goo.gl/1XrFQ2 | 1. INTRODUÇÃO
No estudo pormenorizado dos institutos que compõem o livro de Tutelas Provisórias no Código de Processo Civil, nos artigos 294 a 311, verifica-se a maior e mais relevante novidade, que é a estabilização da tutela antecipada, especificamente quando requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC.
Por sua vez, as tutelas provisórias, gênero em que a tutela antecipada compõe como espécie, são tutelas jurisdicionais não definitivas, fundadas em cognição sumária (isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza)[1].
Assim, merece atenção o fato de a tutela antecipada ser a única, das três diferentes espécies de tutela provisória a ser contemplada com a fórmula legal de estabilização, conforme consagra o art. 304 do CPC. Isso significa, portanto, de acordo com a literalidade da norma, que a regra da estabilização não é aplicável à tutela cautelar e à tutela de evidência. Ainda, interpreta-se o art. 304, quando faz menção à tutela antecipada concedida nos termos do art. 303, no sentido de que também estaria excluída da estabilização a tutela antecipada concedida incidentalmente[2].
Nesse linear, pode-se concluir que o legislador incluiu no Código de Processo Civil vigente o instituto da estabilização para ser aplicado tão somente em hipóteses de concessão de tutelas antecipadas de caráter antecedente, na forma exata do art. 303 do CPC.
A esse respeito, a exclusão das tutelas cautelares se justifica porque não teria qualquer sentido lógico ou jurídico a estabilização de uma tutela acessória meramente conservativa[3]. Afinal, com a concessão da medida cautelar o direito da parte não estará satisfeito, não havendo sentido falar-se em sua estabilização.
Ademais, há ainda a controvérsia a respeito da possibilidade de concessão de tutela de evidência em caráter antecedente, que a exemplo da tutela antecipada tem natureza satisfativa. Nesse caso, segundo a melhor doutrina, o legislador parece ter dito menos do que deveria, porque as mesmas razões que o levaram a criar a estabilização da tutela antecipada indiscutivelmente aplicam-se à tutela de evidência[4].
Há também corrente doutrinária em sentido contrário, ou seja, apesar de reconhecer que tanto na tutela antecipada como na tutela da evidência tem-se identidade de objetivos, sendo possível a tutela do direito da parte em ambas, rejeita a interpretação extensiva por entender que nesse caso o réu não poderá ser surpreendido com uma estabilização não prevista expressamente em lei em razão de ausência de recurso contra a decisão concessiva de tutela de evidência[5].
Pois bem. Tecidas essas considerações, para o melhor entendimento acerca do instituto da estabilização, faz-se necessário uma exegese acerca da procedimentalidade da tutela antecipada antecedente, de acordo com disposições constantes no art. 303 do CPC.
2. DA PROCEDIMENTALIDADE DA TUTELA ANTECIPADA DE CARÁTER ANTECEDENTE (ART. 303, CPC)
Inicialmente, destaca-se que a tutela de urgência pode ser requerida em caráter incidental ou antecedente (art. 294, parágrafo único CPC). O requerimento incidental não se submete a qualquer formalidade, podendo ser deduzido na própria petição inicial ou em qualquer outra petição que venha a ser apresentada nos autos. O requerimento de tutela de urgência antecedente, porém, se submete a normas específicas, já que formulado em um momento anterior àquele em que se deduz a demanda principal. Exatamente por isso há, no CPC, disposições específicas a respeito do procedimento a ser observado quando se pretenda requerer tutela de urgência em caráter antecedente.
Nessa toada, a tutela antecipada antecedente poderá ser requerida quando houver uma urgência contemporânea (urgência extrema) à propositura da própria ação. Assim, a petição inicial será limitada tão somente aos argumentos para a concessão da tutela antecipada.
Deverá, nesse caso, conter na petição inicial a exposição do direito do autor e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (art. 303, CPC), além do valor da causa (art. 303, § 4º, CPC).
A referida previsão será muito útil em casos que a necessidade de se propor a demanda surge fora do horário normal do expediente forense, em que a petição inicial deverá ser elaborada às pressas para ser examinada por juiz plantonista.
Imagine-se, por exemplo, o caso de alguém que, passando mal durante a madrugada, precisa ser submetido a uma cirurgia de emergência e, por qualquer razão, a operadora de seu plano de saúde não autoriza a intervenção. Não seria coerente, nesse caso específico, exigir do demandante (e de seu advogado), tratando-se de medida de extrema urgência e que envolve caso de vida ou morte, a edição de uma petição inicial perfeita e que preencha todos os requisitos formais impostos pela lei. É essencial e fundamental que a lei processual admita, em casos assim, uma petição inicial simplificada, “incompleta”, mas que se revele suficiente para permitir a apreciação do requerimento de tutela de urgência satisfativa.
Veja-se que, com a finalidade de se evitar confusão entre o caso em que a petição inicial é incompleta por conta da extrema urgência e aquele em que a petição inicial é simplesmente mal feita, que a lei processual exige que o demandante afirme expressamente que está se valendo do benefício que lhe é assegurado pelo art. 303 (art. 303, § 5º, CPC).
Concedida a tutela antecipada, o autor deverá aditar a petição inicial, complementando sua argumentação, juntando novos documentos e confirmando o pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar, nos termos do que determina o art. 303, § 1º, I, CPC.
O referido aditamento será feito nos mesmos autos, não se podendo exigir do demandante o recolhimento de novas custas processuais (art. 303, § 3º, CPC). Não sendo feito o aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 2º, CPC).
Aditada a petição inicial, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação e, não havendo acordo, correrá o prazo para oferecimento de contestação (art. 303, § 1º, II e III, CPC).
Por último, para o caso de não estarem presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência satisfativa, esta será indeferida, caso em que a petição inicial deverá ser emendada no prazo de cinco dias, sob pena de seu indeferimento e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, § 6º, CPC).
3. DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE
O dispositivo seguinte (art. 304, CPC) trata sobre as normas referente à estabilização da tutela antecipada, objeto do presente estudo. Aduz a norma que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”.
Para o referido caso, por se tratar de decisão que aprecia pedido de tutela provisória, caberia o recurso de agravo de instrumento, previsto no art. 1.015, I, do CPC. No caso de não interposição do referido recurso, torna-se estável a decisão que concedeu a tutela antecipada e o processo será extinto sem resolução de mérito. Observe que para isso é necessário também que o demandante não tenha aditado a petição inicial, razão pela qual, se o fez na forma do art. 303, § 1º, I, CPC, o processo terá continuidade até análise de mérito em cognição exauriente, capaz de gerar coisa julgada material, não podendo se falar em estabilização da decisão, mas sim a sua confirmação em definitiva ou simplesmente a sua revogação.
Frise-se que o recurso interposto por assistente simples do réu também impede a estabilização da tutela antecipada, salvo se o réu expressamente se manifestar no sentido de que prefere a estabilização (FPPC, enunciado 501).
Conforme visto, tanto a vontade do autor como do réu são capazes de, isoladamente, afastar a aplicação do art. 304 do CPC. Ao autor basta manifestação expressa nesse sentido e ao réu basta se insurgir contra a decisão concessiva de tutela antecipada. Se a vontade unilateral das partes já é suficiente para afastar a estabilização da tutela antecipada, com maior razão o acordo de vontade das partes, nos termos do art. 190 do CPC[6].
Como visto, nos termos do art. 304, § 1º, do CPC, preenchidos os requisitos para a estabilização da tutela antecipada o processo será extinto. Note-se, entretanto, que a decisão que concede a tutela antecipada não se confunde com a sentença que, depois dela, extingue o processo. Se a primeira é indubitavelmente uma decisão de mérito, a segunda certamente não o é, já que não acolhe ou rejeita qualquer pedido do autor, limitando-se a extinguir o processo. A sentença nesse caso é terminativa, devendo ser fundada no art. 485, X, do CPC.
A decisão que concede a tutela antecipada não fará coisa julgada, nos termos do art. 304, § 6º, do CPC, ainda que seus efeitos sejam estabilizados em razão da postura omissiva do réu. Tal dispositivo é elogiado pela melhor doutrina, uma vez que não se pode ter coisa julgada daquilo que não foi julgado, ou seja, não parece ter muito sentido lógico se conferir a imutabilidade e indiscutibilidade próprias da coisa julgada material a uma decisão proferida mediante cognição sumária. Segundo o Professor Daniel Amorim Assumpção Nevez, “a certeza se torna imutável e indiscutível, a probabilidade não”.
Não havendo formação de coisa julgada, não se admite, em hipótese alguma, a “ação rescisória” como mecanismo de impugnação da decisão que tenha declarado estabilizada a tutela antecipada (FPPC, enunciado 33).
Uma vez estabilizada a tutela satisfativa de urgência, será possível a qualquer das partes ajuizar, em face da outra, demanda com o fim de obter a revisão, reforma ou invalidação da decisão concessiva da tutela antecipada estável (art. 304, § 2º, CPC). Só no caso de vir a ser proposta esta demanda é que será possível a revogação dos efeitos da tutela antecipada estável, devendo este novo processo tramitar perante o mesmo juízo em que se desenvolveu o processo no qual fora deferida a tutela antecipada que se estabilizou (art. 304, § 4º, parte final, CPC), o qual terá competência funcional para conhecer da demanda de desconstituição da tutela antecipada estável.
Ressalte-se, que o direito à desconstituição da tutela antecipada estável se sujeita a um prazo decadencial de dois anos, devendo o prazo ser contado a partir da ciência da decisão que extinguiu o processo no qual foi deferida a tutela antecipada que se tenha estabilizado (art. 304, § 5º, CPC). Trata-se de prazo decadencial, o que atrai toda a regulamentação da decadência prevista no Código Civil.
4. CONCLUSÃO
A estabilização da tutela antecipada é um importante e novo instituto incluído no livro que trata das tutelas provisórias. Com o pouco tempo de vigência dos dispositivos, é óbvio que não há ainda, na prática forense, uma utilização potencializada da tutela antecipada antecedente e a sua estabilização.
Tal instituto, porém, poderá promover economia processual em diversas situações, no caso de somente a estabilização bastar para garantir a pretensão do autor e sem o interesse de insurgência por parte do réu, razão em que o processo se finaliza com a prestação jurisdicional na medida dos limites dos direitos das partes, estabilizando-se os efeitos da decisão fundada em cognição sumária, de mera probabilidade.
Em síntese: (a) se o autor emendar a inicial e o réu agravar, não haverá estabilização, e o processo seguirá regularmente; (b) se o autor emendar a inicial e o réu não agravar, o juiz deverá inquirir o autor sobre sua intenção de ver o processo prosseguir em direção a uma sentença de mérito, apta a alcançar a coisa julgada (o que impede a estabilização da tutela antecipada), ou, se o autor prefere desistir da ação, caso em que haverá estabilização e o processo será extinto sem resolução do mérito; (c) se o autor não emendar a inicial, ainda assim o réu poderá agravar, com o único intuito de impedir a estabilização, a qual não acontecerá, restando extinto o processo e revogada a tutela antecipada, não sendo julgado o mérito do recurso, que estará prejudicado; (d) se o autor não emendar a petição inicial e o réu não agravar ocorrerá a estabilização e o processo será extinto sem resolução do mérito, devendo o juízo declarar estabilizada a tutela antecipada.
Extinto o processo e não ocorrendo a estabilização da tutela antecipada, será possível a liquidação para fins de responsabilidade civil do requerente da medida, apurando-se os danos indevidamente suportados pelo demandado (FPPC, enunciado 499).
Também é aplicável o regime da estabilização da tutela antecipada aos alimentos provisórios (previstos no art. 4º, da Lei n. 5.478/1968), conforme enunciado 500 do FPPC.
Registre-se, por fim, que é perfeitamente admissível a estabilização da tutela antecipada deferida contra a Fazenda Pública (FPPC, enunciado 582). Assim, deferida tutela antecipada em face da Fazenda Pública, pode não haver interesse de qualquer das artes no prosseguimento do processo, sendo a tutela antecipada suficiente para resolver o problema prático que a parte autora busca solucionar, não tendo o Poder Público qualquer razão para prosseguir com uma discussão que provavelmente não lhe traria qualquer proveito. Portanto, é perfeitamente possível a estabilização contra a Fazenda Pública.
REFERÊNCIAS
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 13 ed. São Paulo: RT, 2010.
ASSUPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manuel de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 17 jul. 2018.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018.
_____. Relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 17 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 4 ed. São Paulo: RT, 2010.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de Mello. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 159.
[2] ASSUPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manuel de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 521.
[3] THEODORO JR., Curso, vol. I, n. 458, p. 623; MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Comentários, p. 316
[4] WAMBIER – CONCEIÇÃO – RIBEIRO – MELLO, Primeiras, p. 512.
[5] GAJARDONI, Teoria, p. 898.
[6] Enunciado 32 do FPPC: “Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência antecedente”.
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Antonio Átila Silva da Cruz
Servidor público na Universidade Federal do Estado do Acre, graduado em Gestão Pública, graduando em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental, Pós-graduado em Governança Pública e Gestão Administrativa, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.
Fonte: Jus Brasil
No estudo pormenorizado dos institutos que compõem o livro de Tutelas Provisórias no Código de Processo Civil, nos artigos 294 a 311, verifica-se a maior e mais relevante novidade, que é a estabilização da tutela antecipada, especificamente quando requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC.
Por sua vez, as tutelas provisórias, gênero em que a tutela antecipada compõe como espécie, são tutelas jurisdicionais não definitivas, fundadas em cognição sumária (isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza)[1].
Assim, merece atenção o fato de a tutela antecipada ser a única, das três diferentes espécies de tutela provisória a ser contemplada com a fórmula legal de estabilização, conforme consagra o art. 304 do CPC. Isso significa, portanto, de acordo com a literalidade da norma, que a regra da estabilização não é aplicável à tutela cautelar e à tutela de evidência. Ainda, interpreta-se o art. 304, quando faz menção à tutela antecipada concedida nos termos do art. 303, no sentido de que também estaria excluída da estabilização a tutela antecipada concedida incidentalmente[2].
Nesse linear, pode-se concluir que o legislador incluiu no Código de Processo Civil vigente o instituto da estabilização para ser aplicado tão somente em hipóteses de concessão de tutelas antecipadas de caráter antecedente, na forma exata do art. 303 do CPC.
A esse respeito, a exclusão das tutelas cautelares se justifica porque não teria qualquer sentido lógico ou jurídico a estabilização de uma tutela acessória meramente conservativa[3]. Afinal, com a concessão da medida cautelar o direito da parte não estará satisfeito, não havendo sentido falar-se em sua estabilização.
Ademais, há ainda a controvérsia a respeito da possibilidade de concessão de tutela de evidência em caráter antecedente, que a exemplo da tutela antecipada tem natureza satisfativa. Nesse caso, segundo a melhor doutrina, o legislador parece ter dito menos do que deveria, porque as mesmas razões que o levaram a criar a estabilização da tutela antecipada indiscutivelmente aplicam-se à tutela de evidência[4].
Há também corrente doutrinária em sentido contrário, ou seja, apesar de reconhecer que tanto na tutela antecipada como na tutela da evidência tem-se identidade de objetivos, sendo possível a tutela do direito da parte em ambas, rejeita a interpretação extensiva por entender que nesse caso o réu não poderá ser surpreendido com uma estabilização não prevista expressamente em lei em razão de ausência de recurso contra a decisão concessiva de tutela de evidência[5].
Pois bem. Tecidas essas considerações, para o melhor entendimento acerca do instituto da estabilização, faz-se necessário uma exegese acerca da procedimentalidade da tutela antecipada antecedente, de acordo com disposições constantes no art. 303 do CPC.
2. DA PROCEDIMENTALIDADE DA TUTELA ANTECIPADA DE CARÁTER ANTECEDENTE (ART. 303, CPC)
Inicialmente, destaca-se que a tutela de urgência pode ser requerida em caráter incidental ou antecedente (art. 294, parágrafo único CPC). O requerimento incidental não se submete a qualquer formalidade, podendo ser deduzido na própria petição inicial ou em qualquer outra petição que venha a ser apresentada nos autos. O requerimento de tutela de urgência antecedente, porém, se submete a normas específicas, já que formulado em um momento anterior àquele em que se deduz a demanda principal. Exatamente por isso há, no CPC, disposições específicas a respeito do procedimento a ser observado quando se pretenda requerer tutela de urgência em caráter antecedente.
Nessa toada, a tutela antecipada antecedente poderá ser requerida quando houver uma urgência contemporânea (urgência extrema) à propositura da própria ação. Assim, a petição inicial será limitada tão somente aos argumentos para a concessão da tutela antecipada.
Deverá, nesse caso, conter na petição inicial a exposição do direito do autor e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo (art. 303, CPC), além do valor da causa (art. 303, § 4º, CPC).
A referida previsão será muito útil em casos que a necessidade de se propor a demanda surge fora do horário normal do expediente forense, em que a petição inicial deverá ser elaborada às pressas para ser examinada por juiz plantonista.
Imagine-se, por exemplo, o caso de alguém que, passando mal durante a madrugada, precisa ser submetido a uma cirurgia de emergência e, por qualquer razão, a operadora de seu plano de saúde não autoriza a intervenção. Não seria coerente, nesse caso específico, exigir do demandante (e de seu advogado), tratando-se de medida de extrema urgência e que envolve caso de vida ou morte, a edição de uma petição inicial perfeita e que preencha todos os requisitos formais impostos pela lei. É essencial e fundamental que a lei processual admita, em casos assim, uma petição inicial simplificada, “incompleta”, mas que se revele suficiente para permitir a apreciação do requerimento de tutela de urgência satisfativa.
Veja-se que, com a finalidade de se evitar confusão entre o caso em que a petição inicial é incompleta por conta da extrema urgência e aquele em que a petição inicial é simplesmente mal feita, que a lei processual exige que o demandante afirme expressamente que está se valendo do benefício que lhe é assegurado pelo art. 303 (art. 303, § 5º, CPC).
Concedida a tutela antecipada, o autor deverá aditar a petição inicial, complementando sua argumentação, juntando novos documentos e confirmando o pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar, nos termos do que determina o art. 303, § 1º, I, CPC.
O referido aditamento será feito nos mesmos autos, não se podendo exigir do demandante o recolhimento de novas custas processuais (art. 303, § 3º, CPC). Não sendo feito o aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito (art. 303, § 2º, CPC).
Aditada a petição inicial, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação e, não havendo acordo, correrá o prazo para oferecimento de contestação (art. 303, § 1º, II e III, CPC).
Por último, para o caso de não estarem presentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência satisfativa, esta será indeferida, caso em que a petição inicial deverá ser emendada no prazo de cinco dias, sob pena de seu indeferimento e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, § 6º, CPC).
3. DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE
O dispositivo seguinte (art. 304, CPC) trata sobre as normas referente à estabilização da tutela antecipada, objeto do presente estudo. Aduz a norma que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”.
Para o referido caso, por se tratar de decisão que aprecia pedido de tutela provisória, caberia o recurso de agravo de instrumento, previsto no art. 1.015, I, do CPC. No caso de não interposição do referido recurso, torna-se estável a decisão que concedeu a tutela antecipada e o processo será extinto sem resolução de mérito. Observe que para isso é necessário também que o demandante não tenha aditado a petição inicial, razão pela qual, se o fez na forma do art. 303, § 1º, I, CPC, o processo terá continuidade até análise de mérito em cognição exauriente, capaz de gerar coisa julgada material, não podendo se falar em estabilização da decisão, mas sim a sua confirmação em definitiva ou simplesmente a sua revogação.
Frise-se que o recurso interposto por assistente simples do réu também impede a estabilização da tutela antecipada, salvo se o réu expressamente se manifestar no sentido de que prefere a estabilização (FPPC, enunciado 501).
Conforme visto, tanto a vontade do autor como do réu são capazes de, isoladamente, afastar a aplicação do art. 304 do CPC. Ao autor basta manifestação expressa nesse sentido e ao réu basta se insurgir contra a decisão concessiva de tutela antecipada. Se a vontade unilateral das partes já é suficiente para afastar a estabilização da tutela antecipada, com maior razão o acordo de vontade das partes, nos termos do art. 190 do CPC[6].
Como visto, nos termos do art. 304, § 1º, do CPC, preenchidos os requisitos para a estabilização da tutela antecipada o processo será extinto. Note-se, entretanto, que a decisão que concede a tutela antecipada não se confunde com a sentença que, depois dela, extingue o processo. Se a primeira é indubitavelmente uma decisão de mérito, a segunda certamente não o é, já que não acolhe ou rejeita qualquer pedido do autor, limitando-se a extinguir o processo. A sentença nesse caso é terminativa, devendo ser fundada no art. 485, X, do CPC.
A decisão que concede a tutela antecipada não fará coisa julgada, nos termos do art. 304, § 6º, do CPC, ainda que seus efeitos sejam estabilizados em razão da postura omissiva do réu. Tal dispositivo é elogiado pela melhor doutrina, uma vez que não se pode ter coisa julgada daquilo que não foi julgado, ou seja, não parece ter muito sentido lógico se conferir a imutabilidade e indiscutibilidade próprias da coisa julgada material a uma decisão proferida mediante cognição sumária. Segundo o Professor Daniel Amorim Assumpção Nevez, “a certeza se torna imutável e indiscutível, a probabilidade não”.
Não havendo formação de coisa julgada, não se admite, em hipótese alguma, a “ação rescisória” como mecanismo de impugnação da decisão que tenha declarado estabilizada a tutela antecipada (FPPC, enunciado 33).
Uma vez estabilizada a tutela satisfativa de urgência, será possível a qualquer das partes ajuizar, em face da outra, demanda com o fim de obter a revisão, reforma ou invalidação da decisão concessiva da tutela antecipada estável (art. 304, § 2º, CPC). Só no caso de vir a ser proposta esta demanda é que será possível a revogação dos efeitos da tutela antecipada estável, devendo este novo processo tramitar perante o mesmo juízo em que se desenvolveu o processo no qual fora deferida a tutela antecipada que se estabilizou (art. 304, § 4º, parte final, CPC), o qual terá competência funcional para conhecer da demanda de desconstituição da tutela antecipada estável.
Ressalte-se, que o direito à desconstituição da tutela antecipada estável se sujeita a um prazo decadencial de dois anos, devendo o prazo ser contado a partir da ciência da decisão que extinguiu o processo no qual foi deferida a tutela antecipada que se tenha estabilizado (art. 304, § 5º, CPC). Trata-se de prazo decadencial, o que atrai toda a regulamentação da decadência prevista no Código Civil.
4. CONCLUSÃO
A estabilização da tutela antecipada é um importante e novo instituto incluído no livro que trata das tutelas provisórias. Com o pouco tempo de vigência dos dispositivos, é óbvio que não há ainda, na prática forense, uma utilização potencializada da tutela antecipada antecedente e a sua estabilização.
Tal instituto, porém, poderá promover economia processual em diversas situações, no caso de somente a estabilização bastar para garantir a pretensão do autor e sem o interesse de insurgência por parte do réu, razão em que o processo se finaliza com a prestação jurisdicional na medida dos limites dos direitos das partes, estabilizando-se os efeitos da decisão fundada em cognição sumária, de mera probabilidade.
Em síntese: (a) se o autor emendar a inicial e o réu agravar, não haverá estabilização, e o processo seguirá regularmente; (b) se o autor emendar a inicial e o réu não agravar, o juiz deverá inquirir o autor sobre sua intenção de ver o processo prosseguir em direção a uma sentença de mérito, apta a alcançar a coisa julgada (o que impede a estabilização da tutela antecipada), ou, se o autor prefere desistir da ação, caso em que haverá estabilização e o processo será extinto sem resolução do mérito; (c) se o autor não emendar a inicial, ainda assim o réu poderá agravar, com o único intuito de impedir a estabilização, a qual não acontecerá, restando extinto o processo e revogada a tutela antecipada, não sendo julgado o mérito do recurso, que estará prejudicado; (d) se o autor não emendar a petição inicial e o réu não agravar ocorrerá a estabilização e o processo será extinto sem resolução do mérito, devendo o juízo declarar estabilizada a tutela antecipada.
Extinto o processo e não ocorrendo a estabilização da tutela antecipada, será possível a liquidação para fins de responsabilidade civil do requerente da medida, apurando-se os danos indevidamente suportados pelo demandado (FPPC, enunciado 499).
Também é aplicável o regime da estabilização da tutela antecipada aos alimentos provisórios (previstos no art. 4º, da Lei n. 5.478/1968), conforme enunciado 500 do FPPC.
Registre-se, por fim, que é perfeitamente admissível a estabilização da tutela antecipada deferida contra a Fazenda Pública (FPPC, enunciado 582). Assim, deferida tutela antecipada em face da Fazenda Pública, pode não haver interesse de qualquer das artes no prosseguimento do processo, sendo a tutela antecipada suficiente para resolver o problema prático que a parte autora busca solucionar, não tendo o Poder Público qualquer razão para prosseguir com uma discussão que provavelmente não lhe traria qualquer proveito. Portanto, é perfeitamente possível a estabilização contra a Fazenda Pública.
REFERÊNCIAS
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 13 ed. São Paulo: RT, 2010.
ASSUPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manuel de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 17 jul. 2018.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018.
_____. Relativização da coisa julgada material. In: DIDIER JR., Fredie (org.). Enfoque crítico. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2006.
DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 17 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 4 ed. São Paulo: RT, 2010.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de Mello. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
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[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 159.
[2] ASSUPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manuel de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 521.
[3] THEODORO JR., Curso, vol. I, n. 458, p. 623; MARINONI-ARENHART-MITIDIERO, Comentários, p. 316
[4] WAMBIER – CONCEIÇÃO – RIBEIRO – MELLO, Primeiras, p. 512.
[5] GAJARDONI, Teoria, p. 898.
[6] Enunciado 32 do FPPC: “Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência antecedente”.
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Antonio Átila Silva da Cruz
Servidor público na Universidade Federal do Estado do Acre, graduado em Gestão Pública, graduando em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental, Pós-graduado em Governança Pública e Gestão Administrativa, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes.
Fonte: Jus Brasil