Breves apontamentos sobre a Teoria do Desvio Produtivo - Por Bruno Barchi Muniz

goo.gl/3gMZuA | Em outros artigos já falamos sobre o problema da aplicação do dano moral em relações de consumo no âmbito do Direito Brasileiro.

Houve até um em que pedimos que a jurisprudência passasse a reconhecer expressamente o "punitive damage" americano no Direito pátrio, como modo de punir ofensores contumazes da lei.

Na verdade, há um problema de aplicação do Direito a respeito desse tema e talvez já seja possível até mesmo se falar em "fases", numa abordagem da história recente.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, uma alteração substancial das relações civis surgiu, especializando-as em consumeristas. Isso impactou em amplo reconhecimento de lesões aos direitos dos consumidores e consequente aplicação de indenizações, inclusive pela ocorrência de dano moral.

Como dito em artigos anteriores, há uma diferença da aplicação do dano moral em relações de consumo aqui em relação aos EUA, por exemplo. Lá, uma violação de direito pode ocasionar a falência de uma empresa, tão grave é a punição que recebe. Vale dizer, a punição é para exemplificar para o mercado as consequências da violação, já que a empresa infratora tenderá a desaparecer.

Não é difícil encontrar empresas aéreas americanas que desapareceram por esse motivo.

Aqui a lógica é diferente: diversas ofensas são tomadas como pequenas e não são reconhecidas conjuntamente, coletivamente, como um padrão de atuação da empresa no mercado.

O resultado são as pequenas indenizações pulverizadas por todo o país. E isso gerou dois efeitos maléficos.

O primeiro foi o das empresas que passaram a provisionar valores para indenizações, reconhecendo ser mais barato custear diversas condenações do que oferecer um bom produto ou prestar um bom serviço.

O segundo, na outra extremidade, foi a dos consumidores buscando ganhar algum dinheiro por qualquer razão, passando a demandar por motivos ridículos, que não representam, realmente, dano.

Assim, a jurisprudência começou a rumar para reconhecer em vários tipos de situação o "mero aborrecimento", não indenizável, no lugar do dano moral.

Essa visão do consumidor de processar por todo e qualquer motivo, por mais raso que seja, é, em parte, estimulado por uma postura governamental um pouco inusitada.

Podemos citar, por exemplo, normas administrativas que dizem que os bancos, em dias normais, que não sejam de pagamento, devem atender seus clientes em até 30 minutos.

Superado esse prazo, a norma dá a entender que ocorreria um dano moral presumido, um dano decorrente da própria conduta do banco, não sendo necessário que o consumidor prove ter sofrido, efetivamente, o dano.

Acontece que o Judiciário, de forma geral, não entende ser isso fato gerador de dano moral. Mas, se não há consequência para o descumprimento da norma, para que ela serve? A que se destina? Qual a sua utilidade?

Ora, uma norma que não possui coerção ou consequência pode, enfim, carecer de seu elemento essencialmente jurídico.

Houvesse o reconhecimento expresso do já mencionado "punitive damage", provavelmente teríamos um passo adiante para a solução do problema. Na verdade, se as normas fossem realmente cumpridas nesse país, coisa que pouco se cogita, problema algum nós teríamos.

Enfim, há confusão, mudança de entendimentos, abusos por todos os lados e insegurança jurídica generalizada.

Um outro tipo de situação, porém, estava ficando sem guarida no Judiciário, acobertada por um esquisito "mero aborrecimento", reconhecido, muitas vezes, por falta de uma linguagem jurídica adequada para explicar o fato.

Foi nesse ponto que a Teoria do Desvio Produtivo, já reconhecida em precedentes do STJ, inclusive, veio preencher uma importante lacuna.

De acordo com essa teoria, deve ser indenizada a pessoa pela perda de produtividade - ou de tempo, ou pelo desgaste - ocasionado pela ineficiência de certo produto ou serviço, que passa a exigir do consumidor muito mais do que medianamente se esperaria.

Posso dar um exemplo pessoal: três anos atrás precisei cancelar um serviço de telefone, TV e internet. Levei 9 dias e exatas 22 ligações - algumas que levaram horas - para conseguir efetivar o tal cancelamento.

A Teoria nos faz visualizar que há pequenas condutas maliciosas de empresas que causam graves impactos. Visam sempre evitar ou postergar o resultado que elas não querem assumir. Criam embaraços e prejuízos para buscar desistência, desânimo, enfim, para realmente vencer e submeter o consumidor.

Se fosse ao Judiciário, o consumidor poderia ter reconhecido que o caso - irritante além da conta - poderia ser "mero aborrecimento", por uma falta de sensibilidade dos julgadores, aparentemente suprida por essa Teoria.

Essa teoria ainda facilita, no meu entender, visualizar o mesmo problema para quem tem empresas. Que empresário nunca ficou recebendo cobranças indevidas em nome de sua empresa, todos os dias, em várias ligações pela manhã e à tarde?

A conduta visa esmagar o consumidor, vencê-lo pelo cansaço e tirar a sua paz.

No caso de ser uma cobrança para empresa, o reconhecimento de dano moral passava a ser ainda mais difícil, pois a irritante cobrança não causa abalo para a imagem da empresa, que seria fato gerador de dano moral. Abala apenas o proprietário ou funcionário que precisam ficar brigando incessantemente para desfazer a cobrança indevida.

Essas pessoas que perdiam dias para resolver problemas - e, ainda assim, muitas vezes não o resolviam - não eram reconhecidas como lesadas.

Evidente ser um problema muito maior, um verdadeiro atraso para a vida da pessoa que poderia estar descansando, trabalhando, se exercitando, enfim, fazendo qualquer outra coisa, mas teve que despender de um tempo desarrazoado para cuidar de um assunto que, reconheçamos, poderia ser resolvido sempre em questão de minutos.

Não se havia uma linguagem para traduzir isso do campo fático para o campo jurídico. A Teoria do Desvio Produtivo veio justamente para pavimentar essa linguagem. E chega em ótima hora.

Não será uma visão decisiva para o Direito, nem resolverá todos os problemas. Na verdade, em alguns anos creio que ela será vandalizada, como já aconteceu com o Código do Consumidor e outras criações doutrinárias e jurisprudenciais, se tornando, posteriormente, um novo problema.

Mas a sua existência e a busca pela sua melhor aplicação são uma ótima descoberta e um excelente acréscimo para o Direito.

Pela efetivação do punitive damage no direito brasileiro

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Por Bruno Barchi Muniz - Sócio advogado no escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados

Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados
Consultivo e Contencioso
O escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados atua nas áreas de Direito Tributário, Administrativo, Econômico, Consumerista, cuidando dos interesses de pessoas físicas e jurídicas.
Fonte: Jus Brasil
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