OAB é contra fiscalização de suas finanças por Tribunal de Contas - Por Matheus Teixeira

goo.gl/Rdwv2t | A indicação de que o Tribunal de Contas da União (TCU) pode determinar uma fiscalização da bilionária arrecadação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deixou a entidade em alerta. A movimentação do órgão de controle pode esbarrar, dizem dirigentes da OAB, em um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) firmado em 2006, quando a Corte decidiu que a OAB não se submete às mesmas regras dos demais conselhos de categorias profissionais, que estão na alçada do Tribunal de Contas.

No julgamento do dia 16 de maio, o plenário do TCU determinou que sua área técnica realize um estudo sobre a possibilidade de apurar as contas da Ordem. A avaliação é para saber se é possível submeter a OAB às mesmas normas aplicadas a órgãos federais, estatais e outros conselhos de profissionais liberais, que são fiscalizados pelo tribunal. O caso foi tema da coluna do jornalista Elio Gaspari nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo na última quarta-feira (23/5).

Uma análise preliminar será feita pela Secretaria-Geral de Controle Externo. A ideia é que ela seja finalizada a tempo de, a depender do entendimento, ser possível à Corte já auditar as contas de 2018 da Ordem.

O Observatório Nacional da Advocacia, entidade crítica à OAB, estima que a entidade administra cerca de R$ 1,3 bilhão por ano. Do montante recolhido, 20% vai para a caixa de assistência da entidade, 10% para o Conselho Federal, 3% para fundos de investimento e o restante é de responsabilidade da respectiva seccional. A anuidade cobrada de cada advogado varia de estado para estado. No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, o valor gira em torno de R$ 1 mil.

A OAB sustenta que tem atribuições descritas em lei que vão além da responsabilidade de representar a classe profissional, como defender a Constituição, o que traria a necessidade de a Ordem ter mais independência do que os demais órgãos da mesma natureza. Por isso, não seria possível o monitoramento de seus balanços por um órgão de controle.

A entidade diz ainda que há transparência em seus dados. O argumento é rebatido pela Associação Contas Abertas, para quem é um privilégio injustificado da OAB não ser auditada e não estar sujeita ao controle externo.

Na área de transparência patrimonial e econômica do site do Conselho Federal da OAB é possível acessar apenas quadros sintéticos de receitas e despesas do último ano. E elas vão apenas de janeiro a setembro. No período, o Conselho Federal da OAB teve um déficit de R$ 2.831.346. O último balanço patrimonial e a última demonstração do resultado de exercício disponíveis no Portal Transparência nas Contas da OAB são de 2014.

O Supremo


Em 2006, o Supremo tratou da natureza jurídica da OAB, quando julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedia que a OAB realizasse concurso público para contratar pessoal.

Na oportunidade, o STF assentou que a entidade não tem equivalência com os demais conselhos profissionais, como o de Medicina, Psicologia, entre outros. O então ministro Eros Grau, que era o relator e foi acompanhado por outros oito ministros, entendeu que a OAB não poderia ser comparada com outros órgãos de fiscalização profissional. Isso porque, segundo ele, as atribuições da OAB têm características próprias. Ficaram vencidos Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

“A Ordem não está voltada exclusivamente à finalidade corporativa, mas, nos termos do artigo 44 do Estatuto dos Advogados, tem por finalidade defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Esta é, individualmente, finalidade institucional e não corporativa”, sustentou Eros Grau.

Desde 1952, a OAB não é obrigada a divulgar suas cifras. À época, os ministros do extinto Tribunal Federal de Recursos entenderam que a Ordem não se submete ao regime de autarquias públicas. Em novembro de 2003, por quatro votos a três, o TCU reafirmou essa isenção.

Diante da decisão do TCU, a OAB alega que uma eventual fiscalização poderia comprometer a independência da OAB, já que a Ordem tem a obrigação por lei de defender a Constituição e o Estado Democrático de Direito, o que, eventualmente, a põe em lado oposto a políticos e governos.

Reações


Nos bastidores, integrantes do Conselho Nacional da Ordem têm interpretações diversas sobre a medida do TCU. Pessoas ligadas ao atual presidente acreditam que a decisão da Corte de Contas é uma retaliação do governo do presidente Michel Temer, que tem sido alvo de críticas da entidade. Ao mesmo tempo, outros integrantes da Ordem creditam a decisão do TCU à perda de força da entidade.

O presidente da OAB-DF, Juliano Costa Couto, acredita que uma eventual fiscalização do TCU ou mesmo dos tribunais de contas estaduais nas seccionais poderia afetar a independência da entidade. “A OAB não recebe verbas públicas e nós temos que ter garantida independência para agir contra qualquer poder e qualquer governo. Não podemos ter amarras de conteúdo externo para tentar controlar a representação da advocacia”, afirma.

Por meio de nota, a OAB nacional ressaltou que, apesar de não ser fiscalizada pelo TCU, o órgão é transparente. “As contas da OAB são fiscalizadas e auditadas, como em qualquer instituição privada, pelos seus órgãos internos de controle e pelos próprios advogados. Além disso, elas estão à disposição da sociedade, não havendo o que esconder. A OAB não pode, contudo, perder sua autonomia e independência ficando atrelada ao Poder Público, do qual ela não faz parte”.

O fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, afirma que independência não pode se confundir com transparência e diz que a própria OAB deveria ser favorável à fiscalização da Corte de Contas. “A OAB pode ser independente e ao mesmo tempo estar submetida à fiscalização do TCU e da própria sociedade. A independência não está, a meu ver, relacionada com a ausência de controle externo”, comenta.

Ele afirma que, em regra, os mecanismos internos para garantir o bom uso dos recursos não são suficientes. “O controle interno, quando exercido de maneira corporativa, é difícil de funcionar, como acontece na Câmara, no Senado, em órgãos do Judiciário. Aí está a preocupação para que exista dois níveis de controle, o interno e o externo, feito pelo TCU, além do controle social. Isso é basicamente o que ocorre com todos órgãos da Esplanada”, ressalta.

Castelo Branco acredita que a Corte de Contas poderia, inclusive, aperfeiçoar a gestão da OAB, uma vez que tem expertise na área. “Muitas vezes um hospital gerido por um médico não tem bons resultados porque o médico tem por vocação e formação outra área de interesse. E isso pode acontecer com advogado. Não necessariamente um ótimo advogado será um bom gestor. E essa experiência do TCU no que diz respeito ao acompanhamento da gestão de vários órgãos similares poderia enriquecer a OAB”.

Ele diz, ainda, que a OAB funciona graças à arrecadação das contribuições dos advogados, e que este tipo de recurso é público, apesar de não ser orçamentário, o que reforça a necessidade de controle.

Por Matheus Teixeira – Brasília
Fonte: www.jota.info
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