A oitiva de testemunha precedida da leitura do depoimento prestado na Delegacia

goo.gl/95TPCr | Não é raro nos deparamos com audiência de instrução e julgamento em que se busca a oitiva de testemunha de acusação que não se recorda do fato descrito na exordial acusatória (isso ocorre frequentemente com policiais militares, já que atendem dezenas de ocorrências diariamente).

Muitas vezes isso se dá em razão da morosidade na tramitação dos processos, já que muitos casos demoram anos para terem uma decisão definitiva por diferentes motivos: vítimas não localizadas, testemunhas que mudam endereço, dificuldade na localização do réu, extensa pauta de audiência de Magistrados.

Enfim, poderíamos nos dedicar a um artigo completo sobre as centenas de causas que fazem com que as instruções criminais venham a perdurar por longos anos. Mas o que buscamos aqui é: como produzir a prova sem que a testemunha se recorde do fato?

O Ministério Público, na extensa maioria dos casos, busca a leitura do depoimento da testemunha na fase inquisitorial, questionando se aquela reconhece a sua assinatura e ratifica a declaração anteriormente prestada. Mas será que isso basta para que a prova seja reconhecida como judicializada?

Diariamente circulam nas dependências do Poder Judiciário, funcionários da segurança pública e privada que presenciaram durante o exercício de sua atividade profissional dezenas, centenas, milhares de delitos em infinitas circunstâncias e locais. Os delitos se repetem.

Vejamos um exemplo. Funcionário que exerce a segurança de estabelecimento comercial como Mercados e Farmácias. Quantas vezes ocorrem delitos como a subtração de alimentos, produtos de higiene?

Seria essa testemunha capaz de individualizar o fato discutido no processo específico em que foi designada audiência e requerido a sua oitiva? Poderia efetivar o reconhecimento sem sombra de dúvidas do indivíduo que é acusado como quem, de fato, praticou o delito?

O artigo 155 do CPP reza que o Juiz não poderá fundamentar a sua decisão tão somente nos elementos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Pois bem, o mero reconhecimento e ratificação do depoimento prestado na Delegacia poderia ser reconhecido como prova produzida em contraditório judicial?

Com base na interpretação do dispositivo mencionado, entendemos que a leitura do depoimento de peças investigatórias em Juízo não pode ser tida como prova, tendo em vista que na etapa de investigação inexistiu contraditório, bem como não é abarcada pelas exceções previstas pelo legislador.

Então, como a Defesa deve agir? O entendimento do Supremo Tribunal Federal que também vem sendo utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça é que se trata de mera nulidade relativa.

Neste sentido, inclusive, colaciona-se trecho de decisão do STF acerca da temática:
(…) Ademais, não se pode olvidar a finalidade buscada no âmbito do processo penal, isto é, a verdade real, sendo certo que a leitura das declarações prestadas na etapa extrajudicial, permitem que a testemunha possa se lembrar do ocorrido e dizer, com toda fidelidade e firmeza, o que realmente sabe sobre os fatos. Outrossim, é importante ressaltar que o magistrado, ao examinar o mérito, apreciará as provas como um todo, amparando-se, inclusive, nos elementos coligidos durante a etapa de inquérito. É nesse contexto que exsurge a necessidade de que seja estabelecida uma sintonia entre as declarações prestadas na fase de inquérito e na etapa judicial, de modo a atribuir maior idoneidade à prova oral, possibilitando, assim, que o magistrado as utilize na formação do seu convencimento. (…) (RHC 124919, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 01/07/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 04/08/2015 PUBLIC 05/08/2015)
A reflexão que fazemos é: alguma testemunha, que sequer recorda-se do fato que ensejou a sua oitiva em audiência, negaria algum ponto de seu depoimento na fase policial? Deixaria de reconhecer a sua assinatura? Prestaria esclarecimentos em sentido contrário àquele? E, assim, não resta evidenciado que há um prejuízo intrínseco ao réu nesse modo de produção de prova?

O Promotor de Justiça que faz a leitura da peça já sabe de antemão que aquela versão dos fatos coaduna com a acusação que vem sendo feita, buscando naquele momento, naquele depoimento que deve durar não mais que um minuto, a ratificação da versão prestada anteriormente.

Com isso, poderá aduzir que a prova judicializada corrobora com a prova produzida durante o inquérito policial, sendo medida impositiva a condenação do acusado nos termos da denúncia.

Portanto, devemos refletir sobre como sanar esse grave problema que assola muitos processos criminais que vêm tramitando. O devido processo legal contribui com a observância de outras previsões em lei que jamais poderiam ser afrontadas ao longo do feito, como a necessidade de prova judicial produzida com o crivo do contraditório que é inexistente na fase policial.

Assim, o que a Defesa deseja, de fato, é a produção de prova e decisões judiciais com base no que está estritamente descrito na lei. Ou seja, processos céleres que possibilitem a oitiva de pessoas que possam esclarecer o que recordam do fato com precisão e não apenas a ratificação de depoimentos prestados há anos que não poderiam ser confirmados como prova judicializada, é o que deve ocorrer.

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Bruna Lima
Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Advogada.
Victória Maia
Advogada criminalista atuante no Tribunal do Júri
Fonte: Canal Ciências Criminais
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