goo.gl/wqamGy | O estado de Minas Gerais, exercendo a competência que lhe confere a Constituição da República, e com base na Resolução 9 de 1992 do Senado Federal[1], editou a Lei 14.941 de 29 de dezembro de 2003, que institui e regula o ITCD, bem como o Decreto 43.981/05. Desde a sua edição, a lei sofreu diversas alterações[2] através da publicação de outros diplomas legais, sendo sua última modificação resultante da Lei 22.796, de 28/12/2017.
Inquestionavelmente, como preconiza a própria legislação mineira (inciso I, do artigo 1º, da Lei 14.941/03) o ITCMD incide, dentre outras hipóteses, na transmissão da propriedade de bem ou direito, por ocorrência do óbito[3].
Como bem sabido, com a morte da pessoa natural seus bens transmitem-se, automaticamente aos seus sucessores legítimos e testamentários, nisso consiste o amplamente conhecido princípio da droit de saisine (Código Civil, artigo 1.784). Uma vez, porém, que o patrimônio do autor da herança constitui uma universalidade, torna-se necessário apurar quais são os bens que integram o espólio, a fim de definir o que passou realmente ao domínio dos sucessores.
Para esse fim, existe o procedimento especial do inventário e partilha (artigos 610 a 673 do CPC), que tem por finalidade definir os componentes do acervo hereditário e determinar quem são os herdeiros que recolherão a herança (inventário), bem como definir a parte dos bens que tocará a cada um deles (partilha)[4].
O legislador atribuiu ao inventário judicial um caráter de urgência, fixando no artigo 611 do CPC o prazo de dois meses para a sua instauração. Evidentemente este prazo não é prescricional, no entanto, se não for cumprido, poderá a fazenda pública estadual (SEF) fixar multa, relacionada com o imposto causa mortis, conforme entendimento consolidado pelo STF no enunciado de Súmula 542[5].
O enunciado apenas confirma a possibilidade dos Estados, dentro dos limites de sua competência legislativa no âmbito tributário (artigo 155, I, da Constituição), fixarem multa para inibir a inércia dos sucessores, que por não ajuizarem o procedimento de inventário, impossibilitariam a apuração e arrecadação do ITCMD.
O CPC/2015, repetindo o entendimento do CPC/73, prevê e estabelece os critérios para apuração do imposto de transmissão causa mortis. O CPC, de forma razoável e coerente, estabelece que depois de realizadas as últimas declarações do inventário, ou seja, após a descrição e pormenorização do patrimônio e da realização da avaliação dos bens componentes do acervo hereditário e antes de iniciada a fase propriamente da partilha[6], proceder-se-á ao cálculo do tributo (CPC, artigo 637).
Pelo rito procedimental previsto no CPC ao julgar o cálculo do imposto (parágrafo 2º do artigo 638, CPC), o juiz está pondo fim à primeira fase do procedimento (inventário), fixando definitivamente o quantum a ser partilhado e o valor do imposto a ser pago à Fazenda Pública.
Entretanto, em que pese a regulamentação do CPC a legislação mineira, especificamente na Lei 14.941/2003 (artigo 13) e o Decreto 43.981/2005 (artigo 26), que regulamenta o ITCD em Minas Gerais, determinam que o ITCD deve ser pago no prazo máximo de 180 dias contados da abertura da sucessão.
O não pagamento do imposto dentro do prazo previsto na legislação geraria a punição do contribuinte por meio de multa diária, que pode atingir 12% sobre o valor total do imposto (inciso I, do artigo 22 da Lei 14.941/2003). Além da multa a legislação mineira prevê também a incidência de juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), estabelecida pelo Banco Central do Brasil (artigo 1º da Resolução 2.880/97).
A legislação mineira instituiu assim um procedimento administrativo de apuração do ITCD, realizado em meio eletrônico, o sistema Siare, que está totalmente desatrelado do procedimento de inventário judicial, possuindo forma e prazos próprios.
A desvinculação do procedimento de apuração do ITCD, a princípio, pode parecer desimportante, uma regra sem grande relevância. Entretanto, cabe realizar algumas reflexões sobre as consequências dessa aparente antinomia jurídica.
Evidentemente, nas situações em que é possível a realização do inventário extrajudicial (parágrafo 1º do artigo 610, CPC) a apuração administrativa do ITCMD se mostra o caminho mais viável. A exigência do ITCMD em relação às escrituras públicas de inventário e partilha é evidente. Para a lavratura da escritura pública de inventário e partilha exige-se não apenas a regularidade jurídica do quadro patrimonial, como descrito na Resolução 35 do CNJ, como também, obviamente, a comprovação da quitação fiscal plena, comprovada pelas CND’s e pela certidão de pagamento do ITCMD.
A grande questão que se coloca em relação ao prazo fixado pelo artigo 13 da Lei 14.941/2003 de Minas Gerais diz respeito aos procedimentos de inventário e partilha judiciais que tramitam pelo procedimento comum. Nestes casos, dificilmente conseguirão os beneficiários da sucessão cumprir com a ditame legal, isso porque em muitos casos o procedimento de inventário é o meio por meio do qual terão os herdeiros acesso as informações sobre o patrimônio.
Essa situação se mostra ainda mais problemática quando existe entre os herdeiros um litigio de natureza eminentemente patrimonial, como são os casos de sonegação (Código Civil, artigo 1.996). Observe que nestes casos os herdeiros só poderão arguir a sonegação em detrimento do inventariante após as últimas declarações, ficando evidente a impossibilidade de apuração do ITCD vez que pairam dúvidas sobre a extensão do patrimônio.
Lado outro, podem existir também controvérsias sobre quem eventualmente são os beneficiários da sucessão. Como ocorre comumente nos casos de reconhecimento de paternidade ou de união estável post mortem. Ou mesmo nos casos de ineficácia ou caducidade de disposição testamentária. Nesse aspecto, importante observar que o próprio CTN em seu artigo 35, parágrafo único, determina que existem tantos fatos geradores quanto são os herdeiros e legatários, tornando imprecisos os fatos geradores se existem dúvidas sobre quem efetivamente são os beneficiários.
Além de Minas Gerais, outros cinco Estados adotam prazos e procedimentos completamente diferentes dos estabelecidos pelo CPC, são eles: Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul, Piauí e Santa Catarina. Constata-se assim que existe uma aparente antinomia jurídica entre as determinações do CPC e a legislação tributária dos referidos estados.
Embora a herança seja transmitida, automaticamente no momento da abertura da sucessão (Código Civil, artigo 1.784), a exigibilidade do imposto sucessório depende da especificação do patrimônio transferido e dos sucessores, para que sejam apurados os "tantos fatos geradores distintos" a que alude o citado parágrafo único do artigo 35 do CTN.
O arcabouço do ITCMD revela, portanto, que apenas após as últimas declarações é possível identificar perfeitamente os aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese normativa, tornando possível a realização do lançamento pela Fazenda Pública. Fica evidente assim, que pelas características da transmissão causa mortis, não há como exigir o imposto antes do reconhecimento judicial do direito dos sucessores.
Como mecanismo de resolução desta antinomia pode-se utilizar a Súmula 114[7] do STF, que preconiza a necessidade de homologação do cálculo para que o imposto seja exigível e, consequentemente, possa incidir multa e correção.
Nesse aspecto, importante observar que o STF fixou o entendimento de que cabe ao STJ a apreciação de controvérsias atinentes à matéria infraconstitucional objeto de enunciados de súmulas editados à luz das constituições anteriores a 1988[8].
Assim, o STJ[9] já vem aplicando a Súmula 114, determinando a inexigibilidade do imposto antes de realizada a homologação judicial do cálculo no juízo sucessório.
Assim, cotejando os dispositivos do CPC com as súmulas do STF e com os julgados mais recentes do STJ, concluímos que o fisco pode imputar aos herdeiros multa pelo atraso na instauração do processo de inventário, pode fixar como base de cálculo o valor dos bens à época da avaliação, entretanto, não pode cobrar multa e correção antes de realizada o julgamento do cálculo do tributo no processo de inventário.
Pontue-se, por derradeiro, que tal matéria, em face de sua grande relevância jurídica e econômica, poderá ser submetida aos Tribunais de Justiça (dos estados indicados) para análise, nos recursos de apelação sobre o tema ou em reexame necessário, em sede de Incidente de Assunção de Competência (artigo 947 do CPC), ou de IRDR (caso presentes os requisitos do artigo 976 do CPC), para que seja proferido precedente normativo que dimensione a temática de forma correta e se evite o abuso das cobranças de multas indevidas, embasadas em legislações estaduais em desconformidade com o CPC/2015 e que atentam contra a própria realidade do procedimento de inventário e partilha.
[1] Art. 1º. A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1° de janeiro de 1992.
[2] A legislação mineira previa alíquotas progressivas, no entanto, após a edição da Lei 17.272, de 28/12/2007 o Estado passou a adotar alíquota única de 5% tanto para os casos de transmissão causa mortis quanto para os casos de doação.
[3] A redação atual do inciso I, do artigo 1º da referida Lei foi estabelecida pela Lei 20.824 de 31 de julho de 2013 que alterou o texto da lei original em alguns dispositivos.
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: volume 3: procedimentos especiais. 50. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 251.
[5] STF, Súmula 542 “Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário.”
[6] Os civilistas clássicos ao tratarem da temática reconhecem que o cálculo do imposto só pode ser efetivado após o encerramento da descrição dos bens, vez que não seria possível ou mesmo razoável proceder-se à avaliação de acervo que não se conhece integralmente. Nesse ponto destaca-se a clareza e objetividade de Itabaina de Oliveira, para quem: “encerrado o inventário, e depois de ouvidos os interessados, segue-se o processo preparatório da partilha, ordenando o juiz, por despacho, que se proceda ao cálculo para a liquidação do imposto de transmissão causa mortis, devido à Fazenda Pública, de acordo com as respectivas taxas estabelecidas em lei.” ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de direito das sucessões. 4.ed. São Paulo: Max Limonad, 1952 3v., p. 868.
[7] STF, Súmula 114: “O imposto de transmissão "causa mortis" não é exigível antes da homologação do cálculo.”
[8] "Como afirmado na decisão agravada, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que cabe ao Superior Tribunal de Justiça a apreciação de controvérsias atinentes à matéria infraconstitucional objeto de súmulas editadas à luz das constituições anteriores a 1988, como é o presente caso, no qual se discute a aplicação da Súmula n. 114 do Supremo Tribunal Federal, aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, com base na interpretação do art. 500 do Código de Processo Civil de 1939." (STF, ARE 768206-AgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgamento em 15.10.2013, DJe de 28.10.2013)
[9] STJ, REsp 752.808/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.5.2007, DJ 4.6.2007; STJ, AgRg no REsp 1257451/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13.9.2011; STJ, REsp 1660491/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16/06/2017.
Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015. Diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).
Moisés M. Oliveira é advogado no Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), professor de Direito das Sucessões na Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.
Fonte: Conjur
Inquestionavelmente, como preconiza a própria legislação mineira (inciso I, do artigo 1º, da Lei 14.941/03) o ITCMD incide, dentre outras hipóteses, na transmissão da propriedade de bem ou direito, por ocorrência do óbito[3].
Como bem sabido, com a morte da pessoa natural seus bens transmitem-se, automaticamente aos seus sucessores legítimos e testamentários, nisso consiste o amplamente conhecido princípio da droit de saisine (Código Civil, artigo 1.784). Uma vez, porém, que o patrimônio do autor da herança constitui uma universalidade, torna-se necessário apurar quais são os bens que integram o espólio, a fim de definir o que passou realmente ao domínio dos sucessores.
Para esse fim, existe o procedimento especial do inventário e partilha (artigos 610 a 673 do CPC), que tem por finalidade definir os componentes do acervo hereditário e determinar quem são os herdeiros que recolherão a herança (inventário), bem como definir a parte dos bens que tocará a cada um deles (partilha)[4].
O legislador atribuiu ao inventário judicial um caráter de urgência, fixando no artigo 611 do CPC o prazo de dois meses para a sua instauração. Evidentemente este prazo não é prescricional, no entanto, se não for cumprido, poderá a fazenda pública estadual (SEF) fixar multa, relacionada com o imposto causa mortis, conforme entendimento consolidado pelo STF no enunciado de Súmula 542[5].
O enunciado apenas confirma a possibilidade dos Estados, dentro dos limites de sua competência legislativa no âmbito tributário (artigo 155, I, da Constituição), fixarem multa para inibir a inércia dos sucessores, que por não ajuizarem o procedimento de inventário, impossibilitariam a apuração e arrecadação do ITCMD.
O CPC/2015, repetindo o entendimento do CPC/73, prevê e estabelece os critérios para apuração do imposto de transmissão causa mortis. O CPC, de forma razoável e coerente, estabelece que depois de realizadas as últimas declarações do inventário, ou seja, após a descrição e pormenorização do patrimônio e da realização da avaliação dos bens componentes do acervo hereditário e antes de iniciada a fase propriamente da partilha[6], proceder-se-á ao cálculo do tributo (CPC, artigo 637).
Pelo rito procedimental previsto no CPC ao julgar o cálculo do imposto (parágrafo 2º do artigo 638, CPC), o juiz está pondo fim à primeira fase do procedimento (inventário), fixando definitivamente o quantum a ser partilhado e o valor do imposto a ser pago à Fazenda Pública.
Entretanto, em que pese a regulamentação do CPC a legislação mineira, especificamente na Lei 14.941/2003 (artigo 13) e o Decreto 43.981/2005 (artigo 26), que regulamenta o ITCD em Minas Gerais, determinam que o ITCD deve ser pago no prazo máximo de 180 dias contados da abertura da sucessão.
O não pagamento do imposto dentro do prazo previsto na legislação geraria a punição do contribuinte por meio de multa diária, que pode atingir 12% sobre o valor total do imposto (inciso I, do artigo 22 da Lei 14.941/2003). Além da multa a legislação mineira prevê também a incidência de juros de mora equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), estabelecida pelo Banco Central do Brasil (artigo 1º da Resolução 2.880/97).
A legislação mineira instituiu assim um procedimento administrativo de apuração do ITCD, realizado em meio eletrônico, o sistema Siare, que está totalmente desatrelado do procedimento de inventário judicial, possuindo forma e prazos próprios.
A desvinculação do procedimento de apuração do ITCD, a princípio, pode parecer desimportante, uma regra sem grande relevância. Entretanto, cabe realizar algumas reflexões sobre as consequências dessa aparente antinomia jurídica.
Evidentemente, nas situações em que é possível a realização do inventário extrajudicial (parágrafo 1º do artigo 610, CPC) a apuração administrativa do ITCMD se mostra o caminho mais viável. A exigência do ITCMD em relação às escrituras públicas de inventário e partilha é evidente. Para a lavratura da escritura pública de inventário e partilha exige-se não apenas a regularidade jurídica do quadro patrimonial, como descrito na Resolução 35 do CNJ, como também, obviamente, a comprovação da quitação fiscal plena, comprovada pelas CND’s e pela certidão de pagamento do ITCMD.
A grande questão que se coloca em relação ao prazo fixado pelo artigo 13 da Lei 14.941/2003 de Minas Gerais diz respeito aos procedimentos de inventário e partilha judiciais que tramitam pelo procedimento comum. Nestes casos, dificilmente conseguirão os beneficiários da sucessão cumprir com a ditame legal, isso porque em muitos casos o procedimento de inventário é o meio por meio do qual terão os herdeiros acesso as informações sobre o patrimônio.
Essa situação se mostra ainda mais problemática quando existe entre os herdeiros um litigio de natureza eminentemente patrimonial, como são os casos de sonegação (Código Civil, artigo 1.996). Observe que nestes casos os herdeiros só poderão arguir a sonegação em detrimento do inventariante após as últimas declarações, ficando evidente a impossibilidade de apuração do ITCD vez que pairam dúvidas sobre a extensão do patrimônio.
Lado outro, podem existir também controvérsias sobre quem eventualmente são os beneficiários da sucessão. Como ocorre comumente nos casos de reconhecimento de paternidade ou de união estável post mortem. Ou mesmo nos casos de ineficácia ou caducidade de disposição testamentária. Nesse aspecto, importante observar que o próprio CTN em seu artigo 35, parágrafo único, determina que existem tantos fatos geradores quanto são os herdeiros e legatários, tornando imprecisos os fatos geradores se existem dúvidas sobre quem efetivamente são os beneficiários.
Além de Minas Gerais, outros cinco Estados adotam prazos e procedimentos completamente diferentes dos estabelecidos pelo CPC, são eles: Amazonas, Acre, Mato Grosso do Sul, Piauí e Santa Catarina. Constata-se assim que existe uma aparente antinomia jurídica entre as determinações do CPC e a legislação tributária dos referidos estados.
Embora a herança seja transmitida, automaticamente no momento da abertura da sucessão (Código Civil, artigo 1.784), a exigibilidade do imposto sucessório depende da especificação do patrimônio transferido e dos sucessores, para que sejam apurados os "tantos fatos geradores distintos" a que alude o citado parágrafo único do artigo 35 do CTN.
O arcabouço do ITCMD revela, portanto, que apenas após as últimas declarações é possível identificar perfeitamente os aspectos material, pessoal e quantitativo da hipótese normativa, tornando possível a realização do lançamento pela Fazenda Pública. Fica evidente assim, que pelas características da transmissão causa mortis, não há como exigir o imposto antes do reconhecimento judicial do direito dos sucessores.
Como mecanismo de resolução desta antinomia pode-se utilizar a Súmula 114[7] do STF, que preconiza a necessidade de homologação do cálculo para que o imposto seja exigível e, consequentemente, possa incidir multa e correção.
Nesse aspecto, importante observar que o STF fixou o entendimento de que cabe ao STJ a apreciação de controvérsias atinentes à matéria infraconstitucional objeto de enunciados de súmulas editados à luz das constituições anteriores a 1988[8].
Assim, o STJ[9] já vem aplicando a Súmula 114, determinando a inexigibilidade do imposto antes de realizada a homologação judicial do cálculo no juízo sucessório.
Assim, cotejando os dispositivos do CPC com as súmulas do STF e com os julgados mais recentes do STJ, concluímos que o fisco pode imputar aos herdeiros multa pelo atraso na instauração do processo de inventário, pode fixar como base de cálculo o valor dos bens à época da avaliação, entretanto, não pode cobrar multa e correção antes de realizada o julgamento do cálculo do tributo no processo de inventário.
Pontue-se, por derradeiro, que tal matéria, em face de sua grande relevância jurídica e econômica, poderá ser submetida aos Tribunais de Justiça (dos estados indicados) para análise, nos recursos de apelação sobre o tema ou em reexame necessário, em sede de Incidente de Assunção de Competência (artigo 947 do CPC), ou de IRDR (caso presentes os requisitos do artigo 976 do CPC), para que seja proferido precedente normativo que dimensione a temática de forma correta e se evite o abuso das cobranças de multas indevidas, embasadas em legislações estaduais em desconformidade com o CPC/2015 e que atentam contra a própria realidade do procedimento de inventário e partilha.
[1] Art. 1º. A alíquota máxima do imposto de que trata a alínea a, inciso I, do art. 155 da Constituição Federal será de oito por cento, a partir de 1° de janeiro de 1992.
[2] A legislação mineira previa alíquotas progressivas, no entanto, após a edição da Lei 17.272, de 28/12/2007 o Estado passou a adotar alíquota única de 5% tanto para os casos de transmissão causa mortis quanto para os casos de doação.
[3] A redação atual do inciso I, do artigo 1º da referida Lei foi estabelecida pela Lei 20.824 de 31 de julho de 2013 que alterou o texto da lei original em alguns dispositivos.
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: volume 3: procedimentos especiais. 50. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 251.
[5] STF, Súmula 542 “Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário.”
[6] Os civilistas clássicos ao tratarem da temática reconhecem que o cálculo do imposto só pode ser efetivado após o encerramento da descrição dos bens, vez que não seria possível ou mesmo razoável proceder-se à avaliação de acervo que não se conhece integralmente. Nesse ponto destaca-se a clareza e objetividade de Itabaina de Oliveira, para quem: “encerrado o inventário, e depois de ouvidos os interessados, segue-se o processo preparatório da partilha, ordenando o juiz, por despacho, que se proceda ao cálculo para a liquidação do imposto de transmissão causa mortis, devido à Fazenda Pública, de acordo com as respectivas taxas estabelecidas em lei.” ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de direito das sucessões. 4.ed. São Paulo: Max Limonad, 1952 3v., p. 868.
[7] STF, Súmula 114: “O imposto de transmissão "causa mortis" não é exigível antes da homologação do cálculo.”
[8] "Como afirmado na decisão agravada, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que cabe ao Superior Tribunal de Justiça a apreciação de controvérsias atinentes à matéria infraconstitucional objeto de súmulas editadas à luz das constituições anteriores a 1988, como é o presente caso, no qual se discute a aplicação da Súmula n. 114 do Supremo Tribunal Federal, aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, com base na interpretação do art. 500 do Código de Processo Civil de 1939." (STF, ARE 768206-AgR, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgamento em 15.10.2013, DJe de 28.10.2013)
[9] STJ, REsp 752.808/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.5.2007, DJ 4.6.2007; STJ, AgRg no REsp 1257451/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13.9.2011; STJ, REsp 1660491/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 16/06/2017.
______________________________
Dierle Nunes é advogado, doutor em Direito Processual, professor adjunto na PUC Minas e na UFMG e sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia). Membro da Comissão de Juristas que assessorou na elaboração do CPC/2015. Diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial (Ideia).
Moisés M. Oliveira é advogado no Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia), professor de Direito das Sucessões na Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.
Fonte: Conjur