A solidão no início da advocacia criminal - Artigo de Letícia de Souza Furtado

goo.gl/onWLuE | Parece que foi ontem.

Colei grau em uma turma de desconhecidos e, vendo que todos festejavam uns com os outros quando chamados para receber o canudo, pedi à menina do lado que me desse um abraço, para não aparecer tão desenturmada e solitária no vídeo. Ao chamarem pelo meu nome, ao som da minha música (“i’m bulletproof, nothing to lose, fire away, fire away”), ela deu o sorriso da minha mãe e me abraçou com generosidade.

Nunca esqueci.

Mais tarde, na janta, me percebi feliz por estar com minha família e meus amigos, não por estar me formando. Minha ansiedade sempre correu na frente, e parecia jogar na minha cara as dificuldades que viriam.


Eu não tinha advogados na família. Nenhum advogado criminalista entre os amigos. Me apressei para pegar a carteirinha da OAB – passei no exame no último semestre do curso – e depois não sabia o que fazer. Por onde começar? Eu não tinha com quem falar a respeito e me sentia só.

O início da advocacia criminal


Distribuí currículos mirando somente escritórios de advocacia criminal. Não consegui uma colocação. Apaixonada pelo Direito Penal, relutei enveredar para outra área. Fui voluntária em um gabinete criminal do TJ/RS. Saí de lá e passei a esperar, nos bancos do Foro Central I, que precisassem de advogada dativa.

Fiz algumas audiências criminais e boas amizades. Tudo “na cara e na coragem”, é bom salientar, porque me faltava conhecimento prático. Depois, trabalhei de voluntária em um escritório de advocacia criminal, junto de um colega. Peguei uma “cancha” boa.

Cedi a outras áreas. Fiz prova em um escritório de médio porte para atuar na área do consumidor e empresarial. Fui bem na “peneira”, fiquei entre as melhores. Na entrevista, o sócio torceu o nariz para meu currículo, recheado de elementos voltados às ciências criminais. O que, afinal, eu queria na área cível? Bailei.

Me ressenti. Decidi que enfrentaria outras matérias. Entrei no G3 do SAJU – Serviço de Assistência Jurídica Universitária, da UFRGS –, que atende na esfera cível; passei a frequentar grupos de pesquisa em Direito Empresarial, Constitucional e Direito Internacional Público.

Advoguei em algumas execuções fiscais. Me especializei em Direito Público [mesclem seus currículos, ciências criminais é matéria transdisciplinar]. Enquanto isso, era dativa em processos criminais federais, geralmente relativos a tráfico internacional ou sonegação. Pude ter a satisfação de ver absolvidos alguns dos “meus réus”. Outros não: montanha russa emocional.

Atuei como advogada na mesma audiência em que meu ex-chefe atuava como Procurador da República, o que para mim foi emocionante. Pedi o impeachment do Governador; foi arquivado. Naveguei em um turbilhão de emoções e, mentalmente exausta, tombei. Surgiu a oportunidade de trabalhar em uma câmara criminal e, dessa vez, o meu currículo já não foi desprezado. Fui.

Não é o fim da história, é apenas o começo, mas, tudo o que eu vivi até aqui me trouxe ao menos duas certezas: 1) saber lidar com o ordenamento jurídico é um dom que não pode ser abandonado, o essencial é plantar por onde passa, para bem colher a missão que a vida selecionar; 2) ser advogado criminalista é para os fortes.

Meu respeito aos advogados criminalistas que buscam sempre fazer o melhor por seus clientes, conscientes da séria tarefa que têm nas mãos. Nessa profissão, para não adoecer antes mesmo de alçar voo, convém ter com quem falar, a quem perguntar, e onde encontrar informações transparentes e úteis sobre a prática forense e processual.

Não é fácil, pois nem todos os que já venceram os primeiros obstáculos querem revelar onde brota água pura e cristalina, ou mesmo contar que também se amarguraram inúmeras vezes. Por isso é tão bom encontrar gente com pensamento diferente. Aqui, no Canal Ciências Criminais, sempre tem alguém compartilhando experiências.

Quem, por exemplo, já leu um texto ou assistiu a uma palestra da Mariana Py Muniz – Defensora Pública, colunista –sabe o quanto ela é vocacionada também porque é resiliente frente às frustrações, as quais narra sem “mise-en-scène”. Quem já assistiu à exposição do Rodrigo Grecellé – que ministrou um dos excelentes cursos da plataforma VOX – fez contato com sua oratória elegante e que bem comunica o relevante.

Aliás, esse portal, mantido e dirigido pelo também advogado criminalista Bernardo de Azevedo e Souza, que portanto conhece as dificuldades da profissão, reúne boas ferramentas de combate à solidão de quem está nessa jornada. Iniciante ou não.

Você não está sozinho. Trabalhe, cerque-se de pessoas que auxiliem seu equilíbrio mental. Os resultados chegarão.

Por Letícia de Souza Furtado
Fonte: Canal Ciências Criminais
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