A Súmula 526 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Artigo de Mariana Cappellari

goo.gl/QtUNu9 | A Súmula 526 do Superior Tribunal de Justiça foi publicada em data de 18 de maio de 2015, com a seguinte redação: O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.

Veja-se que a Súmula referida antecede alteração do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no que tange a execução provisória da pena.

De acordo com Roig (2014), o Superior Tribunal de Justiça já vinha se manifestando nesse sentido, entendendo que a aplicação de sanção disciplinar não dependeria do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, em caso de falta grave condizente com o cometimento de fato definido como crime doloso durante o cumprimento da pena, sob o fundamento de que se se exigisse o trânsito em julgado da condenação pela nova infração, estar-se-ia a reduzir a um nada a efetividade do próprio processo de execução.

Outro argumento, segundo o mesmo autor, seria o de que o procedimento para a apuração da falta disciplinar no âmbito da execução penal é de cunho meramente administrativo, não havendo, portanto, qualquer interferência da esfera judicial, mormente porque assegurados nesse procedimento o contraditório e a ampla defesa.

Ora, cabe salientar que a execução penal encontra-se inserida no âmbito constitucional, portanto, cumprindo-lhe seguir os seus preceitos, objetivos, valores e garantias, tal como a do estado de inocência.

De acordo com Roig (2014), o referido princípio, que, no Brasil decorre de preceito constitucional (art. 5º, inciso LVII), apesar de soar paradoxal, é também aplicável a pessoas já definitivamente condenadas, sobretudo quando estas são submetidas a processo administrativo disciplinar, como, na espécie.

Primeiro porque se a própria falta apenas se perfectibiliza no cometimento de fato definido como crime doloso, há a necessidade da declaração judicial de que houve crime doloso, do contrário, sabe-se que o direito penal não tem aplicabilidade direta no mundo dos fatos, necessitando, por certo, ser instrumentalizado via processo, pois diante do juízo competente e após o devido contraditório e ampla defesa, se restar comprovada a prática de fato criminoso, assim procederá o juízo na sua declaração e consequente aplicação de pena.

Ao depois, conforme bem salienta Roig (2014), havendo sanção penal de um lado e sanção administrativa de outro, evidente a dupla punição, não sendo correto afastar-se da execução penal a incidência do princípio do estado de inocência sob o argumento de que este apenas seria aplicável em sede cognitiva, já que a execução penal se encontra jurisdicionalizada desde 1984, quanto mais se tratando de princípio constitucional cuja aplicação se espraia por todo o ordenamento jurídico, independentemente da natureza do processo.

Veja-se que, de acordo com Giacomolli (2015), o estado de inocência é um princípio de elevado potencial político e jurídico, o qual revela a opção ideológica do processo penal que se tem. A sua concretização se revela como regra de tratamento, como carga probatória e na máxima do in dubio pro reo, razão pela qual imprescindível a sua aplicação no âmbito da execução penal.

Por outro lado, de acordo com Roig (2014), o afastamento da referida garantia constitucional e humana do processo de execução penal, representa evidente antecipação de pena, além de demandar na violação de outros preceitos constitucionais, tais como: o devido processo legal e a inafastabilidade do controle do Poder Judiciário, na medida em que se despreza, inclusive, a possibilidade de absolvição do acusado.

Nesse sentido, Roig (2014, p. 228):

De todo o modo, a aplicação de sanção disciplinar, com base na mera prática de fato definido como crime doloso, desloca a intervenção punitiva estatal do momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para o exato instante da ação supostamente delitiva, trocando a segurança jurídica proporcionada pela definitividade pela danosa fluidez de um juízo de probabilidade. Com isso, propicia uma autêntica antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional penal, uma vez que a punição por falta grave, consectário lógico da sentença penal condenatória definitiva, se daria precocemente, com a simples conduta.

Mas, ainda, e, para, além disso, tem-se que o afastamento da garantia constitucional e humana do estado de inocência no âmbito da execução penal, na medida em que aponta a Súmula, encontra vinculação direta com a natureza jurídica da própria execução penal, reconhecendo-a como meramente administrativa, nesse caso, e, colocando, assim, o apenado como mero objeto e não como sujeito de direito que é.

Além disso, a Súmula não opera dentro da realidade prisional vigente no país, não só pelos seus números, cada vez maiores, mas quanto mais por suas condições prisionais, dada a evidente superlotação existente. Outrossim, despreza dessa forma os chamados efeitos próprios da prisionização (BITENCOURT, 2001, para o autor, além do fator criminógeno da prisão, a prisionização possui diversos efeitos sobre o recluso, entre eles: sociológicos, psicológicos e sexuais. p. 153/232).

Não é por menos que nesse contexto não se vê espaço para o cumprimento de garantias constitucionais e humanas, pois a política criminal vigente não é no sentido de se assegurar a preservação da dignidade da pessoa humana, mas, sim, de traduzir mero controle e contenção via punição.

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REFERÊNCIAS

ROIG, Rodrigo Duarte Estrada. Execução Penal. Teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014.

GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

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Mariana Cappellari
Mestre em Ciências Criminais. Professora. Defensora Pública.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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