goo.gl/6txoR4 | Novembro chegou. Infelizmente de forma mais obscura e dura do que gostaríamos. Este é um mês que tem entre as datas dignas de nota o 25 de novembro - Dia de Luta pelo Fim da Violência contra as Mulheres. É aquele no qual se iniciam os 16 dias de ativismo - no 20 de novembro, Dia da Consciência Negra - encerrados no 10 de dezembro - Dia dos Direitos Humanos. Para nós, são muitos mais dias que 16.
Nas últimas décadas vínhamos avançando em descortinar as várias formas pelas quais e como a violência nos atinge. Das mais cruas e perversas, casos dos estupros e feminicídios, às mais sutis, que não deixa marcas visíveis, como o assédio. São as “sutilezas” que minam resistências e abrem caminho para o golpe final. No momento atual, quando as esferas superiores compactuam, estimulam, e consequentemente, deixam o campo aberto para a violência, estamos e estaremos cada vez mais expostos/as ao racismo, ao machismo, à homo/lesbo/transfobia. Não podemos, no entanto, nos abater. Há que seguir em frente pensando, discutindo, construindo conhecimento e alternativas de ação para criar/manter proteção e impor recuos às violências, das mais primitivas e armadas a outras.
A coluna desta semana traz como contribuição a reflexão de Rúbia Abs da Cruz. Sul-rio-grandense, advogada feminista e mestra em direitos humanos, ela trata da Lei 12.318 de 2010 sobre alienação parental, que conforme o seu artigo 2º é a interferência “na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por aqueles que as tenham sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor, ou cause prejuízo ao estabelecimento ou manutenção de vínculos com este”. A autora nos faz uma boa provocação.
Leia, comente, compartilhe!
Quando a Justiça é injusta
Por Rubia Abs da Cruz
Falarei aqui da proteção de crianças e adolescentes na aplicação da Lei da Alienação Parental. O assunto é delicado e não escrevo de forma definitiva, pois sequer as minhas reflexões o são. Mas inicio com o entendimento de que os princípios são mais fundamentais que as regras.
Por séculos as crianças não tiveram direitos assegurados, sendo vistas quase como propriedade dos adultos ou do Estado. A Constituição Federal, no entanto, já conferiu igualdade no tratamento às crianças e prioridade de proteção, amparada nas Convenções Internacionais específicas ratificadas pelo Brasil e contamos também com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Temos ainda a Lei Maria da Penha que cumpre um papel importante porque busca coibir a violência contra as mulheres e que, direta ou indiretamente, protege também pessoas vulneráveis no contexto familiar. A Lei dos Crimes Sexuais que determinou maiores penas aos estupradores de vulneráveis também busca proteger a família, considerando que a maioria das violações sexuais ocorrem no âmbito doméstico e familiar, em especial contra crianças, sendo os principais violadores os pais, seguidos dos padrastos.
Parecia relativamente assegurado o campo legal e protetivo de crianças e adolescentes e também das mulheres, até a Lei da Alienação Parental começar a ser aplicada. Embora pretenda garantir os direitos das crianças a ter contato e relacionamento com ambos genitores, acabou por mudar toda a lógica existente de proteção a mulheres e crianças no âmbito familiar, histórico lugar de opressão.
Importante destacar que a Lei tem base em uma “síndrome da alienação parental” não reconhecida mundialmente como síndrome e sequer elencada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no código de doenças internacionais – CID, embora exista um lobby internacional nesse sentido. À época da aprovação da Lei, o Conselho Nacional de Psicologia se posicionou contrário à patologização de problemas normais decorrentes de separações, em especial quando isso envolve filhos. Essa Lei não passou pelo crivo do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), quando de sua aprovação.
Apesar disso, mães estão perdendo a guarda pelo fato de impedirem o contato paterno, em geral por terem razões para isso, como nos casos em que sofrem agressões em frente aos filhos - que sentem medo e assim não querem ir com o pai. Mas também porque os próprios filhos sofrem negligências, violações e abusos paternos.
Entretanto, mesmo com provas de todas essas circunstâncias, a mulher não é vista como protetora do bem estar do filho, sendo muitas vezes acusada de alienadora. Seu testemunho é colocado em dúvida e as provas muitas vezes também são desconsideradas, entendidas como forjadas. As mães, em geral, são responsabilizadas caso ocorram problemas com seus filhos. Mesmo que seja o pai o acusado de violar. Há promotores de justiça que desaprovam fotos ou vídeo das crianças como meio de prova, pois consideram uma exposição. Pequenas lesões em crianças são desconsideradas. Relatos infantis, descartados.
As crianças não são ouvidas em audiência. Tudo ocorre através de terceiros, como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais terceirizados, abarrotados de trabalho e com honorários defasados. E normalmente com uma visão mais dura e conservadora sobre as mulheres/mães. Certamente que, para essa reflexão, temos que considerar o alcance do Poder Judiciário.
A Lei da Alienação Parental tem sido utilizada também, como uma forma de coibir as mulheres de denunciarem violações, pelo receio de perderem contato com seus filhos. Até a Lei Maria da Penha tem perdido força quando os homens acusam as mães de alienação parental. Alegam que a mulher criou a situação de violência para impedir o contato paterno, ou ainda que a própria mulher agride a criança para lhe culpabilizar.
Não é possível crer que uma única Lei possa subverter toda a rede protetiva dos direitos da criança, ignorando todas as violações históricas que estas sofrem no âmbito familiar, e pior, desconsiderando relatos maternos. Importante relembrar que para proteger as crianças e enfrentar essas violências foram criados os Conselhos Tutelares, assim como núcleos específicos no Ministério Público e Poder Judiciário.
Outro ponto fundamental se refere a decisões que liminarmente determinam a reversão da guarda. Isso é grave. E a forma como ocorre prejudica as crianças, pois realizada com mandado de busca e apreensão, com oficial de justiça e por vezes com policiais. No mínimo, a criança deveria ser preparada para esse momento drástico em sua vida: de rompimentos de vínculos afetivos e de confiança. Isso não pode ser visto com naturalidade e sim como uma exceção, por vezes necessária. O que será que a criança sente nessas circunstâncias?
Essa parte da legislação deve ser revista imediatamente, pois causa sofrimentos, aprendizados e experiências negativas, além de traumas que poderiam ser minimizados. Uma possível revogação dessa Lei também é viável, pois a proteção à criança já está devidamente assegurada em outros dispositivos legais citados. Alienação parental é somente um dos problemas decorrentes da separação dos pais, existem inúmeros outros aspectos a serem analisados. Conforme posição do próprio Conanda, consultado recentemente sobre o tema, essa Lei precisa ser imediatamente revista e artigos, revogados.
*(Foto meramente ilustrativa: reprodução Internet)
Por Carla Gisele Batista
Fonte: www.folhape.com.br
Nas últimas décadas vínhamos avançando em descortinar as várias formas pelas quais e como a violência nos atinge. Das mais cruas e perversas, casos dos estupros e feminicídios, às mais sutis, que não deixa marcas visíveis, como o assédio. São as “sutilezas” que minam resistências e abrem caminho para o golpe final. No momento atual, quando as esferas superiores compactuam, estimulam, e consequentemente, deixam o campo aberto para a violência, estamos e estaremos cada vez mais expostos/as ao racismo, ao machismo, à homo/lesbo/transfobia. Não podemos, no entanto, nos abater. Há que seguir em frente pensando, discutindo, construindo conhecimento e alternativas de ação para criar/manter proteção e impor recuos às violências, das mais primitivas e armadas a outras.
A coluna desta semana traz como contribuição a reflexão de Rúbia Abs da Cruz. Sul-rio-grandense, advogada feminista e mestra em direitos humanos, ela trata da Lei 12.318 de 2010 sobre alienação parental, que conforme o seu artigo 2º é a interferência “na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por aqueles que as tenham sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor, ou cause prejuízo ao estabelecimento ou manutenção de vínculos com este”. A autora nos faz uma boa provocação.
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Quando a Justiça é injusta
Por Rubia Abs da Cruz
Falarei aqui da proteção de crianças e adolescentes na aplicação da Lei da Alienação Parental. O assunto é delicado e não escrevo de forma definitiva, pois sequer as minhas reflexões o são. Mas inicio com o entendimento de que os princípios são mais fundamentais que as regras.
Por séculos as crianças não tiveram direitos assegurados, sendo vistas quase como propriedade dos adultos ou do Estado. A Constituição Federal, no entanto, já conferiu igualdade no tratamento às crianças e prioridade de proteção, amparada nas Convenções Internacionais específicas ratificadas pelo Brasil e contamos também com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Temos ainda a Lei Maria da Penha que cumpre um papel importante porque busca coibir a violência contra as mulheres e que, direta ou indiretamente, protege também pessoas vulneráveis no contexto familiar. A Lei dos Crimes Sexuais que determinou maiores penas aos estupradores de vulneráveis também busca proteger a família, considerando que a maioria das violações sexuais ocorrem no âmbito doméstico e familiar, em especial contra crianças, sendo os principais violadores os pais, seguidos dos padrastos.
Parecia relativamente assegurado o campo legal e protetivo de crianças e adolescentes e também das mulheres, até a Lei da Alienação Parental começar a ser aplicada. Embora pretenda garantir os direitos das crianças a ter contato e relacionamento com ambos genitores, acabou por mudar toda a lógica existente de proteção a mulheres e crianças no âmbito familiar, histórico lugar de opressão.
Importante destacar que a Lei tem base em uma “síndrome da alienação parental” não reconhecida mundialmente como síndrome e sequer elencada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no código de doenças internacionais – CID, embora exista um lobby internacional nesse sentido. À época da aprovação da Lei, o Conselho Nacional de Psicologia se posicionou contrário à patologização de problemas normais decorrentes de separações, em especial quando isso envolve filhos. Essa Lei não passou pelo crivo do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), quando de sua aprovação.
Apesar disso, mães estão perdendo a guarda pelo fato de impedirem o contato paterno, em geral por terem razões para isso, como nos casos em que sofrem agressões em frente aos filhos - que sentem medo e assim não querem ir com o pai. Mas também porque os próprios filhos sofrem negligências, violações e abusos paternos.
Entretanto, mesmo com provas de todas essas circunstâncias, a mulher não é vista como protetora do bem estar do filho, sendo muitas vezes acusada de alienadora. Seu testemunho é colocado em dúvida e as provas muitas vezes também são desconsideradas, entendidas como forjadas. As mães, em geral, são responsabilizadas caso ocorram problemas com seus filhos. Mesmo que seja o pai o acusado de violar. Há promotores de justiça que desaprovam fotos ou vídeo das crianças como meio de prova, pois consideram uma exposição. Pequenas lesões em crianças são desconsideradas. Relatos infantis, descartados.
As crianças não são ouvidas em audiência. Tudo ocorre através de terceiros, como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais terceirizados, abarrotados de trabalho e com honorários defasados. E normalmente com uma visão mais dura e conservadora sobre as mulheres/mães. Certamente que, para essa reflexão, temos que considerar o alcance do Poder Judiciário.
A Lei da Alienação Parental tem sido utilizada também, como uma forma de coibir as mulheres de denunciarem violações, pelo receio de perderem contato com seus filhos. Até a Lei Maria da Penha tem perdido força quando os homens acusam as mães de alienação parental. Alegam que a mulher criou a situação de violência para impedir o contato paterno, ou ainda que a própria mulher agride a criança para lhe culpabilizar.
Não é possível crer que uma única Lei possa subverter toda a rede protetiva dos direitos da criança, ignorando todas as violações históricas que estas sofrem no âmbito familiar, e pior, desconsiderando relatos maternos. Importante relembrar que para proteger as crianças e enfrentar essas violências foram criados os Conselhos Tutelares, assim como núcleos específicos no Ministério Público e Poder Judiciário.
Outro ponto fundamental se refere a decisões que liminarmente determinam a reversão da guarda. Isso é grave. E a forma como ocorre prejudica as crianças, pois realizada com mandado de busca e apreensão, com oficial de justiça e por vezes com policiais. No mínimo, a criança deveria ser preparada para esse momento drástico em sua vida: de rompimentos de vínculos afetivos e de confiança. Isso não pode ser visto com naturalidade e sim como uma exceção, por vezes necessária. O que será que a criança sente nessas circunstâncias?
Essa parte da legislação deve ser revista imediatamente, pois causa sofrimentos, aprendizados e experiências negativas, além de traumas que poderiam ser minimizados. Uma possível revogação dessa Lei também é viável, pois a proteção à criança já está devidamente assegurada em outros dispositivos legais citados. Alienação parental é somente um dos problemas decorrentes da separação dos pais, existem inúmeros outros aspectos a serem analisados. Conforme posição do próprio Conanda, consultado recentemente sobre o tema, essa Lei precisa ser imediatamente revista e artigos, revogados.
*(Foto meramente ilustrativa: reprodução Internet)
Por Carla Gisele Batista
Fonte: www.folhape.com.br