goo.gl/eoDHJD | A Justiça do Trabalho condenou, neste mês, um tradicional colégio particular da Grande São Paulo a recontratar, até a próxima semana, uma professora transexual lésbica após demiti-la, em 2015, por discriminação de gênero.
Na mesma sentença, a juíza Daiana Monteiro Santos, da 2ª Vara do Trabalho de Barueri, também obrigou o Anglo Leonardo da Vinci a pagar indenização de R$ 30 mil por danos morais a professora de filosofia Luiza Coppieters, de 39 anos.
“A matéria em questão refere-se à transição de gênero, do sexo masculino para o sexo feminino, de modo que o tratamento discriminatório no ambiente de trabalho após tal mudança, importa em discriminação em razão de sexo e, portanto, a distinção e exclusão praticada pelas reclamadas contra a demandante”, escreve a magistrada na decisão de 4 de setembro deste ano.
Procurado pelo G1, o Anglo divulgou nota na qual voltou a negar que a demissão da educadora tenha sido motivada por preconceito sexual. Apesar disso, o colégio informa que irá “acatar integralmente a decisão judicial”, readmitindo e pagando a indenização a Luiza.
De acordo com a juíza Daiana, a escola tem o prazo de cinco dias úteis, que deve expirar na próxima segunda-feira (17), para reincorporar Luiza ao quadro de professores do Anglo Alphaville, em Barueri. Antes de ser desligada, a professora também dava aulas nas unidades do Anglo Granja Viana, em Cotia; Osasco e Taboão da Serra.
“São Paulo terá a única professora transexual em escolas privadas e a única professora lésbica publicamente assumida”, comemora Luiza ao comentar ao G1 a decisão, mas lamenta também a situação de outras educadoras transexuais. “O que revela o caráter machista, misógino e preconceituoso da sociedade paulista e, principalmente, do ambiente das escolas particulares”.
Em 2015, quando a reportagem repercutiu a demissão de Luiza, o Anglo havia alegado que a professora foi desligada "por problemas de ordem profissional", sem detalhar os motivos dessa dispensa.
Mas Luiza nunca aceitou essa alegação da escola para dispensá-la. Para ela foi uma “demissão sem justa causa”. Numa entrevista em vídeo ao G1, gravada há três anos, a professora acusou o Anglo de demiti-la por preconceito após revelar que é transexual.
"Eu acho...[que o motivo da demissão foi] por transfobia. Transfobia. Para mim foi preconceito”, disse Luiza à época.
Anglo Alphaville: professora foi demitida por problemas profissionais não detalhados — Foto: Victor Moriyama / G1/ Arquivo 2015
De 2009 a 2013, Luiza, formada pela Universidade de São Paulo (USP), dava aulas no colégio Anglo inicialmente como Luiz Otávio Pereira Coppieters.
Em 2014, porém, contou aos alunos que o professor "Luizão" era, "na verdade", "Luiza". A transição entre os gêneros masculino e feminino havia se tornado pública em novembro daquele ano, quando postou uma foto maquiada no Facebook, o que aguçou a curiosidade dos estudantes.
A professora então começou a ser tratada pelo feminino dentro do colégio: Luiza. Abandonou a barba e as roupas masculinas usadas para esconder os seios, que despontavam em razão do uso contínuo de hormônios que vinha tomando desde 2012.
Ela não viu a necessidade de passar por cirurgia de mudança de sexo porque sempre se considerou mulher. Há decisões judiciais que corroboram com isso e entendem que a questão de gênero não está associada ao órgão sexual, mas sim como a pessoa se identifica.
Luiza passou a dar aulas com cabelos compridos e soltos, sobrancelhas feitas, batom, maquiagem, esmalte, calçados e vestuário de roupas femininas.
Mas após isso, Luiza contou que o Anglo a proibiu de tratar de temas como questões de gênero e sexualidade com os alunos em classe e ainda reduziu sua carga horária de aulas e depois a afastou das turmas do primeiro ano. Seu salário diminuiu de R$ 6 mil mensais para R$ 1 mil.
Professora Luiza na sala de aula com alunos — Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal / Facebook
Em 24 de junho de 2015, a professora contou que foi demitida por meio de uma carta. Apesar de ter tido o apoio de estudantes e até dos pais deles, ela afirmou que a escola não aceitou a sua transição de gênero.
“Não é viável aceitar que a dispensa da reclamante se deu pelo simples fato de ter deixado de cumprir com seus deveres”, concorda a magistrada. “Enquanto professor do sexo masculino, a reclamante era aceita e estava em plena ascensão profissional e, após comunicar a transição, as reclamadas passaram a adotar medidas de forma a afetar financeiramente e emocionalmente a autora e, portanto, sua queda de rendimento não se deu sem motivo”.
Luiza recorreu à Justiça do Trabalho contra a demissão por se sentir injustiçada. Sem trabalho, chegou a ser despejada do imóvel que alugava. Conseguiu se sustentar dando palestras e pedindo ajuda.
“A importância da classe trabalhadora ter direitos trabalhistas. A importância dos trabalhadores recorrerem aos seus direitos diante das injustiças praticadas pelo patronato”, comenta ela após a decisão judicial que determinou que seja recontratada pelo Anglo.
Para isso, contratou os serviços do escritório Tambelli Advogados Associados. “Primeiro entramos com um processo de reintegração e depois outro de indenização. São dois processos dentro de um só”, diz o advogado Luciano Tambelli ao G1. “O caso de Luiza se dá no curso do contrato de trabalho. Ela faz a transição de gênero: era Luiz e vira Luiza nesse processo. É um processo muito atual de um professor de filosofia que vira professora de filosofia”.
“A escola alegou que o rendimento dela estava ruim, mas ela estava em ascensão, tanto que foi escolhida paraninfa pelos alunos”, acrescenta a advogada Marina Tambelli. “Uma das testemunhas, que trabalhava no Recursos Humanos, confirmou o intuito da escola em demiti-la no final de 2014 após ela começar a transição de gênero”.
Facebook de Luiza Coopieters compartilha foto que alunas tiraram da lousa do Anglo — Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal / Facebook
Em 2015, alunos e pais chegaram a demonstrar apoio a Luiza nas redes sociais. Uma foto postada no Facebook representava bem a reação deles. "Nos ensinam a ser humanos e nos tratam como animais. Contra a transfobia", escreveram os estudantes numa lousa do Anglo.
“O precedente que se abre em defesa das pessoas transexuais no âmbito trabalhista na esfera privada”, comenta Luiza. “A necessidade de proteção às minorias diante da desigualdade”.
Em 2017, a professora foi entrevistada pelo G1 para a reportagem a respeito do 'mapa da homofobia' em São Paulo.
Professora Luiza Coppieters mostra homenagem que recebeu como paraninfo dos alunos quando ainda era chamado de professor Luiz — Foto: Victor Moriyama/G1/ Arquivo 2015
Questionado pelo G1 sobre a decisão judicial a respeito do caso Luiza Coppieters, o Anglo reuniu sua coordenação pedagógica e enviou uma nota para a reportagem.
Veja abaixo alguns trechos sobre:
Demissão em 2015:
“Por meios legais, o colégio mostrou que não houve transfobia no caso de sua demissão.
“Mantemos a posição conforme transcrito nos autos dos processos. Os 42 anos de existência desta instituição mostram que ela não pecou por discriminação em nenhum momento.”
Decisão judicial:
“O Colégio vai acatar integralmente a decisão judicial no caso da profª Luíza”
“O colégio vai recontratar a professora. Buscaremos fazer sua integração observando o bem-estar da professora e de nosso trabalho pedagógico, olhando, principalmente, a continuidade dos estudos de nossos alunos e priorizando a excelência no ensino.”
Recontratação:
“A profª Luíza é bem-vinda e deverá seguir, como todo o nosso quadro de professores, as obrigações de um profissional nesta área.”
“Cumprindo seu papel de educadora e contribuindo para o desenvolvimento de nossos alunos, não temos qualquer restrição.”
Por Kleber Tomaz, G1 SP, São Paulo
Fonte: g1 globo
Na mesma sentença, a juíza Daiana Monteiro Santos, da 2ª Vara do Trabalho de Barueri, também obrigou o Anglo Leonardo da Vinci a pagar indenização de R$ 30 mil por danos morais a professora de filosofia Luiza Coppieters, de 39 anos.
“A matéria em questão refere-se à transição de gênero, do sexo masculino para o sexo feminino, de modo que o tratamento discriminatório no ambiente de trabalho após tal mudança, importa em discriminação em razão de sexo e, portanto, a distinção e exclusão praticada pelas reclamadas contra a demandante”, escreve a magistrada na decisão de 4 de setembro deste ano.
Procurado pelo G1, o Anglo divulgou nota na qual voltou a negar que a demissão da educadora tenha sido motivada por preconceito sexual. Apesar disso, o colégio informa que irá “acatar integralmente a decisão judicial”, readmitindo e pagando a indenização a Luiza.
De acordo com a juíza Daiana, a escola tem o prazo de cinco dias úteis, que deve expirar na próxima segunda-feira (17), para reincorporar Luiza ao quadro de professores do Anglo Alphaville, em Barueri. Antes de ser desligada, a professora também dava aulas nas unidades do Anglo Granja Viana, em Cotia; Osasco e Taboão da Serra.
Professora transexual
“São Paulo terá a única professora transexual em escolas privadas e a única professora lésbica publicamente assumida”, comemora Luiza ao comentar ao G1 a decisão, mas lamenta também a situação de outras educadoras transexuais. “O que revela o caráter machista, misógino e preconceituoso da sociedade paulista e, principalmente, do ambiente das escolas particulares”.
Em 2015, quando a reportagem repercutiu a demissão de Luiza, o Anglo havia alegado que a professora foi desligada "por problemas de ordem profissional", sem detalhar os motivos dessa dispensa.
Mas Luiza nunca aceitou essa alegação da escola para dispensá-la. Para ela foi uma “demissão sem justa causa”. Numa entrevista em vídeo ao G1, gravada há três anos, a professora acusou o Anglo de demiti-la por preconceito após revelar que é transexual.
"Eu acho...[que o motivo da demissão foi] por transfobia. Transfobia. Para mim foi preconceito”, disse Luiza à época.
Luizão vira Luiza
Anglo Alphaville: professora foi demitida por problemas profissionais não detalhados — Foto: Victor Moriyama / G1/ Arquivo 2015
De 2009 a 2013, Luiza, formada pela Universidade de São Paulo (USP), dava aulas no colégio Anglo inicialmente como Luiz Otávio Pereira Coppieters.
Em 2014, porém, contou aos alunos que o professor "Luizão" era, "na verdade", "Luiza". A transição entre os gêneros masculino e feminino havia se tornado pública em novembro daquele ano, quando postou uma foto maquiada no Facebook, o que aguçou a curiosidade dos estudantes.
A professora então começou a ser tratada pelo feminino dentro do colégio: Luiza. Abandonou a barba e as roupas masculinas usadas para esconder os seios, que despontavam em razão do uso contínuo de hormônios que vinha tomando desde 2012.
Ela não viu a necessidade de passar por cirurgia de mudança de sexo porque sempre se considerou mulher. Há decisões judiciais que corroboram com isso e entendem que a questão de gênero não está associada ao órgão sexual, mas sim como a pessoa se identifica.
Luiza passou a dar aulas com cabelos compridos e soltos, sobrancelhas feitas, batom, maquiagem, esmalte, calçados e vestuário de roupas femininas.
Mas após isso, Luiza contou que o Anglo a proibiu de tratar de temas como questões de gênero e sexualidade com os alunos em classe e ainda reduziu sua carga horária de aulas e depois a afastou das turmas do primeiro ano. Seu salário diminuiu de R$ 6 mil mensais para R$ 1 mil.
“O ato de maior impacto financeiro e, consequentemente emocional na vida profissional e pessoal da reclamante foi a retirada indevida de aulas sem a redução de turmas lhe gerando queda remuneratória de aproximadamente 80%”, reconhece a juíza Daiana na sentença.
Demissão em 2015
Professora Luiza na sala de aula com alunos — Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal / Facebook
Em 24 de junho de 2015, a professora contou que foi demitida por meio de uma carta. Apesar de ter tido o apoio de estudantes e até dos pais deles, ela afirmou que a escola não aceitou a sua transição de gênero.
“Não é viável aceitar que a dispensa da reclamante se deu pelo simples fato de ter deixado de cumprir com seus deveres”, concorda a magistrada. “Enquanto professor do sexo masculino, a reclamante era aceita e estava em plena ascensão profissional e, após comunicar a transição, as reclamadas passaram a adotar medidas de forma a afetar financeiramente e emocionalmente a autora e, portanto, sua queda de rendimento não se deu sem motivo”.
Luiza recorreu à Justiça do Trabalho contra a demissão por se sentir injustiçada. Sem trabalho, chegou a ser despejada do imóvel que alugava. Conseguiu se sustentar dando palestras e pedindo ajuda.
“A importância da classe trabalhadora ter direitos trabalhistas. A importância dos trabalhadores recorrerem aos seus direitos diante das injustiças praticadas pelo patronato”, comenta ela após a decisão judicial que determinou que seja recontratada pelo Anglo.
Para isso, contratou os serviços do escritório Tambelli Advogados Associados. “Primeiro entramos com um processo de reintegração e depois outro de indenização. São dois processos dentro de um só”, diz o advogado Luciano Tambelli ao G1. “O caso de Luiza se dá no curso do contrato de trabalho. Ela faz a transição de gênero: era Luiz e vira Luiza nesse processo. É um processo muito atual de um professor de filosofia que vira professora de filosofia”.
“A escola alegou que o rendimento dela estava ruim, mas ela estava em ascensão, tanto que foi escolhida paraninfa pelos alunos”, acrescenta a advogada Marina Tambelli. “Uma das testemunhas, que trabalhava no Recursos Humanos, confirmou o intuito da escola em demiti-la no final de 2014 após ela começar a transição de gênero”.
Apoio de pais e alunos
Facebook de Luiza Coopieters compartilha foto que alunas tiraram da lousa do Anglo — Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal / Facebook
Em 2015, alunos e pais chegaram a demonstrar apoio a Luiza nas redes sociais. Uma foto postada no Facebook representava bem a reação deles. "Nos ensinam a ser humanos e nos tratam como animais. Contra a transfobia", escreveram os estudantes numa lousa do Anglo.
“Reconheço a dispensa discriminatória (...), declaro nula a dispensa da autora (...), defiro sua reintegração no emprego, com o pagamento dos salários desde sua dispensa até efetiva reintegração”, determina a juíza. “Tais ilicitudes foram concluídas com sua dispensa em junho de 2015, a qual se deu por motivo discriminatório em razão de sua transição de gênero”.A magistrada ainda obriga o Anglo a pagar Luiza “indenização de danos morais, ora arbitrada em R$ 30 mil” porque ficou provado em depoimentos que a discriminação da escola "causou danos à personalidade da reclamante, inclusive à sua saúde, pois teve afastamentos médicos por problemas depressivos”.
“O precedente que se abre em defesa das pessoas transexuais no âmbito trabalhista na esfera privada”, comenta Luiza. “A necessidade de proteção às minorias diante da desigualdade”.
Em 2017, a professora foi entrevistada pelo G1 para a reportagem a respeito do 'mapa da homofobia' em São Paulo.
Professora Luiza Coppieters mostra homenagem que recebeu como paraninfo dos alunos quando ainda era chamado de professor Luiz — Foto: Victor Moriyama/G1/ Arquivo 2015
O que diz a escola
Questionado pelo G1 sobre a decisão judicial a respeito do caso Luiza Coppieters, o Anglo reuniu sua coordenação pedagógica e enviou uma nota para a reportagem.
Veja abaixo alguns trechos sobre:
Demissão em 2015:
“Por meios legais, o colégio mostrou que não houve transfobia no caso de sua demissão.
“Mantemos a posição conforme transcrito nos autos dos processos. Os 42 anos de existência desta instituição mostram que ela não pecou por discriminação em nenhum momento.”
Decisão judicial:
“O Colégio vai acatar integralmente a decisão judicial no caso da profª Luíza”
“O colégio vai recontratar a professora. Buscaremos fazer sua integração observando o bem-estar da professora e de nosso trabalho pedagógico, olhando, principalmente, a continuidade dos estudos de nossos alunos e priorizando a excelência no ensino.”
Recontratação:
“A profª Luíza é bem-vinda e deverá seguir, como todo o nosso quadro de professores, as obrigações de um profissional nesta área.”
“Cumprindo seu papel de educadora e contribuindo para o desenvolvimento de nossos alunos, não temos qualquer restrição.”
Por Kleber Tomaz, G1 SP, São Paulo
Fonte: g1 globo