goo.gl/woXSWT | Nestes tempos de embates ideológicos e políticos mais acirrados do que o tradicional Fla-Flu dos gramados, não são poucos os que beiram o desespero, levantam as mãos para os céus e indagam: e agora, quem poderá nos salvar? Existirá figura ou ferramenta capaz de dissipar a névoa de medo e incerteza que envolve o mundo que tanta gente anda a chamar de pós-moderno? É difícil arriscar um palpite certeiro, pelo menos no momento.
Recentemente, o escritor e advogado José Roberto de Castro Neves brindou os interessados nessa discussão sobre heróis possíveis e heróis improváveis com o livro Como os Advogados Salvaram o Mundo (Editora Nova Fronteira, 2018). Um mergulho na história da advocacia e de alguns de seus personagens que ajudaram a revolucionar a sociedade, ajudando-a a sair de situações difíceis.
Durante a palestra que ocorreu no Graciosa Country Club, em Curitiba, o autor ainda de livros como Ele, Shakespeare, Visto por Nós, Os Advogados (Edições de Janeiro, 2017) e Medida por Medida: O Direito em Shakespeare (Edições de Janeiro, 2016) foi lúcido ao direcionar a conversa para a importância da profissão para além do cotidiano quase automatizado entre o preenchimento de petições e idas a fóruns e cartórios (ainda que tais ações sejam feitas, quase que integralmente, por estagiários). Os personagens que desfilaram em sua fala, todos advogados, desempenharam papéis de enorme peso para o desenvolvimento e manutenção das relações sociais como as conhecemos hoje.
Os pontos por ele levantados, frutos de pesquisa rigorosa, jogam luz em temas como democracia, liberdade e representatividade. Foi dos antigos romanos aos dias atuais, passando por diversos conflitos e revoluções que contaram com advogados corajosos em sua linha de frente, sempre com a elegância e generosidade de alguém que domina o assunto e que visivelmente gosta de trocar conhecimento com outras pessoas – embora nem sempre seja uma troca justa.
O comentário mais comum que ouvi nos corredores depois da palestra girava em torno da forma única como José Roberto de Castro Neves contextualiza os acontecimentos de modo a frisar a real influência dos advogados em eventos tão conhecidos como a Revolução Gloriosa, a Paz de Vestfália, a Revolução Francesa e tantos outros. Poucos dentre os advogados presentes pareciam lembrar ou ter ciência de que aqueles homens, responsáveis por tamanhas mudanças, eram colegas de profissão.
No entanto, algo mais interessante aconteceu nos bastidores do evento oficial. Momentos antes, houve uma “mini-palestra” apenas para advogados e membros do clube, da qual pude participar graças à intervenção de uma das organizadoras do evento. Naquela pequena sala, rodeado pelos seus, o autor parecia mais à vontade e falou, entre outras coisas, sobre as transições que estamos presenciando com olhos atônitos. Mudanças rápidas, fugazes e que por vezes nos escapam dos dedos como areia fina que de vez em quando resvala nos olhos.
Os meios de comunicação estão mudando e com isso, o panorama que se desenha à frente pode parecer perturbador. Em um mundo onde a velocidade é elemento predominante, discursos perdem palavras, e textos perdem letras. A comunicação vai encolhendo cada vez mais, simulando uma falsa condensação, quando o que se tem na verdade é a perda de significados, um esvaziamento da palavra. O vocabulário empobrece e o diálogo vai se limitando a signos rasos. Talvez daí acabe por surgir um novo tipo de advogado para esta nova forma de comunicação. Aliado não apenas da tecnologia (como certamente tem que ocorrer), mas também dos vícios e limitações decorrentes dela. Um acontecimento que pode ser desastroso… Ou não. Vai saber.
Uma das maneiras de driblar algumas agruras deste possível destino pode ser o apego aos livros. Não puramente aos manuais, cartilhas e códigos; mas também aos deleites da ficção. Permitir-se o mergulho por outras culturas e visões de mundo pela simples prática da leitura. Afinal, ler nos conduz à alteridade, como já nos acenou muito acertadamente Harold Bloom. Conhecer o mundo que permeia o direito por meio de Balzac, Shakespeare, Machado de Assis, Borges, Boccaccio, Cervantes e tantos outros. Como bem disse o professor catedrático de Filosofia do Direito e Filosofia Social na Universidade de Salzburgo (AUT) Stephan Kirste, em entrevista para a atual edição da ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, “faltaria algo essencial ao Direito, se não existisse a Literatura. Ambas são formas de cultura, se influenciam reciprocamente e são muito úteis para a sua compreensão mútua”.
Venho insistindo, assim como outros autores, que não só de acórdãos e petições (que nem sempre são bem formuladas e escritas) vive o direito. Pelo menos não deveriam viver atrelados apenas a eles os que são responsáveis pela “manutenção da ordem”. De outra forma, como seria possível que estes profissionais, que lideraram grandes lutas por direitos hoje considerados essenciais, possam continuar a impulsionar transformações em tempos de crise? Pela comodidade do WhatsApp ou por posts indignados de 140 caracteres via Twitter? Dificilmente, acredito eu.
“Os advogados não são perfeitos. É claro”, bem nos lembra Castro Neves. “São seres humanos que têm na imperfeição uma de suas características mais marcantes e belas. Por outro lado, apenas enquanto humanos é que eles conseguem compreender a humanidade.” Enquanto essa humanidade dificilmente é encontrada na rigidez dos códigos ou na vertiginosa diluição da interação mediada por avanços tecnológicos, a ficção nos municia com os mais diferentes tipos e exemplares de humanidade. É um laboratório de experiências singulares que nos conectam e sensibilizam. A formação de um bom advogado ultrapassa a fórmula pronta, a bula de remédio e as facilitações.
Fato é que o mundo corre desenfreado, açoitado pelos problemas que o compõem enquanto tal. Guiá-lo em direção tranquila e acalmá-lo é trabalho dos mais duros. Mas é preciso tentar.
Se antes as pessoas mais preparadas ou dispostas para essa missão eram os advogados, hoje, diante do aparente enfraquecimento das instituições e da má formação intelectual de muitos profissionais da área, resta a pergunta: os advogados, em meio a tantas e rápidas transfigurações e déficits, ainda podem salvar o mundo? Alea jacta est.
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Jocê Rodrigues – Jornalista e editor. Colabora ou já colaborou com publicações como Revista da Cultura, Gazeta do Povo, Valor Econômico e Estadão
Fonte: www.jota.info
Recentemente, o escritor e advogado José Roberto de Castro Neves brindou os interessados nessa discussão sobre heróis possíveis e heróis improváveis com o livro Como os Advogados Salvaram o Mundo (Editora Nova Fronteira, 2018). Um mergulho na história da advocacia e de alguns de seus personagens que ajudaram a revolucionar a sociedade, ajudando-a a sair de situações difíceis.
Durante a palestra que ocorreu no Graciosa Country Club, em Curitiba, o autor ainda de livros como Ele, Shakespeare, Visto por Nós, Os Advogados (Edições de Janeiro, 2017) e Medida por Medida: O Direito em Shakespeare (Edições de Janeiro, 2016) foi lúcido ao direcionar a conversa para a importância da profissão para além do cotidiano quase automatizado entre o preenchimento de petições e idas a fóruns e cartórios (ainda que tais ações sejam feitas, quase que integralmente, por estagiários). Os personagens que desfilaram em sua fala, todos advogados, desempenharam papéis de enorme peso para o desenvolvimento e manutenção das relações sociais como as conhecemos hoje.
Os pontos por ele levantados, frutos de pesquisa rigorosa, jogam luz em temas como democracia, liberdade e representatividade. Foi dos antigos romanos aos dias atuais, passando por diversos conflitos e revoluções que contaram com advogados corajosos em sua linha de frente, sempre com a elegância e generosidade de alguém que domina o assunto e que visivelmente gosta de trocar conhecimento com outras pessoas – embora nem sempre seja uma troca justa.
O comentário mais comum que ouvi nos corredores depois da palestra girava em torno da forma única como José Roberto de Castro Neves contextualiza os acontecimentos de modo a frisar a real influência dos advogados em eventos tão conhecidos como a Revolução Gloriosa, a Paz de Vestfália, a Revolução Francesa e tantos outros. Poucos dentre os advogados presentes pareciam lembrar ou ter ciência de que aqueles homens, responsáveis por tamanhas mudanças, eram colegas de profissão.
No entanto, algo mais interessante aconteceu nos bastidores do evento oficial. Momentos antes, houve uma “mini-palestra” apenas para advogados e membros do clube, da qual pude participar graças à intervenção de uma das organizadoras do evento. Naquela pequena sala, rodeado pelos seus, o autor parecia mais à vontade e falou, entre outras coisas, sobre as transições que estamos presenciando com olhos atônitos. Mudanças rápidas, fugazes e que por vezes nos escapam dos dedos como areia fina que de vez em quando resvala nos olhos.
Os meios de comunicação estão mudando e com isso, o panorama que se desenha à frente pode parecer perturbador. Em um mundo onde a velocidade é elemento predominante, discursos perdem palavras, e textos perdem letras. A comunicação vai encolhendo cada vez mais, simulando uma falsa condensação, quando o que se tem na verdade é a perda de significados, um esvaziamento da palavra. O vocabulário empobrece e o diálogo vai se limitando a signos rasos. Talvez daí acabe por surgir um novo tipo de advogado para esta nova forma de comunicação. Aliado não apenas da tecnologia (como certamente tem que ocorrer), mas também dos vícios e limitações decorrentes dela. Um acontecimento que pode ser desastroso… Ou não. Vai saber.
Uma das maneiras de driblar algumas agruras deste possível destino pode ser o apego aos livros. Não puramente aos manuais, cartilhas e códigos; mas também aos deleites da ficção. Permitir-se o mergulho por outras culturas e visões de mundo pela simples prática da leitura. Afinal, ler nos conduz à alteridade, como já nos acenou muito acertadamente Harold Bloom. Conhecer o mundo que permeia o direito por meio de Balzac, Shakespeare, Machado de Assis, Borges, Boccaccio, Cervantes e tantos outros. Como bem disse o professor catedrático de Filosofia do Direito e Filosofia Social na Universidade de Salzburgo (AUT) Stephan Kirste, em entrevista para a atual edição da ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, “faltaria algo essencial ao Direito, se não existisse a Literatura. Ambas são formas de cultura, se influenciam reciprocamente e são muito úteis para a sua compreensão mútua”.
Venho insistindo, assim como outros autores, que não só de acórdãos e petições (que nem sempre são bem formuladas e escritas) vive o direito. Pelo menos não deveriam viver atrelados apenas a eles os que são responsáveis pela “manutenção da ordem”. De outra forma, como seria possível que estes profissionais, que lideraram grandes lutas por direitos hoje considerados essenciais, possam continuar a impulsionar transformações em tempos de crise? Pela comodidade do WhatsApp ou por posts indignados de 140 caracteres via Twitter? Dificilmente, acredito eu.
“Os advogados não são perfeitos. É claro”, bem nos lembra Castro Neves. “São seres humanos que têm na imperfeição uma de suas características mais marcantes e belas. Por outro lado, apenas enquanto humanos é que eles conseguem compreender a humanidade.” Enquanto essa humanidade dificilmente é encontrada na rigidez dos códigos ou na vertiginosa diluição da interação mediada por avanços tecnológicos, a ficção nos municia com os mais diferentes tipos e exemplares de humanidade. É um laboratório de experiências singulares que nos conectam e sensibilizam. A formação de um bom advogado ultrapassa a fórmula pronta, a bula de remédio e as facilitações.
Fato é que o mundo corre desenfreado, açoitado pelos problemas que o compõem enquanto tal. Guiá-lo em direção tranquila e acalmá-lo é trabalho dos mais duros. Mas é preciso tentar.
Se antes as pessoas mais preparadas ou dispostas para essa missão eram os advogados, hoje, diante do aparente enfraquecimento das instituições e da má formação intelectual de muitos profissionais da área, resta a pergunta: os advogados, em meio a tantas e rápidas transfigurações e déficits, ainda podem salvar o mundo? Alea jacta est.
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Jocê Rodrigues – Jornalista e editor. Colabora ou já colaborou com publicações como Revista da Cultura, Gazeta do Povo, Valor Econômico e Estadão
Fonte: www.jota.info