A ilegalidade da poligamia com efeitos de união estável tem maioria dos votos no CNJ

goo.gl/qd1Cyy | O poliamor escriturado como união estável, que se equipara ao casamento, em Tabelionato de Notas, está na pauta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao julgar o pedido de providências da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) para que seja vedada a lavratura de escrituras públicas de uniões poliafetivas como entidades familiares e com os respectivos efeitos.

É disso que o pedido trata.

É isso que as duas Tabeliãs de Notas, uma do Rio de Janeiro e outra de São Paulo, lavraram: escrituras públicas de uniões entre 3 pessoas, podem ser mais integrantes, como entidades familiares, com os efeitos de uma união estável, que são iguais aos do casamento. Efeitos estes, segundo as escrituras, entre as partes, de cunho pessoal e patrimonial, perante futuros filhos que serão atribuídos a todos os participantes da relação poligâmica, e perante terceiros, empresas privadas como planos de saúde e associações desportivas, instituições públicas, como o INSS, incluindo a pensão por morte, e descontos na receita federal.

Note-se o resultado pretendido por essas escrituras de poligamia: um contribui para o INSS, todos ou todas têm benefícios da pensão por morte, agregando-se a cada um dos sobreviventes o benefício na íntegra, com uma longevidade imensurável; um paga o imposto de renda, mas tem descontos em relação a vários parceiros, diminuindo sua carga tributária; um paga a mensalidade do plano de saúde e leva três ou muito mais parceiros e supostos dependentes para o seu plano; um paga a mensalidade do clube e leva vários dependentes consigo, que não seus filhos menores, mas parceiros, e assim por diante porque a abrangência seria ilimitada e o número de dependentes e partícipes da poligamia também seria infinito.

“Pobres” daqueles que fazem uma contribuição, para ter um dependente, porque vive uma relação monogâmica, e teria de pagar por aqueles que vivem relações poligâmicas com vários dependentes adultos. “Ricos” aqueles que pagam uma única contribuição no setor público e privado e poderiam ter três, quatro, cinco, dez ou mais beneficiários com esse singelo pagamento.

Em face dos fundamentos jurídicos apresentados pela ADFAS, que são muitos e vão além do exposto neste artigo, o Relator do processo, o Corregedor Nacional de Justiça e Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, em 24/04/18, votou pela procedência do pedido de providências, ou seja, pela vedação de lavratura dessas escrituras, que buscam declarar efeitos ilegais e por isto estão eivadas de ilegalidade.

O pedido fundamenta-se na ilegalidade dessas escrituras, decorrente especialmente do disposto na Constituição Federal (artigo 226, parágrafo 3º) e na legislação infraconstitucional (Código Civil, artigo 1.723) que estabelecem o requisito da monogamia para o reconhecimento de união estável e de seus respectivos efeitos, inclusive na interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação às relações entre pessoas do mesmo sexo ou gênero.

Aliás, a proibição de lavratura de escritura pública pelo CNJ, em razão de ilegalidade, tem precedente, como já ocorreu em relação à escritura de inventário e partilha sobre bens localizados no exterior, em razão da existência de violação ao Código de Processo Civil, segundo o qual a competência da autoridade brasileira destina-se a partilhar bens situados no Brasil, entendendo-se, por exclusão, que os bens situados no estrangeiro estão fora da competência da autoridade pátria (Resolução 35/2007, artigo 29). Escritura pública contrária à lei, escritura vedada pelo CNJ, em suma.

Afinal, as pessoas podem viver como quiserem e com quantos desejarem, mas não podem pretender, no sistema legal brasileiro, ter a mesma proteção que a lei dá somente a quem vive em monogamia.

O Tabelião de Notas não pode lavrar uma escritura que contraria a lei brasileira. O Notário não faz a lei, o que é reserva de competência do Poder Legislativo.

O julgamento foi adiado por pedido de vista do Conselheiro e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Aloysio Corrêa da Veiga, e foi retomado nesta última terça-feira (22/5/18).

O voto do Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga foi acompanhado pelo Conselheiro e Procurador da Justiça Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior e pela Conselheira e Desembargadora do Tribunal Regional Federal (TRF3) Daldice Maria Santana de Almeida.

Em seu voto, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, reconhece que nosso ordenamento jurídico tem a monogamia como base para o reconhecimento de entidades familiares, afirmando que a união poliafetiva não é uma união estável e isto jamais poderia ter sido declarado perante um Tabelião de Notas, por contrariar a lei.

No entanto, com todo o respeito pela divergência desse voto, segundo o qual o pedido de providências da ADFAS deve ser deferido somente parcialmente, facultando-se a lavratura dessas escrituras, com efeitos de sociedade de fato, há nesse voto um grave problema de ordem processual.

No processo, cuja abertura foi pedida pela ADFAS, não está sendo discutida a união poliafetiva como sociedade de fato, de natureza obrigacional.

O pedido, conforme certidões das escrituras juntadas aos autos do processo, versa sobre uniões poliafetivas como uniões estáveis, com os respectivos efeitos.

A explicação é simples. O processo administrativo, procedimento pelo qual tramita o pedido de providências, tem seus limites estabelecidos na Constituição Federal, pelo art. 5º, inciso LV, pelo qual é assegurado o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Portanto, a decisão a ser proferida pelo CNJ deve ter como limite o pedido e a causa de pedir, sendo extra petita conhecer de questões não suscitadas pelas partes. Caso contrário, restará configurada a nulidade da decisão por ter ofendido o princípio da congruência.

Em outras palavras, as escrituras que são a causa de pedir fática do pedido de providências da ADFAS, ou que são objetadas ou apresentadas no processo, reconhecem uniões poligâmicas como entidade familiar e não cabe ao CNJ julgar esse pedido como se outro tipo de escritura estivesse sob julgamento nesse processo administrativo. Reitere-se que essas escrituras não são de sociedade de fato.

Se em outro processo o questionamento versar sobre escrituras de uniões poliafetivas como sociedades de fato, daí, sim, esta matéria ficará sob julgamento. Agora efetivamente não está!

O voto do Conselheiro e Juiz do Trabalho Francisco Luciano de Azevedo Frota, abriu mais uma divergência, discordando do Ministro Relator e do voto divergente acima referido, pela improcedência total do pedido da ADFAS, sob a argumentação de que as uniões poliafetivas podem gerar efeitos de direito de família, sucessórios, previdenciários, securitários entre outros, que são atribuídos pela legislação constitucional e infraconstitucional vigente exclusivamente às relação entre duas pessoas, ou seja, às relações monogâmicas.

Mas, a maioria, até agora, votou pela procedência do pedido da ADFAS, acompanhando o voto ou a conclusão do voto do Ministro João Otávio de Noronha.

A Conselheira e Desembargadora do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Maria Iracema Martins do Vale, o Conselheiro e Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT5), Valtércio Ronaldo de Oliveira, o Conselheiro e Juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Márcio Schiefler Fontes, e o Conselheiro e Juiz Federal da 2ª Região, Fernando César Baptista de Mattos, acompanharam o voto do Relator, Corregedor Nacional de Justiça e Ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, pela ilegalidade das escrituras.

Portanto, há uma maioria nos votos que já foram proferidos pelo CNJ: cinco votos pela procedência, três votos pela procedência parcial e um voto pela improcedência do pedido da ADFAS.

Ao final da seção, o Conselheiro e Advogado Valdetário Andrade Monteiro pediu vista dos autos, deixando, desde logo, consignado que viu nessas escrituras a criação de um novo Código Civil, o que, obviamente, não é permitido ao Tabelião de Notas.

Além do voto do Conselheiro acima referido, ainda não proferiram voto os Conselheiros André Luiz Guimarães Godinho, Advogado, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique de Almeida Ávila, cidadãos de notável saber jurídico, e a Presidente e Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

Os dados das qualificações dos Conselheiros do CNJ referidos neste artigo foram extraídos do site respectivo.

O julgamento será retomado oportunamente.

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Regina Beatriz Tavares da Silva *Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada

Fausto Macedo
Fonte: Estadão
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