ganham pouco). A máquina gira em torno de pessoas iludidas e há um reflexo claro que é o seguinte...
Num escritório de massa as ações chegam aos montes. Quem perde tempo lendo? Os sócios? Não. Os advogados? Bem, deveria ser. Mas há prazos novos a toda hora e são poucos os que dão a devida atenção às especificidades. Além do mais existem seguros e as perdas sempre são compensadas, e eu ganho tão pouco pra trabalhar tanto que se der errado e eu for demitido tudo bem, certo? O sistema recompensa a ineficiência. Todos estão seguros ou desmotivados o suficiente para não ligar para o seu processo. O resultado são petições que contestam coisas sem sentido, que erram a parte autora, que tem informações erradas, advogados que perdem audiência...
Mas para a Vivo e Chubb tudo permanece dentro dos padrões. Consigo imaginar uma mesa de reunião em que alguém levanta o problema dos processos judiciais.
- Os custos com processo estão aumentando, precisamos fazer algo!
- Calma, vamos aumentar as contas de telefone. Assim podemos compensar os cutos.
- Genial.
Além disso juízes e servidores não ligam para quem paga. O Judiciário recompensa a produtividade. O que todos querem é limpar a prateleira ou - no mundo digital -arquivar o máximo de processos. E não importa quem vai perder ou ganhar. Eles que se virem.
Eu pensei muito antes de finalizar esse texto. Eu detesto textos que jogam um monte de problema e informações e não apresentam soluções. São criadores de problema apenas. Eu não tenho ideias claras de como solucionar todos eles mas vou arriscar alguns esboços.
Escrevi demais? Sim. Mas não cheguei a falar metade do que queria. São muitos problemas além desses que todo mundo se depara mas não tem coragem de falar. É incrível como as pessoas são inertes e anestesiadas. Elas corroboram com a própria farsa com medo de perder sua boquinha. E saímos todos perdendo.
Você concorda ou não?
Número do Processo (Projudi-TJ Bahia) N.º: 0070134-44.2017.8.05.0001
Por Matheus Galvão
Fonte: Jus Brasil
Conspiração ACE Seguros + VIVO
Eu sou cliente da telefonia móvel pós-paga da Vivo. Minha conta costumava ser debitada automaticamente e, há pouco mais de um ano, um seguro da ACE Seguros (Chubb) foi adicionado à fatura sem a minha autorização. Só descobri isso depois de alguns meses, quando vi pelo extrato do Banco do Brasil que a conta estava com um valor diferente.
Tentei resolver com a Vivo mas sem sucesso. Disseram que eu tinha que resolver com a Chubb porque o meu contrato fora com ela. Acontece que nunca autorizei cobrança de seguro algum. A própria atendente da Vivo me dissera que os meus dados foram compartilhados em razão de uma parceria com a Chubb e que eu "provavelmente teria autorizado por telefone ou SMS". Eu não tinha feito isso, então pedi que me encaminhassem o SMS ou a gravação da ligação com a minha voz. Óbvio que nunca recebi essa comprovação.
Quando me vi na situação descrita, eu decidi procurar mais pessoas com o mesmo problema que eu. Acessei o site Reclame Aqui e descobri vários casos semelhantes. E que provavelmente geraram vários processos semelhantes. Naquele instante eu me perguntei: quando empresas prejudicam clientes em massa de forma reiterada e calculada, isso é um problema judicial ou de gestão incompetente? E se for um problema judicial, será que estamos resolvendo o problema da melhor maneira?
A Justiça tarda e, às vezes, falha
Eu decidi entrar com uma ação. Eu estava furioso com todo o fluxo a que fui submetido. Ligações demoradas que nunca resolviam nada. Transferências, musiquinhas, filas de espera...
Meus principais pedidos foram os seguintes:
c. a condenação das empresas rés ao ressarcimento em dobro dos valores cobrados indevidamente pela Chubb Seguros Brasil S.A. em fatura de serviço de telefonia da VIVO S.A. (duas parcelas de R$ 5,99 referentes aos meses de março e abril);
d. o encerramento definitivo de contrato de “seguro premiado” da empresa Chubb Seguros S.A., cuja existência é devido ao fornecimento de dados por parte da ré VIVO S.A.
e. a condenação das rés em reparação do dano moral no valor de R$ 10.000 (dez mil reais) em razão do uso e compartilhamento indevido de dados e do nome do autor para uso em concretização de negócio jurídico de natureza distinta sem a manifestação de vontade por parte do autor e sem a sua autorização;
f. regular processamento para que, ao final, seja julgada procedente a ação para encerramento das cobranças indevidas e do contrato de seguro efetivado sem a autorização do autor.
Perceberam o destaque no item e?
Todo advogado sabe que cobrança indevida não gera danos morais. Isso é tão recorrente em decisões que quem ainda tenta pedir dano moral por isso ou está desinformado ou acredita com firmeza naquela história de "aborrecimento, constrangimento, etc. e tal". Dano moral não é isso.
Dano moral é aquele que atinge direitos de personalidade ou a dignidade da pessoa humana - aquele coringa que todo mundo define, mas na verdade é cômodo pra todos manterem uma zona cinzenta nele.
Mas vamos focar no direito de personalidade. O nome é um exemplo. Mas há outros:
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Acho que fica muito claro que quando uma empresa fornece dados de um cliente a outra para fechar negócios sem a autorização dele nome e intimidade são violados automaticamente. Eles me ligam para oferecer produtos insistentemente. E os mais atrevidos ainda formalizam contratos sem a anuência, como foi o caso da Chubb e Vivo. Então todo o meu argumento foi em torno do fornecimento dos meus dados privados - CPF, Telefone... - e da violação de direitos de personalidade. O que o juiz achou disso? Bem, ele não achou. Ainda.
A sentença saiu, mas não foi isso que eu pedi
Antes de eu mostrar os absurdos que aconteceram eu preciso contextualizar o seguinte. O processo demorou mais de 290 dias para ser sentenciado em razão de a citação não ter sido efetivada em relação à Chubb. Foram quatro tentativas. Pedi o endereço à própria empresa, ela me enviou por e-mail e, pasmem, a citação não ocorreu porque o endereço estava errado - eles haviam se mudado (pela quarta vez?)!
Como os valores eram baixos, fiz o seguinte: desisti em relação à Chubb (que era quem teria efetivamente que reembolsar o que foi cobrado indevidamente) e prossegui em relação à VIVO, que foi quem forneceu os dados para o contrato de seguro. A essa altura, inclusive, eu já tinha conseguido, com muito suor, cancelar o serviço.
O processo é público e aconteceu na 15ª Vara do Consumidor dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca de Salvador. A audiência aconteceu. No dia seguinte, havia uma sentença:
Isto posto, com fulcro no teor do artigo 487, inciso I do NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na exordial, para determinar que a ré proceda com a restituição, dos valores excedentes intitulados de ¿seguro premiado¿, no valor de duas parcelas de R$ 5,99 (cinco reais e noventa e nove centavos), referentes aos meses de março e abril, em dobro, nos termos do artigo 42,§único do CDC, a incidir juros de 01% ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a partir do pagamento de cada fatura, nos termos do artigo 397 do CC e súmula 43 do STJ.
Indefiro o pleito relativo aos danos morais face a constatação de sua inocorrência, uma vez que a mera cobrança indevida é inapta a desencadear afetação aos direitos da personalidade, em respeito ao REsp 1.550.509-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016 (Info 579).
A sentença parece ter saído de um modelo pronto e deve ter considerado o pedido médio que a grande maioria das pessoas fazem: dano por cobrança indevida. Não leva em momento nenhum o meu pedido e causa de pedir.
Para completar, ainda me concedeu os pedidos que eu tinha desistido. Quem deveria me reembolsar era a Chubb e não a Vivo. (Tudo bem que poderia haver o entendimento de responsabilidade solidária e mais.)
O que concluir de tudo isso?
Ninguém lê sua petição inicial
Eu falo ninguém porque há uma chance - uma chance grande - de uma decisão ser concebida por alguém que não seja o próprio juiz. Com muita sorte, eles revisam e remetem para que o estagiário ou assessor refaçam.
Eu estagiei com um Juiz Federal que fazia isso - Salomão Viana - com tudo que passava por minhas mãos e de todos os assessores. Lembro dos rabiscos vermelhos enormes com alterações e emendas. Um juiz assim não é visto como uma máquina de produtividade, mas tenha certeza que ele cuidava de cada caso com uma visão particular. E isso é o que deve ser feito mas de uma forma eficiente.
Eu vejo ineficiência. Com que frequência? Todo o tempo
E em todos os lugares. É claro que com a quantidade de ações que existe hoje em dia parece impossível dar conta de tudo com carinho e atenção necessários.
Veja o caso da Chubb e da Vivo. Eles têm claramente um déficit no gerenciamento de suas informações e procedimentos, são empresas gigantes e ineficientes e que têm um incentivo a mais para manterem suas práticas abusivas recorrentes: um judiciário ineficiente. Basta ir ao Reclame Aqui e verificar, ou acessar os milhares de processos que existem com os mesmos pedidos.
O Judiciário está entupido de ações repetitivas, com a mesma causa de pedir e pedido, por causa de erros procedimentais de empresas que não são punidas e não veem razão nenhuma para mudarem de comportamento. Por que não resolver um problema de forma única e agrupada? Por que dispersar e esperar isso em processos múltiplos?
A resposta é: o custo de responder judicialmente é baixo. O "crime" nesse caso compensa. E tendo um bando de advogados se esbofeteando para atuarem como representantes dessas grandes causas de grandes empresas a coisa fica fácil.
Advogados iludidos, empresas iludidas
Eu tento ser um advogado diferente. Não só porque eu ando de jeans e camiseta nos Fóruns ou porque atendo meus clientes de bermuda, camiseta estampada e ando de metrô e não com um Audi TT.
Eu acredito que ser advogado é mais do que litigar e ganhar dinheiro. É ganhar a vida de forma a revolucionar e inovar nas formas de resolvermos problemas que nem sempre são problemas judiciais. Cada profissional tende a ver situações do ponto de vista que estudou. As faculdades ajudam a emburrecer nesse sentido. Mas por que não resolver as coisas de outras formas?
A maioria não pensa assim e é por isso que vemos a luta diária de advogados e escritórios lutando por contas enormes de clientes como Vivo e Chubb. Eles pensam que ganham muito dinheiro (que na verdade é pouco para as empresas) e acham que pagam muito dinheiro aos seus "associados" (que na verdade são empregados e ganham pouco). A máquina gira em torno de pessoas iludidas e há um reflexo claro que é o seguinte...
Todos fingem que trabalham
Num escritório de massa as ações chegam aos montes. Quem perde tempo lendo? Os sócios? Não. Os advogados? Bem, deveria ser. Mas há prazos novos a toda hora e são poucos os que dão a devida atenção às especificidades. Além do mais existem seguros e as perdas sempre são compensadas, e eu ganho tão pouco pra trabalhar tanto que se der errado e eu for demitido tudo bem, certo? O sistema recompensa a ineficiência. Todos estão seguros ou desmotivados o suficiente para não ligar para o seu processo. O resultado são petições que contestam coisas sem sentido, que erram a parte autora, que tem informações erradas, advogados que perdem audiência...
Mas para a Vivo e Chubb tudo permanece dentro dos padrões. Consigo imaginar uma mesa de reunião em que alguém levanta o problema dos processos judiciais.
- Os custos com processo estão aumentando, precisamos fazer algo!
- Calma, vamos aumentar as contas de telefone. Assim podemos compensar os cutos.
- Genial.
Além disso juízes e servidores não ligam para quem paga. O Judiciário recompensa a produtividade. O que todos querem é limpar a prateleira ou - no mundo digital -arquivar o máximo de processos. E não importa quem vai perder ou ganhar. Eles que se virem.
Soluções?
Eu pensei muito antes de finalizar esse texto. Eu detesto textos que jogam um monte de problema e informações e não apresentam soluções. São criadores de problema apenas. Eu não tenho ideias claras de como solucionar todos eles mas vou arriscar alguns esboços.
- 1 - Profissionalizar a gestão judicial. Juízes, assessores, estagiários são péssimos em gerenciar. Talvez sejam bons analistas e bons intelectualmente, mas só. É preciso criar uma figura com habilidades de gestão, mas também sensibilidade para identificar pontos críticos e direcionar para uma atuação conjunta para resolver problemas com mais eficiência e de forma objetiva.
- 2 - Penalidades mais pesadas para empresas. Empresas precisam sentir na pele a dor de sua ineficiência e incompetência em prestar bem um serviço. Elas precisam ter um incentivo para melhorar. Essa parece ser a solução mais fácil, mas não gosto dela exatamente porque os custos serão sempre divididos com os consumidores. E mais: até que ponto podemos ter certeza que indenizações maiores terão reflexo no comportamento dessas empresas?
- 3 - Mecanismos inteligentes e mais simples de ações coletivas. Vários consumidores com ações separadas são fracos comparados com uma multinacional ou uma grande empresa de telefonia móvel. Muito diferente são dez mil pessoas lutando contra elas com uma estratégia muito mais elaborada e com a ameaça de uma bolada mega-sênica (desculpe o neologismo). Se advogados vão lutar por essa causa? Sim. Se vai haver incentivo ao litígio por isso? Bem...
- 4 - Fazer valer o artigo 489 do Novo CPC. (Obrigado, Julio Cesar Ballerini Silva! pelo lembrete, primeiro a comentar). Se uma decisão não considerar todos os pontos deduzidos no processo ela não é considerada fundamentada. Isso é o que diz o Art. 489, § 1º, inciso IV do CPC. Se ele fosse levado a sério, teríamos decisões melhores e talvez menos irresignadas.
Escrevi demais? Sim. Mas não cheguei a falar metade do que queria. São muitos problemas além desses que todo mundo se depara mas não tem coragem de falar. É incrível como as pessoas são inertes e anestesiadas. Elas corroboram com a própria farsa com medo de perder sua boquinha. E saímos todos perdendo.
Você concorda ou não?
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Número do Processo (Projudi-TJ Bahia) N.º: 0070134-44.2017.8.05.0001
Por Matheus Galvão
Fonte: Jus Brasil