goo.gl/VwYBGN | O crime de omitir informações às autoridades fazendárias a fim de suprimir tributos está previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, o qual assevera que:
"Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
Ocorre que há grande debate se a omissão nesse caso se configura (i) quando o agente declara o imposto, mas omite informações a fim de suprimir o tributo, ou (ii) se o simples fato de não fazer a declaração, por exemplo do Imposto de Renda, já é o suficiente para ensejar o crime previsto na Lei 8.137/90.
De fato, o legislador não foi muito claro, mas ao analisar de forma minuciosa o tipo penal em apreço, verifica-se que as condutas incriminadoras consistem, ipsis litteris, em (i) omitir informações (ou seja: informações eventualmente declaradas, porém, com alguma supressão), bem como (ii) prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Dessa forma, a não declaração de imposto de renda, em tese, não se amolda ao delito de sonegação de tributo – portanto, referida conduta é formalmente atípica.
Há decisão recente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região bastante didática sobre o tema aqui trazido (APL n.º 0007036-77.2008.4.03.6181/SP, DJe 13/09/2018).
No julgamento foram analisados dois anos calendários distintos (2003 e 2004). No ano de 2004 o agente não apresentou à Receita Federal os rendimentos da sua empresa; já no ano de 2003 o agente declarou o imposto de renda da pessoa jurídica à Receita, mas omitiu informações a fim de suprimir tributos.
Qual foi o resultado?
A conduta descrita na denúncia quanto ao ano-calendário 2004 é atípica, pois a omissão na entrega da PJSI 2005 não configura, por si só, a omissão fraudulenta descrita na norma penal. Com efeito, perfilho do entendimento de que a “omissão” da qual trata a norma penal somente se perfaz quando o contribuinte apresenta a declaração e nela omite as informações acerca dos fatos geradores da obrigação tributária. (…) Isto porque, quando o contribuinte não entrega a Declaração da Pessoa Jurídica, não há falsidade, não há fraude, e o Fisco pode arbitrar o valor devido segundo a lei tributária, como, in casu, ocorreu. Conclui-se, portanto, que a conduta imputada à acusada é atípica em relação a não entrega da PJSI 2005, correspondente ao ano-calendário de 2004.
"No que tange ao ano-calendário de 2003, tem-se perfeitamente demonstrada a materialidade do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Com efeito, segundo restou apurado no bojo do processo administrativo fiscal nº 10880.07525/2008-65, houve redução de tributos mediante omissão de informação, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica, acerca da receita auferida pelo contribuinte (…)
Portanto, por meio dessa decisão do TRF3, não apresentar à Receita Federal a declaração dos rendimentos, por si só, não configura crime contra a ordem tributária. Consistiria, apenas, uma inadimplência perante o fisco.
No entanto, essa questão não é tão simples.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi julgada uma situação bem semelhante com a ilustrada acima (APL n.º 5005382-31.2010.404.7002, DJe 14/12/2012), todavia além de não declarar o imposto de renda, o agente não prestou informações à Receita Federal quando esta o intimou.
Nesse caso, o agente foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal (TRF4) reformou a decisão por entender que a conduta de não apresentar à Receita Federal os informes necessários não constitui o crime estampado na Lei 8.137/90, conforme se verifica por meio do voto do relator:
"O tipo penal exige o dolo genérico, consistente em uma conduta ativa ou omissiva de consciente sonegação fiscal, assim entendida a omissão de informação na declaração de rendimentos ou a prestação de informações falsas nessa declaração dirigida às autoridades fazendárias, bem como a inserção de elementos incorretos ou a omissão de operações fiscais nos livros e documentos exigidos pela lei fiscal, com o intuito de omitir ou reduzir a tributação.
Entretanto, a não apresentação da declaração de Imposto de Renda, como soe ocorrer no caso, não constitui infração penal, mas mera infração tributária.
O relator reconheceu a atipicidade do delito de ofício e julgou prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
Irresignado com o acórdão proferido, o MPF interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1390125/PR) alegando que pelo fato do agente não ter declarado o imposto, bem como por não ter prestado informações quando intimado pela Receita, o crime de sonegação de tributo mediante omissão estava devidamente configurado. Verifica-se excerto do recurso:
"não apenas não apresentou a declaração de imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, como omitiu informações devidas à autoridade fazendária a respeito da origem dos valores movimentados em suas contas-correntes quando por ela intimado para tanto (conduta fraudulenta). Assim agindo, suprimiu tributos, na medida em que não recolheu valores devidos à título de Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF (inadimplemento).
É imperioso que se reconheça que, na espécie, houve omissão de informação à autoridade fazendária em duas oportunidades: a primeira no momento em que o recorrido não apresentou a declaração anual do imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, que era devida; e a segunda ocorrida, quando regularmente intimado pelo Fisco para prestar esclarecimentos sobre a origem dos valores recebidos, passíveis de tributação, deixou transcorrer o prazo que foi assinalado sem manifestação.
Resultado do julgamento? O ministro Felix Fischer, monocraticamente, deu provimento ao recurso especial. Muito embora o ministro tenha determinado que o TRF4 julgasse a apelação lá interposta (a apelação do MPF foi julgada prejudicada, uma vez que o relator reconheceu de ofício a atipicidade da conduta) ele entrou no mérito da questão e no voto restou consignado que:
"In casu, não há como se concluir pela ocorrência de mera infração tributária, eis que esta se verifica quando há intensão do autuado em saldar o débito fiscal constituído e, assim, as circunstâncias não o permite. O que se vê é a adequação típica imediata da conduta, valorada no acórdão combatido, ao art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.
Ou seja: entendeu que o fato de o agente não ter declarado o imposto de renda seria o suficiente para configuração do crime em tela.
Portanto, por meio dos precedentes dos Tribunais Regionais trazidos ao debate e pela análise feita no tipo penal estampado na Lei n.º 8.137/90, em tese, não configura crime contra a ordem tributária deixar de apresentar a declaração do imposto de renda; configura mera inadimplência perante o Fisco.
No entanto, nota-se que a questão não é pacífica, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou de forma contrária, sobretudo quando o contribuinte devidamente intimado pelo órgão tributário fiscalizador se mantém inerte.
Gustavo dos Santos Gasparoto
Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Pós-Graduando em Ciências Criminais. Pós-Graduando em Direito Penal Econômico e Europeu. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais
"Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
Ocorre que há grande debate se a omissão nesse caso se configura (i) quando o agente declara o imposto, mas omite informações a fim de suprimir o tributo, ou (ii) se o simples fato de não fazer a declaração, por exemplo do Imposto de Renda, já é o suficiente para ensejar o crime previsto na Lei 8.137/90.
De fato, o legislador não foi muito claro, mas ao analisar de forma minuciosa o tipo penal em apreço, verifica-se que as condutas incriminadoras consistem, ipsis litteris, em (i) omitir informações (ou seja: informações eventualmente declaradas, porém, com alguma supressão), bem como (ii) prestar declaração falsa às autoridades fazendárias. Dessa forma, a não declaração de imposto de renda, em tese, não se amolda ao delito de sonegação de tributo – portanto, referida conduta é formalmente atípica.
Há decisão recente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região bastante didática sobre o tema aqui trazido (APL n.º 0007036-77.2008.4.03.6181/SP, DJe 13/09/2018).
No julgamento foram analisados dois anos calendários distintos (2003 e 2004). No ano de 2004 o agente não apresentou à Receita Federal os rendimentos da sua empresa; já no ano de 2003 o agente declarou o imposto de renda da pessoa jurídica à Receita, mas omitiu informações a fim de suprimir tributos.
Qual foi o resultado?
- 2004:
A conduta descrita na denúncia quanto ao ano-calendário 2004 é atípica, pois a omissão na entrega da PJSI 2005 não configura, por si só, a omissão fraudulenta descrita na norma penal. Com efeito, perfilho do entendimento de que a “omissão” da qual trata a norma penal somente se perfaz quando o contribuinte apresenta a declaração e nela omite as informações acerca dos fatos geradores da obrigação tributária. (…) Isto porque, quando o contribuinte não entrega a Declaração da Pessoa Jurídica, não há falsidade, não há fraude, e o Fisco pode arbitrar o valor devido segundo a lei tributária, como, in casu, ocorreu. Conclui-se, portanto, que a conduta imputada à acusada é atípica em relação a não entrega da PJSI 2005, correspondente ao ano-calendário de 2004.
- 2003:
"No que tange ao ano-calendário de 2003, tem-se perfeitamente demonstrada a materialidade do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Com efeito, segundo restou apurado no bojo do processo administrativo fiscal nº 10880.07525/2008-65, houve redução de tributos mediante omissão de informação, na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica, acerca da receita auferida pelo contribuinte (…)
Portanto, por meio dessa decisão do TRF3, não apresentar à Receita Federal a declaração dos rendimentos, por si só, não configura crime contra a ordem tributária. Consistiria, apenas, uma inadimplência perante o fisco.
No entanto, essa questão não é tão simples.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi julgada uma situação bem semelhante com a ilustrada acima (APL n.º 5005382-31.2010.404.7002, DJe 14/12/2012), todavia além de não declarar o imposto de renda, o agente não prestou informações à Receita Federal quando esta o intimou.
Nesse caso, o agente foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal (TRF4) reformou a decisão por entender que a conduta de não apresentar à Receita Federal os informes necessários não constitui o crime estampado na Lei 8.137/90, conforme se verifica por meio do voto do relator:
"O tipo penal exige o dolo genérico, consistente em uma conduta ativa ou omissiva de consciente sonegação fiscal, assim entendida a omissão de informação na declaração de rendimentos ou a prestação de informações falsas nessa declaração dirigida às autoridades fazendárias, bem como a inserção de elementos incorretos ou a omissão de operações fiscais nos livros e documentos exigidos pela lei fiscal, com o intuito de omitir ou reduzir a tributação.
Entretanto, a não apresentação da declaração de Imposto de Renda, como soe ocorrer no caso, não constitui infração penal, mas mera infração tributária.
O relator reconheceu a atipicidade do delito de ofício e julgou prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
Irresignado com o acórdão proferido, o MPF interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1390125/PR) alegando que pelo fato do agente não ter declarado o imposto, bem como por não ter prestado informações quando intimado pela Receita, o crime de sonegação de tributo mediante omissão estava devidamente configurado. Verifica-se excerto do recurso:
"não apenas não apresentou a declaração de imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, como omitiu informações devidas à autoridade fazendária a respeito da origem dos valores movimentados em suas contas-correntes quando por ela intimado para tanto (conduta fraudulenta). Assim agindo, suprimiu tributos, na medida em que não recolheu valores devidos à título de Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF (inadimplemento).
É imperioso que se reconheça que, na espécie, houve omissão de informação à autoridade fazendária em duas oportunidades: a primeira no momento em que o recorrido não apresentou a declaração anual do imposto de renda relativa ao ano-calendário 1997, que era devida; e a segunda ocorrida, quando regularmente intimado pelo Fisco para prestar esclarecimentos sobre a origem dos valores recebidos, passíveis de tributação, deixou transcorrer o prazo que foi assinalado sem manifestação.
Resultado do julgamento? O ministro Felix Fischer, monocraticamente, deu provimento ao recurso especial. Muito embora o ministro tenha determinado que o TRF4 julgasse a apelação lá interposta (a apelação do MPF foi julgada prejudicada, uma vez que o relator reconheceu de ofício a atipicidade da conduta) ele entrou no mérito da questão e no voto restou consignado que:
"In casu, não há como se concluir pela ocorrência de mera infração tributária, eis que esta se verifica quando há intensão do autuado em saldar o débito fiscal constituído e, assim, as circunstâncias não o permite. O que se vê é a adequação típica imediata da conduta, valorada no acórdão combatido, ao art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90.
Ou seja: entendeu que o fato de o agente não ter declarado o imposto de renda seria o suficiente para configuração do crime em tela.
Portanto, por meio dos precedentes dos Tribunais Regionais trazidos ao debate e pela análise feita no tipo penal estampado na Lei n.º 8.137/90, em tese, não configura crime contra a ordem tributária deixar de apresentar a declaração do imposto de renda; configura mera inadimplência perante o Fisco.
No entanto, nota-se que a questão não é pacífica, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou de forma contrária, sobretudo quando o contribuinte devidamente intimado pelo órgão tributário fiscalizador se mantém inerte.
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Gustavo dos Santos Gasparoto
Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Pós-Graduando em Ciências Criminais. Pós-Graduando em Direito Penal Econômico e Europeu. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais