goo.gl/cLSAeF | Falta de documentos, cuidado dos avós, periculosidade da ré e até a contratação de eficiente banca de advogados já fizeram tribunais rejeitarem prisões domiciliares a presas preventivas grávidas e mães de crianças de até 12 anos de idade, apesar do Habeas Corpus coletivo (HC 143.641) concedido pelo Supremo Tribunal Federal.
Em fevereiro, a corte mandou o Judiciário substituir a prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres nessas condições, inclusive para adolescentes, e estendeu a medida a presas que têm sob custódia pessoas com deficiência. Conforme o relator, ministro Ricardo Lewandowski, a ordem é válida para quem não cometeu crimes mediante violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos, ou ainda em “situações excepcionalíssimas”.
É esta última ressalva do próprio STF, sem definição objetiva, que fundamentou várias negativas nos últimos meses. Em São Paulo, por exemplo, a 6ª Câmara de Direito Criminal rejeitou benefício a uma mãe acusada de desvio de verba pública da saúde municipal, por entender que a decisão do Supremo constitui “uma proteção principalmente às mulheres consideradas pobres e vulneráveis”. Esse não é o caso da paciente, diz o acórdão, pois ela “está sendo representada por aguerrida e eficiente banca de advogados”.
O mesmo colegiado negou a substituição da preventiva a uma mãe de criança de 11 anos e 1 mês por entender que “a intenção da Suprema Corte é proteger a primeira infância, principalmente das crianças que nascem nos presídios, o que não é o caso da paciente, cujo filho é um pré-adolescente [...] sob os cuidados da sua avó”.
A 9ª Câmara considerou “de todo desaconselhável a proximidade de crianças com pessoa apontada como traficante”. Por unanimidade, os desembargadores rejeitaram Habeas Corpus a uma mulher flagrada em 2016, e ainda sem julgamento, com 852,4 gramas de maconha e uma porção de cocaína.
Ela tem filhas que completaram seis e oito anos. Para o colegiado, porém, “não se demonstrou a imprescindibilidade de sua soltura para cuidar da prole, tarefa igualmente possível aos pais ou familiares (cuja inexistência sequer se cogitou ou, muito menos, comprovou-se), cabendo salientar ter a própria paciente provocado seu afastamento das crianças ao se envolver em crime equiparado a hediondo”.
“Tem alguns casos, e não são poucos, em que há essa tentativa de criar dificuldades à aplicação do HC com justificativas difíceis de aceitar. Como se faz a prova da prescindibilidade da mãe? Como que se prova que um filho não precisa da mãe?”, indaga a defensora e assessora criminal Maíra Coraci Diniz, que coordena o núcleo da Defensoria Pública de São Paulo responsável por levantar e acompanhar casos sobre o tema.
“Estão dando um jeito de criar obstáculos. Em algumas decisões diz-se que seria um estímulo à criminalidade. A mulher nem foi condenada. É juízo de valor”, afirma.
A advogada Eloísa Machado, membro do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), grupo que atuou no HC coletivo, diz que chamam a atenção os “casos indeferidos irresponsavelmente”, principalmente os que envolvem mulheres enquadradas pelo artigo 33 do Código Penal. “Tráfico de drogas é a regra do sistema. Não pode ser considerado excepcionalíssimo”, afirma.
Ela aponta que a decisão do Supremo garantiu o cumprimento de dispositivos já fixados na legislação, por meio do Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/16).
Tribunais de Justiça de outros estados também aplicam explicações semelhantes. No Rio de Janeiro, a 1ª Câmara Criminal considerou melhor “manter a prisão preventiva da paciente em benefício das próprias crianças, evitando-se que elas sejam colocadas em situação de risco”.
Como ela foi flagrada com uma conhecida enquanto transportava 82,5 kg de maconha no porta-malas de um carro, em viagem para Mato Grosso do Sul, os desembargadores viram “incompatibilidade entre o interesse da mãe em recolher-se em seu domicílio (do qual se ausentou por diversos dias, para transportar drogas) e o interesse público em zelar pela ordem pública”.
No Ceará, a 2ª Câmara Criminal negou “a inserção do menor em ambiente nocivo ao seu desenvolvimento”, naquela que é a situação excepcionalíssima mais recorrente: tráfico supostamente praticado dentro de casa.
A substituição da preventiva no Paraná foi negada em um caso porque “não se pode afirmar que sua presença [da mãe] junto à filha de seis anos de idade se revele preponderante em relação à necessidade de resguardo da paz social”.
A 8ª Câmara Criminal do TJ do Rio Grande do Sul, rejeitou HC a uma suspeita de estelionato, mãe de uma menina de 12 anos com deficiência, por indícios de que a mulher deixava a filha sozinha e havia parado de levá-la ao centro de assistência social do município.
Em Mato Grosso do Sul, a justificativa foi a falta de provas de que os filhos ocupem o mesmo imóvel da mãe. No Piauí, em Santa Catarina e em Sergipe, presas tiveram o pedido negado por serem acusadas de integrar organização criminosa. Há registros semelhantes também nos tribunais de Justiça de MG, ES, AC, AM, MT e PE.
Em meio aos pedidos negados pelas mais diversas situações excepcionalíssimas, o cumprimento do HC tem sido impulsionado por um parceiro primordial: as unidades prisionais.
Não há informações claras sobre o número de mulheres impactadas ou beneficiadas pelo HC coletivo do Supremo. Em um universo de 10 mil mulheres passíveis de serem beneficiadas, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) havia recebido, até abril, notícia de 304 revogações de prisão preventiva.
O Depen afirmou à ConJur que cabe ao Judiciário informar dados consolidados. O STF respondeu, via assessoria de imprensa, que, segundo o gabinete do ministro Lewandowski, os tribunais não são obrigados a informar a corte sobre o cumprimento da decisão.
Também não existem dados no Conselho Nacional de Justiça, oficiado pela decisão por sua atuação no âmbito do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas. O mesmo ocorre com a Defensoria Pública da União, que oficiou o CNJ e as defensorias dos estados, mas até maio permanecia sem levantamento consolidado.
São Paulo contou com levantamento em duas frentes, porém com informação não consolidada e divergente. Segundo o coletivo CADHu, dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) indicam que, no final de abril, 3.302 pedidos de substituição da preventiva haviam sido feitos, com 1.739 ainda não apreciados. Foram deferidos no período 999, num total de 62% dos 1.563 já analisados pela Justiça paulista.
A Defensoria de São Paulo fez outro levantamento na mesma época e identificou 3.112 casos, com cerca de 800 mulheres beneficiadas pela prisão domiciliar. Até o momento, não há atualizações.
Vieram do Depen os dados solicitados pelo ministro Lewandowski que apontam que, na época do julgamento, o país tinha 10.321 mulheres em condições de terem a prisão preventiva convertida em domiciliar. Baseado nesse levantamento, determinou-se que a entidade comunicasse os estabelecimentos prisionais, cabendo a estes, “independentemente de outra provocação”, informar aos respectivos juízos sobre as custodiadas.
Assim, o Depen pediu aos órgãos estaduais de administração prisional que fizessem nova checagem das possíveis beneficiadas e enviassem os dados para os tribunais estaduais e as defensorias locais. Além disso, recomendou que os estados fizessem negociações com a rede de assistência social local, para efetivar a proteção social das beneficiadas.
“A decisão empoderou as unidades prisionais. Não há mais desculpa frente à falta de dados quando as próprias prisões estão dizendo que há mães presas em situação irregular”, diz Eloísa Machado.
“Não é interesse do gestor ou gestora da prisão ter uma mulher grávida ou uma criança na prisão. É um trabalho e um risco que pode respingar neles”, afirma a advogada Bruna Angotti, uma das responsáveis pela pesquisa Dar à Luz na Sombra, mapeamento da situação das mães e grávidas no cárcere e documento-base na elaboração do pedido de HC coletivo.
Eloísa Machado, Bruna Angotti e Hilem Estefania Cosme de Oliveira participaram, em 26 de abril, de evento da Fundação Getulio Vargas para marcar os três meses da concessão do HC coletivo, prazo dado pelo ministro Lewandowski para o cumprimento da ordem. Na avaliação do trio, a abrangência da decisão vem sendo tolhida em diversas cortes do país. Para quem se vê impedida de ter a pena preventiva substituída, o caminho é recorrer em primeira e segunda instâncias, ao Superior Tribunal de Justiça e, então, ao STF.
No geral, o Depen avalia como “fundamental o papel dos órgãos estaduais de administração prisional para a busca ativa dessas mulheres (e de seus dados) e fornecimento dessas informações aos órgãos com competência para revisão processual e decisão judicial”, apesar da falta de dados oficiais.
O Brasil tem 42 mil mulheres presas, número que registrou aumento de 525% entre 2000 e 2016. Desse total, 45% ainda não foram condenadas e 62% foram enquadradas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Apesar dos números, havia, antes da decisão do ministro Lewandowski, 27 mil vagas, com déficit de 15 mil.
*(Foto meramente ilustrativa: reprodução Internet)
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur
Em fevereiro, a corte mandou o Judiciário substituir a prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres nessas condições, inclusive para adolescentes, e estendeu a medida a presas que têm sob custódia pessoas com deficiência. Conforme o relator, ministro Ricardo Lewandowski, a ordem é válida para quem não cometeu crimes mediante violência ou grave ameaça, contra os próprios filhos, ou ainda em “situações excepcionalíssimas”.
É esta última ressalva do próprio STF, sem definição objetiva, que fundamentou várias negativas nos últimos meses. Em São Paulo, por exemplo, a 6ª Câmara de Direito Criminal rejeitou benefício a uma mãe acusada de desvio de verba pública da saúde municipal, por entender que a decisão do Supremo constitui “uma proteção principalmente às mulheres consideradas pobres e vulneráveis”. Esse não é o caso da paciente, diz o acórdão, pois ela “está sendo representada por aguerrida e eficiente banca de advogados”.
O mesmo colegiado negou a substituição da preventiva a uma mãe de criança de 11 anos e 1 mês por entender que “a intenção da Suprema Corte é proteger a primeira infância, principalmente das crianças que nascem nos presídios, o que não é o caso da paciente, cujo filho é um pré-adolescente [...] sob os cuidados da sua avó”.
A 9ª Câmara considerou “de todo desaconselhável a proximidade de crianças com pessoa apontada como traficante”. Por unanimidade, os desembargadores rejeitaram Habeas Corpus a uma mulher flagrada em 2016, e ainda sem julgamento, com 852,4 gramas de maconha e uma porção de cocaína.
Ela tem filhas que completaram seis e oito anos. Para o colegiado, porém, “não se demonstrou a imprescindibilidade de sua soltura para cuidar da prole, tarefa igualmente possível aos pais ou familiares (cuja inexistência sequer se cogitou ou, muito menos, comprovou-se), cabendo salientar ter a própria paciente provocado seu afastamento das crianças ao se envolver em crime equiparado a hediondo”.
“Tem alguns casos, e não são poucos, em que há essa tentativa de criar dificuldades à aplicação do HC com justificativas difíceis de aceitar. Como se faz a prova da prescindibilidade da mãe? Como que se prova que um filho não precisa da mãe?”, indaga a defensora e assessora criminal Maíra Coraci Diniz, que coordena o núcleo da Defensoria Pública de São Paulo responsável por levantar e acompanhar casos sobre o tema.
“Estão dando um jeito de criar obstáculos. Em algumas decisões diz-se que seria um estímulo à criminalidade. A mulher nem foi condenada. É juízo de valor”, afirma.
A advogada Eloísa Machado, membro do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), grupo que atuou no HC coletivo, diz que chamam a atenção os “casos indeferidos irresponsavelmente”, principalmente os que envolvem mulheres enquadradas pelo artigo 33 do Código Penal. “Tráfico de drogas é a regra do sistema. Não pode ser considerado excepcionalíssimo”, afirma.
Ela aponta que a decisão do Supremo garantiu o cumprimento de dispositivos já fixados na legislação, por meio do Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/16).
Outras situações
Tribunais de Justiça de outros estados também aplicam explicações semelhantes. No Rio de Janeiro, a 1ª Câmara Criminal considerou melhor “manter a prisão preventiva da paciente em benefício das próprias crianças, evitando-se que elas sejam colocadas em situação de risco”.
Como ela foi flagrada com uma conhecida enquanto transportava 82,5 kg de maconha no porta-malas de um carro, em viagem para Mato Grosso do Sul, os desembargadores viram “incompatibilidade entre o interesse da mãe em recolher-se em seu domicílio (do qual se ausentou por diversos dias, para transportar drogas) e o interesse público em zelar pela ordem pública”.
No Ceará, a 2ª Câmara Criminal negou “a inserção do menor em ambiente nocivo ao seu desenvolvimento”, naquela que é a situação excepcionalíssima mais recorrente: tráfico supostamente praticado dentro de casa.
A substituição da preventiva no Paraná foi negada em um caso porque “não se pode afirmar que sua presença [da mãe] junto à filha de seis anos de idade se revele preponderante em relação à necessidade de resguardo da paz social”.
A 8ª Câmara Criminal do TJ do Rio Grande do Sul, rejeitou HC a uma suspeita de estelionato, mãe de uma menina de 12 anos com deficiência, por indícios de que a mulher deixava a filha sozinha e havia parado de levá-la ao centro de assistência social do município.
Em Mato Grosso do Sul, a justificativa foi a falta de provas de que os filhos ocupem o mesmo imóvel da mãe. No Piauí, em Santa Catarina e em Sergipe, presas tiveram o pedido negado por serem acusadas de integrar organização criminosa. Há registros semelhantes também nos tribunais de Justiça de MG, ES, AC, AM, MT e PE.
Em meio aos pedidos negados pelas mais diversas situações excepcionalíssimas, o cumprimento do HC tem sido impulsionado por um parceiro primordial: as unidades prisionais.
Dados incertos
Não há informações claras sobre o número de mulheres impactadas ou beneficiadas pelo HC coletivo do Supremo. Em um universo de 10 mil mulheres passíveis de serem beneficiadas, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) havia recebido, até abril, notícia de 304 revogações de prisão preventiva.
O Depen afirmou à ConJur que cabe ao Judiciário informar dados consolidados. O STF respondeu, via assessoria de imprensa, que, segundo o gabinete do ministro Lewandowski, os tribunais não são obrigados a informar a corte sobre o cumprimento da decisão.
Também não existem dados no Conselho Nacional de Justiça, oficiado pela decisão por sua atuação no âmbito do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas. O mesmo ocorre com a Defensoria Pública da União, que oficiou o CNJ e as defensorias dos estados, mas até maio permanecia sem levantamento consolidado.
São Paulo contou com levantamento em duas frentes, porém com informação não consolidada e divergente. Segundo o coletivo CADHu, dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) indicam que, no final de abril, 3.302 pedidos de substituição da preventiva haviam sido feitos, com 1.739 ainda não apreciados. Foram deferidos no período 999, num total de 62% dos 1.563 já analisados pela Justiça paulista.
A Defensoria de São Paulo fez outro levantamento na mesma época e identificou 3.112 casos, com cerca de 800 mulheres beneficiadas pela prisão domiciliar. Até o momento, não há atualizações.
Diálogo
Vieram do Depen os dados solicitados pelo ministro Lewandowski que apontam que, na época do julgamento, o país tinha 10.321 mulheres em condições de terem a prisão preventiva convertida em domiciliar. Baseado nesse levantamento, determinou-se que a entidade comunicasse os estabelecimentos prisionais, cabendo a estes, “independentemente de outra provocação”, informar aos respectivos juízos sobre as custodiadas.
Assim, o Depen pediu aos órgãos estaduais de administração prisional que fizessem nova checagem das possíveis beneficiadas e enviassem os dados para os tribunais estaduais e as defensorias locais. Além disso, recomendou que os estados fizessem negociações com a rede de assistência social local, para efetivar a proteção social das beneficiadas.
“A decisão empoderou as unidades prisionais. Não há mais desculpa frente à falta de dados quando as próprias prisões estão dizendo que há mães presas em situação irregular”, diz Eloísa Machado.
“Não é interesse do gestor ou gestora da prisão ter uma mulher grávida ou uma criança na prisão. É um trabalho e um risco que pode respingar neles”, afirma a advogada Bruna Angotti, uma das responsáveis pela pesquisa Dar à Luz na Sombra, mapeamento da situação das mães e grávidas no cárcere e documento-base na elaboração do pedido de HC coletivo.
Eloísa Machado, Bruna Angotti e Hilem Estefania Cosme de Oliveira participaram, em 26 de abril, de evento da Fundação Getulio Vargas para marcar os três meses da concessão do HC coletivo, prazo dado pelo ministro Lewandowski para o cumprimento da ordem. Na avaliação do trio, a abrangência da decisão vem sendo tolhida em diversas cortes do país. Para quem se vê impedida de ter a pena preventiva substituída, o caminho é recorrer em primeira e segunda instâncias, ao Superior Tribunal de Justiça e, então, ao STF.
No geral, o Depen avalia como “fundamental o papel dos órgãos estaduais de administração prisional para a busca ativa dessas mulheres (e de seus dados) e fornecimento dessas informações aos órgãos com competência para revisão processual e decisão judicial”, apesar da falta de dados oficiais.
O Brasil tem 42 mil mulheres presas, número que registrou aumento de 525% entre 2000 e 2016. Desse total, 45% ainda não foram condenadas e 62% foram enquadradas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Apesar dos números, havia, antes da decisão do ministro Lewandowski, 27 mil vagas, com déficit de 15 mil.
*(Foto meramente ilustrativa: reprodução Internet)
Por Danilo Vital
Fonte: Conjur