Perigo constante: vítimas de perseguições, 110 juízes vivem sob proteção em todo o País

goo.gl/16FFmY | O juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, de 50 anos, gostava de ir à praia no Rio de Janeiro para surfar. Mas há, pelo menos, 20 anos, evita frequentar lugares públicos em decorrências das ameaças de morte que recebe. Odilon de Oliveira, juiz federal que atua nas regiões de fronteira do Mato Grosso, se aposentou no ano passado, mas não pode dispensar as equipes de segurança pessoal que o acompanham 24 horas por dia.

Desde que foi vítima de um ataque no Fórum Regional do Butantã, em São Paulo, a juíza Tatiana Moreira Lima não consegue ver um homem sozinho na rua que desvia o caminho. A juíza do trabalho Tatiana Maranesi se viu obrigada a mudar a rotina nas audiências que promove em São Paulo após ser ameaçada e viver sob a proteção de escoltas.

Esses magistrados fazem parte de um grupo de juízes que vive sob proteção do Estado após ter sido vítima de violências físicas, perseguições psicológicas e planos de execução. De acordo com o último levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 110 magistrados sob ameaça. Em 97% dos casos, segundo o estudo, o desempenho profissional dos juízes tem relação com a ameaça. A pesquisa detectou também que em 65% das situações a pessoa responsável pela potencial agressão é conhecida do juiz. O levantamento permite apontar que seis em cada mil magistrados sofreram algum tipo de perseguição.

A primeira ameaça que chegou aos ouvidos de Alexandre Teixeira foi em 2005, quando assumiu como juiz titular da Vara Criminal do Fórum Regional de Bangu 1. A região em que atuava é conhecida por viver sob domínio de facções criminosas como Comando Vermelho, Amigo dos Amigos e Terceiro Comando Puro, além de grupos de milicianos.

Um dos dias mais tensos de sua trajetória foi quando, em 2013, o fórum foi invadido por 12 homens armados para resgatar dois presos. Segundo Alexandre, na ação morreram um garoto de oito anos e um segurança da escolta. Hoje, Alexandre preside o 3º Tribunal do Júri, responsável por julgar crimes contra a vida como execuções e chacinas. “Tento não pensar mas ameaças. Criei esse mecanismo para conseguir julgar.”

Apesar do estresse, me acostumei com o isolamento”
Alexandre Teixeira, juiz

Uma das últimas ameaças de que foi informado ocorreu no ano passado. “Os avisos chegam pelo setor de inteligência do Tribunal ou da Polícia Federal”, diz. “Nunca quis contabilizar, isso pode causar um desequilíbrio emocional.” Nas últimas duas décadas, Alexandre teve de abrir mão de atividades simples como frequentar praias, shoppings, praias, shows e restaurantes.

O magistrado conta com seis seguranças, além de um carro blindado para transportá-lo. “Apesar do estresse, me acostumei com o isolamento”, afirma. “As pessoas têm a ilusão de que é bom ter mais segurança, glamourizam isso, mas fico pensando ‘e se uma dessas pessoas ao meu redor morrem’. É terrível.” Ainda assim, o juiz não pensa em desistir. “Se me mudasse para outra área seria como se o crime tivesse ganho”, diz.

Ameaças no ambiente de trabalho


Além das situações de ameaças que surgem de suposto conhecidos dos magistrados, há ainda um segundo grupo de perseguições provenientes do próprio ambiente de trabalho. “Existem casos que não são notificados pelos setores de inteligência dos tribunais, são casos em que a periculosidade vem das audiências”, afirma Bruno César Lorencini, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

“Uma decisão em audiência pode despertar a reação de um sujeito violento dentro do próprio fórum. É que o que mais estamos vendo.” Segundo ele, há um fator emocional em casos de direito da família, direito previdenciário que provocam atos violentos. “As audiências viram um ringue.”

Em março de 2016, a juíza Tatiane Moreira Lima foi vítima de um ataque no Fórum Regional do Butantã, em São Paulo. Um homem, indignado com a sentença que havia recebido por ter agredido a companheira invadiu seu gabinete e ameaçou queimá-la viva com um líquido inflamável. “Eu estava encharcada, com o cabelo encharcado com o líquido. Ele tinha garrafas pets com combustível e pregos”, lembra. “Achei que aquilo iria explodir a qualquer momento. Me chocou saber que a pessoa arquitetou um plano contra mim. Foi um divisor de águas em minha carreira. Não tinha me dado conta de que poderia estar vulnerável dentro do meu local de trabalho.”

Em 2007, Tatiane também viveu momentos de tensão quando precisou ser acompanhada pela escolta do Tribunal de Justiça por cerca de três meses, após ter julgado 15 réus do Primeiro Comando da Capital (PCC). “Os seguranças não usam cinto de segurança para estar sempre preparados, andam com as mãos nas armas e estão sempre olhando para os lados.” Dois anos depois do ataque, Tatiane deixou a vara de violência doméstica pata atuar como juíza de direito de crimes contra crianças, adolescentes, idoso, deficiente e tráfico de pessoas. “Algumas situações me faziam rememorar esse episódio. Não conseguia ver um homem sozinho na rua que já desviava, não podia ouvir pessoas gritando ou barulhos de portas batendo que ficava assustada. É uma situação muito opressora.”

Também em São Paulo, a juíza do Trabalho, Tatiana Maranesi, foi perseguida em seu ambiente de trabalho em 2012. Em uma audiência trabalhista em que atuava, o autor da ação teria pedido indenização por danos morais contra uma empresa. “Ele não tinha testemunhas. Marquei o julgamento e comecei a receber ligações de um homem que dizia querer marar ‘a juíza loira’. Ele dizia: vou matá-la se ela não me der ganho de causa.” Em pouco tempo, uma das secretárias de Tatiana descobriu que o autor da ameaça era também o autor da ação contra a empresa. A partir disso, a magistrada passou um mês escoltada em seus trajetos.

Fiquei apreensiva e ia trabalhar desconfiada"
Tatiane Moreira Lima, juíza

Foram diversas ligações com a mesma ameaça. “Comecei a tomar cuidado para entrar e sair do fórum, fiquei apreensiva e ia trabalhar desconfiada”, diz. “Evitei frequentar alguns lugares, mas acredito que se tivesse filhos seria ainda pior.” Atualmente, Tatiana afirma que evita antecipar informações sobre as audiências. “A sentença sempre desagrada alguém, por isso passei a não adiantar decisões para não criar animosidade.”

Proteção 24 horas por dia


De acordo com a pesquisa do CNJ, 38 magistrados ameaçados têm escolta total. Em média, os que possuem o serviço contam com a proteção há dois anos e meio. A pesquisa apontou que 47,1% convivem com a escolta há menos de um ano e em 21% dos casos a escolta total está disponível há mais de cinco anos.

O juiz federal pernambucano Odilon de Oliveira não pode sequer revelar quantos profissionais fazem sua segurança pessoal. Com 5 anos, ele deixou a cidade de Exu no interior de Pernambuco para viver na mira dos mais poderosos traficantes do crime organizado no País. Odilon combateu por 31 anos o narcotráfico nas fronteiras Brasil, Paraguai e Bolívia. Ao longo da carreira, ele mandou prender Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, o paranaense Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca e foi ameaçado por Jorge Rafaat Toumani, apelidado de “Rei da Fronteira”.

Em 5 de outubro do ano passado, Odilon se aposentou, mas não pode dispensar o aparato de segurança pessoal. “Nada mudou nesses meses”, diz. Em 1998, foi descoberto o primeiro plano para assassiná-lo. Outros vieram na sequência. Com o histórico de ameaças, o juiz montou uma pasta preta com recortes, notificações e tudo o que chega até ele. “Em agosto de 2017, fiz um relatório de 350 laudas com base em documentos para municiar o CNJ nas investigações”, afirma. Apesar de viver sob proteção durante tantos anos, Odilon diz que é impossível não sentir os efeitos psicológicos. “Uma coisa é saber que um dia será possível recuperar a liberdade. Outra é não ter mais direito a ela.”

As equipes de segurança do juiz passam 24 horas em sua residência e se alternam a cada dia. “Eles têm um alojamento permanente em casa”, diz. “Ao longo dos anos, acabei perdendo muitos amigos por ter aberto mão da vida social. Meus filhos já cresceram. Hoje vivo só eu e minha esposa.”

Por Fabíola Perez, do R7
Fonte: noticias.r7.com
Anterior Próxima