goo.gl/m5iKNq | Sobre o mais alto roupeiro do quarto de um fazendeiro da Serra, de 47 anos, repousa a espingarda comprada para defesa pessoal. A casa onde mora com a mulher foi construída em meio ao campo aberto. Distante dois quilômetros do asfalto, a propriedade raramente é patrulhada por policiais, e empresas de segurança privada não existem na região. Após a saída dos três filhos, a família entrou em consenso: precisava se armar. O pleito não foi atendido pela Polícia Federal, mas a aquisição do equipamento acabou autorizada em 2016 pelo Exército.
– Tenho a bicuda em casa para nossa segurança – assume o fazendeiro, ciente do drible que aplicou ao recorrer ao órgão militar para conseguir a licença de caçador, atividade que nunca exerceu, e adquirir arma para autodefesa.
No Exército e no Ibama, justificou que a arma seria utilizada para abater javali, animal invasor, cuja caça é permitida. Cumpriu todas as exigências e recebeu o certificado de registro, licença que autoriza os CACs, sigla para caçadores, atiradores e colecionadores, a terem o equipamento. Desde que o Estatuto do Desarmamento foi referendado, em 2005, jamais o órgão militar concedeu tantas licenças para civis terem acesso a armas de fogo como no ano passado. No Rio Grande do Sul, foram 3.787 autorizações – o dobro de 2015 e seis vezes a quantidade de 2014. E o ritmo de pedidos segue acelerado. Nos sete primeiros meses deste ano, 2.298 foram emitidos, fazendo com que 2017 já ultrapasse em quatro vezes todo o 2014.
Assim como o fazendeiro da Serra, um engenheiro de Gravataí, de 51 anos, decidiu que precisava do porte depois de um sequestro-relâmpago. Para poder carregar na cintura a pistola que legalmente tinha em casa, recorreu ao Exército.
– Estava me sentindo inseguro e fui ler o Estatuto do Desarmamento para entender. Vi que se me tornasse atirador esportivo, conseguiria a autorização para carregar a pistola comigo. Se fosse direto à Polícia Federal (PF), dependeria do entendimento do delegado – destaca.
Ele se inscreveu na Federação de Tiro, fez os exames e, com todos os requisitos exigidos pelo Exército preenchidos, conseguiu o certificado de registro para compra de uma nova arma, exclusivamente para uso esportivo.
Com o documento que lhe autorizava a posse em casa para defesa pessoal, fornecido pela Polícia Federal, e de atirador esportivo, emitido pelo Exército em 2013, fundamentou seu pedido de porte com base no próprio Estatuto do Desarmamento. Ele estima que desembolsou cerca de R$ 10 mil na compra das duas armas e nas taxas.
– Me tornei atirador esportivo para conseguir o porte de arma pela Polícia Federal. Não fiz nada ilegal – explica.
Chefe da Seção de Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3ª Região Militar do Exército, o coronel Leo Ivar Flores Júnior admite a dificuldade na fiscalização e considera real a possibilidade de algumas pessoas estarem utilizando o órgão militar como atalho para aquisição de armas.
– A gente tem tomado uma série de cuidados para não sair distribuindo armas por aí, mas claro que alguém pode retirar um CR e não usar aquela arma na caça. Não tenho como fiscalizar se ele está caçando ou não – disse o coronel, referindo-se ao caso do fazendeiro.
Após sequestro-relâmpago, engenheiro de Gravataí decidiu que precisava da posse e do porto de arma
André Ávila / Agencia RBS
O número de autorizações de porte, atribuição exclusiva da Polícia Federal, aumentou 248% entre 2014 e 2015, 16% de 2015 para 2016 e, em 22 de agosto deste ano, atingiu 79% de todo o 2016. Por meio de nota, a PF alega que segue o que determinam as leis.
Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo diz que o interesse por armas indica a sensação de insegurança da população. Neste contexto, a crise enfrentada pelo RS na área da segurança pública é decisiva.
– A relação que precisa ser feita é entre medo e busca por autoproteção. Quando não há confiança na segurança pública, quando se vê o efetivo policial diminuir, quando se percebe que o Estado não dá garantias, as pessoas buscam se proteger – analisa.
Em 2015, quando aumentou a emissão das licenças, o Estado registrava o maior número de homicídios e roubos de veículos desde 2002.
Por Marcelo Kervalt
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br
– Tenho a bicuda em casa para nossa segurança – assume o fazendeiro, ciente do drible que aplicou ao recorrer ao órgão militar para conseguir a licença de caçador, atividade que nunca exerceu, e adquirir arma para autodefesa.
No Exército e no Ibama, justificou que a arma seria utilizada para abater javali, animal invasor, cuja caça é permitida. Cumpriu todas as exigências e recebeu o certificado de registro, licença que autoriza os CACs, sigla para caçadores, atiradores e colecionadores, a terem o equipamento. Desde que o Estatuto do Desarmamento foi referendado, em 2005, jamais o órgão militar concedeu tantas licenças para civis terem acesso a armas de fogo como no ano passado. No Rio Grande do Sul, foram 3.787 autorizações – o dobro de 2015 e seis vezes a quantidade de 2014. E o ritmo de pedidos segue acelerado. Nos sete primeiros meses deste ano, 2.298 foram emitidos, fazendo com que 2017 já ultrapasse em quatro vezes todo o 2014.
Assim como o fazendeiro da Serra, um engenheiro de Gravataí, de 51 anos, decidiu que precisava do porte depois de um sequestro-relâmpago. Para poder carregar na cintura a pistola que legalmente tinha em casa, recorreu ao Exército.
– Estava me sentindo inseguro e fui ler o Estatuto do Desarmamento para entender. Vi que se me tornasse atirador esportivo, conseguiria a autorização para carregar a pistola comigo. Se fosse direto à Polícia Federal (PF), dependeria do entendimento do delegado – destaca.
Ele se inscreveu na Federação de Tiro, fez os exames e, com todos os requisitos exigidos pelo Exército preenchidos, conseguiu o certificado de registro para compra de uma nova arma, exclusivamente para uso esportivo.
"Não tenho como fiscalizar", afirma oficial do Exército
Com o documento que lhe autorizava a posse em casa para defesa pessoal, fornecido pela Polícia Federal, e de atirador esportivo, emitido pelo Exército em 2013, fundamentou seu pedido de porte com base no próprio Estatuto do Desarmamento. Ele estima que desembolsou cerca de R$ 10 mil na compra das duas armas e nas taxas.
– Me tornei atirador esportivo para conseguir o porte de arma pela Polícia Federal. Não fiz nada ilegal – explica.
Chefe da Seção de Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados da 3ª Região Militar do Exército, o coronel Leo Ivar Flores Júnior admite a dificuldade na fiscalização e considera real a possibilidade de algumas pessoas estarem utilizando o órgão militar como atalho para aquisição de armas.
– A gente tem tomado uma série de cuidados para não sair distribuindo armas por aí, mas claro que alguém pode retirar um CR e não usar aquela arma na caça. Não tenho como fiscalizar se ele está caçando ou não – disse o coronel, referindo-se ao caso do fazendeiro.
Após sequestro-relâmpago, engenheiro de Gravataí decidiu que precisava da posse e do porto de arma
André Ávila / Agencia RBS
O número de autorizações de porte, atribuição exclusiva da Polícia Federal, aumentou 248% entre 2014 e 2015, 16% de 2015 para 2016 e, em 22 de agosto deste ano, atingiu 79% de todo o 2016. Por meio de nota, a PF alega que segue o que determinam as leis.
Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo diz que o interesse por armas indica a sensação de insegurança da população. Neste contexto, a crise enfrentada pelo RS na área da segurança pública é decisiva.
– A relação que precisa ser feita é entre medo e busca por autoproteção. Quando não há confiança na segurança pública, quando se vê o efetivo policial diminuir, quando se percebe que o Estado não dá garantias, as pessoas buscam se proteger – analisa.
Em 2015, quando aumentou a emissão das licenças, o Estado registrava o maior número de homicídios e roubos de veículos desde 2002.
Por Marcelo Kervalt
Fonte: gauchazh.clicrbs.com.br