goo.gl/bwhBqg | Quando uma pessoa se casa com mais de 70 anos de idade, entre outras hipóteses, a lei impõe o regime da separação obrigatória ou legal de bens.
Desde o início da década passada defendo a tese de que nesse regime, em que a lei é protetiva, devem ser efetivamente separados os bens de um e de outro. A exceção à incomunicabilidade de bens deve resultar da prova da sociedade de fato, ou seja, da prova de que o cônjuge ajudou com capital ou trabalho na aquisição de bens que ficam em nome do outro cônjuge.
Explico. Diante de Súmula do Supremo Tribunal Federal dos idos de 1964, segundo a qual no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento (Súmula 377), sem a atenta leitura dos seus precedentes, que são os julgados proferidos antes da edição da súmula, entendeu-se por muitos anos que se comunicavam entre os cônjuges os bens adquiridos onerosamente durante o casamento, com presunção do esforço comum, ou seja, os bens comprados pelo marido se comunicavam à mulher e a recíproca também se aplicava.
No entanto, não fazia qualquer sentido aplicar, no regime imposto pela lei da separação obrigatória ou legal, o regime da comunhão parcial de bens, porque é neste último que os bens comprados por um dos cônjuges se comunicam ao outro cônjuge. É no regime de comunhão parcial de bens, e não no regime da separação obrigatória ou legal, que ocorre uma presunção do esforço comum do casal para construir um patrimônio, mesmo que este esteja em nome de um só dos cônjuges.
Assim, em 2004 publiquei artigo intitulado Regime da separação de bens convencional e obrigatória, no livro Questões Controvertidas no novo Código Civil (Grandes Temas de Direito Privado – vol. 2, Editora Método: São Paulo). Na ocasião, já alertava que a interpretação da Súmula 377/STJ deveria ser realizada com base nos seus precedentes, em que não se aplicava pura e simplesmente o regime da comunhão parcial em casamentos contraídos pelo regime da separação obrigatória.
Diante de releitura dessa antiga súmula, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualmente sobressai a melhor interpretação que essa súmula poderia ter: comprovada a sociedade de fato, pelo esforço comum, representado por capital ou por trabalho na constituição do patrimônio, cabe sua partilha em casamento que tenha sido celebrado pelo regime da separação obrigatória.
E esse foi o entendimento adotado em recente julgado do STJ, de Relatoria do Ministro Lázaro Guimarães (Resp nº 1.623.858 – MG, j. 23/05/2018), bem como vem sendo adotado em outros acórdãos proferidos por essa Corte Superior.
O caso versava sobre direito à meação do cônjuge sobrevivente, casado pelo regime de separação obrigatória de bens. Diante de sua controvérsia central, que versava sobre a necessidade ou não de comprovação do esforço comum do casal nas aquisições patrimoniais, o STJ decidiu, nesse formidável acórdão, por reconhecer a necessidade de demonstração do esforço comum do casal para aplicação da Súmula 377/STF.
O motivo central dessa interpretação, conforme menciono em livro em coautoria com o Professor Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil 2 – Direito de Família, 43.ª ed., 2016, Editora Saraiva), é que o regime da separação obrigatória de bens não se confunde com o regime da comunhão parcial, sendo que, diante da prova de sociedade de fato –auxílio com capital ou trabalho – os bens deverão pertencer a ambos os cônjuges, em respeito à vedação do enriquecimento sem causa.
Se fossem aplicadas no regime da separação obrigatória as regras do regime da comunhão parcial de bens, aquele esforço ou auxílio seria presumido, não haveria necessidade de sua comprovação, isto é, seria desnecessário demonstrar a sociedade de fato.
Afinal, como foi precisamente afirmado no mencionado acórdão do STJ:
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Fonte: Estadão
Desde o início da década passada defendo a tese de que nesse regime, em que a lei é protetiva, devem ser efetivamente separados os bens de um e de outro. A exceção à incomunicabilidade de bens deve resultar da prova da sociedade de fato, ou seja, da prova de que o cônjuge ajudou com capital ou trabalho na aquisição de bens que ficam em nome do outro cônjuge.
Explico. Diante de Súmula do Supremo Tribunal Federal dos idos de 1964, segundo a qual no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento (Súmula 377), sem a atenta leitura dos seus precedentes, que são os julgados proferidos antes da edição da súmula, entendeu-se por muitos anos que se comunicavam entre os cônjuges os bens adquiridos onerosamente durante o casamento, com presunção do esforço comum, ou seja, os bens comprados pelo marido se comunicavam à mulher e a recíproca também se aplicava.
No entanto, não fazia qualquer sentido aplicar, no regime imposto pela lei da separação obrigatória ou legal, o regime da comunhão parcial de bens, porque é neste último que os bens comprados por um dos cônjuges se comunicam ao outro cônjuge. É no regime de comunhão parcial de bens, e não no regime da separação obrigatória ou legal, que ocorre uma presunção do esforço comum do casal para construir um patrimônio, mesmo que este esteja em nome de um só dos cônjuges.
Assim, em 2004 publiquei artigo intitulado Regime da separação de bens convencional e obrigatória, no livro Questões Controvertidas no novo Código Civil (Grandes Temas de Direito Privado – vol. 2, Editora Método: São Paulo). Na ocasião, já alertava que a interpretação da Súmula 377/STJ deveria ser realizada com base nos seus precedentes, em que não se aplicava pura e simplesmente o regime da comunhão parcial em casamentos contraídos pelo regime da separação obrigatória.
Diante de releitura dessa antiga súmula, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualmente sobressai a melhor interpretação que essa súmula poderia ter: comprovada a sociedade de fato, pelo esforço comum, representado por capital ou por trabalho na constituição do patrimônio, cabe sua partilha em casamento que tenha sido celebrado pelo regime da separação obrigatória.
E esse foi o entendimento adotado em recente julgado do STJ, de Relatoria do Ministro Lázaro Guimarães (Resp nº 1.623.858 – MG, j. 23/05/2018), bem como vem sendo adotado em outros acórdãos proferidos por essa Corte Superior.
O caso versava sobre direito à meação do cônjuge sobrevivente, casado pelo regime de separação obrigatória de bens. Diante de sua controvérsia central, que versava sobre a necessidade ou não de comprovação do esforço comum do casal nas aquisições patrimoniais, o STJ decidiu, nesse formidável acórdão, por reconhecer a necessidade de demonstração do esforço comum do casal para aplicação da Súmula 377/STF.
O motivo central dessa interpretação, conforme menciono em livro em coautoria com o Professor Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil 2 – Direito de Família, 43.ª ed., 2016, Editora Saraiva), é que o regime da separação obrigatória de bens não se confunde com o regime da comunhão parcial, sendo que, diante da prova de sociedade de fato –auxílio com capital ou trabalho – os bens deverão pertencer a ambos os cônjuges, em respeito à vedação do enriquecimento sem causa.
Se fossem aplicadas no regime da separação obrigatória as regras do regime da comunhão parcial de bens, aquele esforço ou auxílio seria presumido, não haveria necessidade de sua comprovação, isto é, seria desnecessário demonstrar a sociedade de fato.
Afinal, como foi precisamente afirmado no mencionado acórdão do STJ:
No regime de separação legal, a exegese mais correta é a que sustenta a comunicabilidade dos aquestos, quando formados pela atuação comum do marido e da mulher. Se na sociedade de fato prevalece tal solução, quanto mais no casamento, que é um ‘plus’, uma união institucionalizada e protegida por todos os ordenamentos jurídicos. Esta posição encontra inspiração na equidade e na lógica do razoável, formada que foi pelos motivos subjacentes da Súmula n° 377.
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*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada
Fonte: Estadão