goo.gl/iod7mc | Nos termos do art. 127 da Constituição Federal o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, sendo que uma das principais atribuições concedidas a ele é a competência privativa de promover a ação penal pública (art. 129, I, CF).
Por ser o titular da ação penal pública, o MP possui as seguintes responsabilidades: de requisitar a instauração de inquérito policial; instaurar Procedimento Investigatório Criminal (essa questão é muito debatida, no entanto o STF já se manifestou no sentido de ser possível a investigação por parte do Órgão acusador); oferecer denúncia; requerer medidas cautelares; recorrer; entre outras.
No entanto, durante o “jogo” processual nem todas as jogadas são permitidas por parte do MP.
Por exemplo: durante o processo criminal, o juiz, após analisar o requerimento de revogação de prisão preventiva apresentado pela defesa, acolhe o pleito e determina que seja expedido alvará de soltura em favor do acusado que já estava preso há vários meses, por entender, em suma, que os requisitos ensejadores do enclausuramento prematuro (art. 312 do CPP) haviam desaparecido.
Irresignado com a decisão proferida pelo juiz, o promotor de justiça oficiante interpõe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 do Código de Processo Penal, a fim de que a prisão preventiva do acusado seja reestabelecida.
Concomitante a isso, o representante do Parquet impetra ao Tribunal de Justiça do Estado competente mandado de segurança, distribuído por dependência ao Desembargador Relator do RESE, com a intenção de dar efeito suspensivo ao recurso interposto – referido efeito seria para evitar a eficácia/aplicabilidade da decisão recorrida, assim, enquanto o recurso não fosse julgado o acusado não seria colocado em liberdade.
Ocorre que, com exceção das hipóteses previstas no art. 584 do CPP, o RESE possui apenas o efeito devolutivo misto, isto é: “há efeito duplo, pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e, caso a mantenha, o recurso será remetido para o tribunal ad quem. (LOPES JR., Locais do Kindle 21804-21805).
Ou seja: tendo em vista que a decisão que revoga prisão preventiva não está presente nas hipóteses do art. 584 do CPP, a estratégia utilizada pela acusação não está correta, uma vez que não possui amparo jurídico.
Contudo, na prática isso nem sempre é tão simples assim, pois diversas vezes o MP já logrou êxito em conceder efeito suspensivo ao RESE, a fim de manter o acusado preso preventivamente enquanto o recurso interposto não fosse julgado pelo Tribunal ad quem.
Assim, cabia a defesa, diante dessa ilegalidade, impetrar habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça para cassar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça competente, o qual conferiu o efeito suspensivo ao RESE em sede de mandado de segurança.
Isso porque o mandado de segurança é remédio constitucional utilizado pelo cidadão para impedir a prática de abusos e ilegalidades por parte do Estado (quando não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data), ou seja, é uma medida pró-cidadão, e não o contrário! Permitir a utilização de mandado de segurança para manter a prisão do acusado seria distorcer as regras e normas previstas em todo sistema constitucional.
Nesse sentido, importante citar precedente bastante didático da ministra Maria Thereza de Assis Moura:
"Da atenta leitura dos autos, não obstante as inflamadas teses sobre o cabimento ou não da prisão domiciliar na hipótese em liça, ao que cuido, quaestio outra emerge do caderno processual.
De fato, situação que se me apresenta é o exame da possibilidade de se conceder efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público.
O artigo 584 do Código de Processo Penal estatui, como regra, que o recurso em sentido estrito será recebido apenas no seu efeito devolutivo, somente lhe sendo atribuído o efeito suspensivo em casos de perda da fiança, de concessão de livramento condicional, da decisão: i) que denegar a apelação ou julgá-la deserta, ii) sobre a unificação de penas, iii) que converter a multa em detenção ou em prisão simples; sendo que o caso vertente não figura nessas hipóteses legais.
Ademais, não se mostra desapercebido que o manejo do mandado de segurança ministerial no Tribunal local ocorreu em 18.3.2017 (fls. 14/26) – dois dias antes da interposição do recurso em sentido estrito naquela Corte (fls. 56/66) -, sendo que o ajuizamento de petição no writ, requestando o efeito suspensivo ao recurso stricto sensu, data de 20.3.2017 (fls. 53/55), mesmo dia da decisão liminar monocrática aqui vergastada.
Diante dessas considerações, inconteste que dado proceder do Parquet causa espécie.
(…) Observe-se, inclusive, que esta Corte Superior tem proferido entendimento no sentido de não ser cabível a impetração de mandado de segurança pelo Parquet para conferir efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito interposto contra decisão que deferira liberdade ao réu.
Conclui-se, portanto, que o decisum do Desembargador do Tribunal de origem, data maxima venia, destoa dos precedentes deste Superior Tribunal de Justiça.
Dessarte, sobressai o fumus boni iuris e o periculum in mora a autorizar o deferimento da medida de urgência, inclusive superando-se a mens do enunciado sumular n.º 691 da Suprema Corte, visto que, no presente caso, o constrangimento ilegal manifesta-se dos autos. (HC n.º 392.806, STJ, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 28.03.2017)
Como se vê no precedente transcrito, o art. 584 do Código de Processo Penal prevê, como regra, hipóteses limitadas para concessão de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, sendo certo que decisão que revoga prisão preventiva não está entre aludidas hipóteses.
Por fim, importante consignar que essa matéria foi debatida por tantas vezes perante o Superior Tribunal de Justiça que já foi devidamente sumulada:
"Súmula 604-STJ: O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público. (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 28/2/2018, DJe 5/3/2018)
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REFERÊNCIAS
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva. Edição do Kindle.
Gustavo dos Santos Gasparoto
Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Pós-Graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Por ser o titular da ação penal pública, o MP possui as seguintes responsabilidades: de requisitar a instauração de inquérito policial; instaurar Procedimento Investigatório Criminal (essa questão é muito debatida, no entanto o STF já se manifestou no sentido de ser possível a investigação por parte do Órgão acusador); oferecer denúncia; requerer medidas cautelares; recorrer; entre outras.
No entanto, durante o “jogo” processual nem todas as jogadas são permitidas por parte do MP.
Por exemplo: durante o processo criminal, o juiz, após analisar o requerimento de revogação de prisão preventiva apresentado pela defesa, acolhe o pleito e determina que seja expedido alvará de soltura em favor do acusado que já estava preso há vários meses, por entender, em suma, que os requisitos ensejadores do enclausuramento prematuro (art. 312 do CPP) haviam desaparecido.
Irresignado com a decisão proferida pelo juiz, o promotor de justiça oficiante interpõe recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 do Código de Processo Penal, a fim de que a prisão preventiva do acusado seja reestabelecida.
Concomitante a isso, o representante do Parquet impetra ao Tribunal de Justiça do Estado competente mandado de segurança, distribuído por dependência ao Desembargador Relator do RESE, com a intenção de dar efeito suspensivo ao recurso interposto – referido efeito seria para evitar a eficácia/aplicabilidade da decisão recorrida, assim, enquanto o recurso não fosse julgado o acusado não seria colocado em liberdade.
Ocorre que, com exceção das hipóteses previstas no art. 584 do CPP, o RESE possui apenas o efeito devolutivo misto, isto é: “há efeito duplo, pois permite que o juiz a quo possa reexaminar sua própria decisão e, caso a mantenha, o recurso será remetido para o tribunal ad quem. (LOPES JR., Locais do Kindle 21804-21805).
Ou seja: tendo em vista que a decisão que revoga prisão preventiva não está presente nas hipóteses do art. 584 do CPP, a estratégia utilizada pela acusação não está correta, uma vez que não possui amparo jurídico.
Contudo, na prática isso nem sempre é tão simples assim, pois diversas vezes o MP já logrou êxito em conceder efeito suspensivo ao RESE, a fim de manter o acusado preso preventivamente enquanto o recurso interposto não fosse julgado pelo Tribunal ad quem.
Assim, cabia a defesa, diante dessa ilegalidade, impetrar habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça para cassar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça competente, o qual conferiu o efeito suspensivo ao RESE em sede de mandado de segurança.
Isso porque o mandado de segurança é remédio constitucional utilizado pelo cidadão para impedir a prática de abusos e ilegalidades por parte do Estado (quando não seja sanável pelo habeas corpus ou habeas data), ou seja, é uma medida pró-cidadão, e não o contrário! Permitir a utilização de mandado de segurança para manter a prisão do acusado seria distorcer as regras e normas previstas em todo sistema constitucional.
Nesse sentido, importante citar precedente bastante didático da ministra Maria Thereza de Assis Moura:
"Da atenta leitura dos autos, não obstante as inflamadas teses sobre o cabimento ou não da prisão domiciliar na hipótese em liça, ao que cuido, quaestio outra emerge do caderno processual.
De fato, situação que se me apresenta é o exame da possibilidade de se conceder efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público.
O artigo 584 do Código de Processo Penal estatui, como regra, que o recurso em sentido estrito será recebido apenas no seu efeito devolutivo, somente lhe sendo atribuído o efeito suspensivo em casos de perda da fiança, de concessão de livramento condicional, da decisão: i) que denegar a apelação ou julgá-la deserta, ii) sobre a unificação de penas, iii) que converter a multa em detenção ou em prisão simples; sendo que o caso vertente não figura nessas hipóteses legais.
Ademais, não se mostra desapercebido que o manejo do mandado de segurança ministerial no Tribunal local ocorreu em 18.3.2017 (fls. 14/26) – dois dias antes da interposição do recurso em sentido estrito naquela Corte (fls. 56/66) -, sendo que o ajuizamento de petição no writ, requestando o efeito suspensivo ao recurso stricto sensu, data de 20.3.2017 (fls. 53/55), mesmo dia da decisão liminar monocrática aqui vergastada.
Diante dessas considerações, inconteste que dado proceder do Parquet causa espécie.
(…) Observe-se, inclusive, que esta Corte Superior tem proferido entendimento no sentido de não ser cabível a impetração de mandado de segurança pelo Parquet para conferir efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito interposto contra decisão que deferira liberdade ao réu.
Conclui-se, portanto, que o decisum do Desembargador do Tribunal de origem, data maxima venia, destoa dos precedentes deste Superior Tribunal de Justiça.
Dessarte, sobressai o fumus boni iuris e o periculum in mora a autorizar o deferimento da medida de urgência, inclusive superando-se a mens do enunciado sumular n.º 691 da Suprema Corte, visto que, no presente caso, o constrangimento ilegal manifesta-se dos autos. (HC n.º 392.806, STJ, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ 28.03.2017)
Como se vê no precedente transcrito, o art. 584 do Código de Processo Penal prevê, como regra, hipóteses limitadas para concessão de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, sendo certo que decisão que revoga prisão preventiva não está entre aludidas hipóteses.
Por fim, importante consignar que essa matéria foi debatida por tantas vezes perante o Superior Tribunal de Justiça que já foi devidamente sumulada:
"Súmula 604-STJ: O mandado de segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto pelo Ministério Público. (STJ. 3ª Seção. Aprovada em 28/2/2018, DJe 5/3/2018)
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REFERÊNCIAS
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva. Edição do Kindle.
Gustavo dos Santos Gasparoto
Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Pós-Graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais