goo.gl/xwrSTQ | É comum o magistrado, na mais alta confiança em seu julgo, acreditar ser o mais capacitado para inquirir diretamente uma adolescente vítima de violência. Mas será que a oitiva de criança e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência exige algo a mais?
Na maioria das vezes, a criança pura torna-se sinônimo de “verdade embalada” e, muitas vezes, o despreparo técnico para extrair as informações, afasta o verdadeiro agressor e condena um inocente.
Recentemente “exames de DNA, nos Estados Unidos, mostraram que a identificação testemunhal errônea é responsável por um número maior de condenações indevidas do que todas as outras causas de erro combinadas” (ÁVILA, 2013, p.116).
Muitas pessoas estão presas em todo mundo pela criação de falsas memórias e os testemunhos sugestionados são os maiores responsáveis por tais injustiças.
Em outras situações, a criança e/ou adolescente podem ser induzidos a acusar um estranho ou qualquer outro mais distante, que não possam se defender da acusação, encobrindo, assim, o verdadeiro agressor. Habitualmente, são histórias não consistentes e que não se sustentam frente a uma argumentação mais detalhista. (World Health Organization. Guidelines for medico-legal care for victims of sexual violence) (PFEIFFER L, 2005).
Buscando a diminuição de condenações equivocadas, alinhada à experiência internacional e acompanhando as Diretrizes das Nações Unidas a Lei de Escuta Protegida (Lei 13.431/17) buscou normatizar o processo de escuta das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, “orientando a atuação dos atores envolvidos numa direção sempre uniformemente protetiva,” adotando protocolos específico a serem desenvolvidos por profissionais especializados,
O Conselho Nacional de Justiça pela Recomendação nº33/10 já determinava aos participantes de escuta judicial “ser especificamente capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva”.
Vale destacar que
O que a Lei da Escuta Protegida enuncia é que os procedimentos de oitiva serão realizados por profissionais capacitados ou especializados (arts. 5°, inciso XI, e 12), sem indicação, todavia, da formação técnica ou acadêmica destes.
Em nenhum momento determina que a realização da escuta protegida seja levada a efeito exclusivamente por intermédio de psicólogos e assistentes sociais, bastando que tenham recebido treinamento próprio e igualmente referendado pela Resolução n. 20/05 do ECOSOC (Diretrizes para a justiça em Assuntos envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de crimes).
Ocorre que esse treinamento pré-existente é para TODOS que participem do procedimento de Escuta Protegida – inclusive o magistrado (art. 1º).
Apesar do §1º do art. 12 da referida Lei permitir que a vítima ou testemunha de violência possa prestar depoimento “diretamente ao juiz, se assim o entender”, o procedimento que deverá ser adotado, de nenhuma forma, poderá ser o ordinário do CPP, mas sim os protocolos válidos e referendados para a escuta protegida e, só podem ser aplicado pelo magistrado se este também tiver tido a devida capacitação.
Os protocolos são normas que completam a presente lei, antecede a própria oitiva, devendo a defesa ter prévio acesso e ciência (Art. 11).
A aplicação correta dos protocolos confere credibilidade ao relato, pois se baseia nas metodologias mais avançadas e testadas cientificamente, que garantem rigor técnico e qualidade da prova coletada, para que a escuta e/ou o depoimento não tenha sugestionamentos, direcionamentos ou contaminação da memória das crianças e adolescentes em situação de violências.
Firmando-se como uma regra protocolar fundante da validade da norma. Insurge como enunciado sistematizador de suas relações. O deixar de cumprir tal preceito (utilização dos protocolos) acaba por retirar qualquer relação de pertinencialidade com o sistema que está inserido, onde uma vez declaradas insubsistentes, remetem à própria nulidade.
Se há toda uma ordem legal estruturada em razão da observância da proteção tanto da vítima (revitimização) quanto do acusado (entrevista estruturada para evitar falsas memórias) nada justifica o desrespeito a tal ordem, devendo a defesa estar atenta ao cumprimento de tal regramento.
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REFERÊNCIAS
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memória e Sistema Penal : A Prova Testemunhal em Xeque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.116.
PFEIFFER L, Salvagni EP. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. J Pediatr (Rio J). 2005;81(5 Supl):S197-S204.
TABAJASKI, Betina, PAIVA, Cláudia Victolla; VISNIEVSKI, Vanea Maria. Um novo olhar sobre o testemunha infantil. In: POTTER, Luciane, BITTENCOURT, Cézar Roberto (Org.). Depoimento sem dano: por uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 65-66
Por Dionisio Fábio Dalcin Mata
Fonte: Canal Ciências Criminais
Na maioria das vezes, a criança pura torna-se sinônimo de “verdade embalada” e, muitas vezes, o despreparo técnico para extrair as informações, afasta o verdadeiro agressor e condena um inocente.
Recentemente “exames de DNA, nos Estados Unidos, mostraram que a identificação testemunhal errônea é responsável por um número maior de condenações indevidas do que todas as outras causas de erro combinadas” (ÁVILA, 2013, p.116).
Muitas pessoas estão presas em todo mundo pela criação de falsas memórias e os testemunhos sugestionados são os maiores responsáveis por tais injustiças.
Em outras situações, a criança e/ou adolescente podem ser induzidos a acusar um estranho ou qualquer outro mais distante, que não possam se defender da acusação, encobrindo, assim, o verdadeiro agressor. Habitualmente, são histórias não consistentes e que não se sustentam frente a uma argumentação mais detalhista. (World Health Organization. Guidelines for medico-legal care for victims of sexual violence) (PFEIFFER L, 2005).
Buscando a diminuição de condenações equivocadas, alinhada à experiência internacional e acompanhando as Diretrizes das Nações Unidas a Lei de Escuta Protegida (Lei 13.431/17) buscou normatizar o processo de escuta das crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, “orientando a atuação dos atores envolvidos numa direção sempre uniformemente protetiva,” adotando protocolos específico a serem desenvolvidos por profissionais especializados,
O Conselho Nacional de Justiça pela Recomendação nº33/10 já determinava aos participantes de escuta judicial “ser especificamente capacitados para o emprego da técnica do depoimento especial, usando os princípios básicos da entrevista cognitiva”.
Vale destacar que
"a Entrevista Cognitiva é uma técnica de entrevista de caráter investigativo, voltada para a coleta de testemunho adulto e infantil. A EC é baseada nos conhecimentos científicos sobre a cognição humana e sobre a comunicação social e vem sendo utilizada em diversos países, com constatação de alto nível de fidedignidade e obtenção de maior número de informações durante a Coleta de testemunhos quando comparada a outros métodos da entrevista (TABAJASKI; PAIVA; VISNIEVSKI. 2010. p. 65-66).Até então chamado “Depoimento Sem Dano” essas regras procedimentais já buscavam minimizar “qualquer trauma à criança enquanto maximiza a qualidade da informação recebida” (Resolução nº20/2005-ECOSOC).
O que a Lei da Escuta Protegida enuncia é que os procedimentos de oitiva serão realizados por profissionais capacitados ou especializados (arts. 5°, inciso XI, e 12), sem indicação, todavia, da formação técnica ou acadêmica destes.
Em nenhum momento determina que a realização da escuta protegida seja levada a efeito exclusivamente por intermédio de psicólogos e assistentes sociais, bastando que tenham recebido treinamento próprio e igualmente referendado pela Resolução n. 20/05 do ECOSOC (Diretrizes para a justiça em Assuntos envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de crimes).
Ocorre que esse treinamento pré-existente é para TODOS que participem do procedimento de Escuta Protegida – inclusive o magistrado (art. 1º).
Apesar do §1º do art. 12 da referida Lei permitir que a vítima ou testemunha de violência possa prestar depoimento “diretamente ao juiz, se assim o entender”, o procedimento que deverá ser adotado, de nenhuma forma, poderá ser o ordinário do CPP, mas sim os protocolos válidos e referendados para a escuta protegida e, só podem ser aplicado pelo magistrado se este também tiver tido a devida capacitação.
Os protocolos são normas que completam a presente lei, antecede a própria oitiva, devendo a defesa ter prévio acesso e ciência (Art. 11).
A aplicação correta dos protocolos confere credibilidade ao relato, pois se baseia nas metodologias mais avançadas e testadas cientificamente, que garantem rigor técnico e qualidade da prova coletada, para que a escuta e/ou o depoimento não tenha sugestionamentos, direcionamentos ou contaminação da memória das crianças e adolescentes em situação de violências.
Firmando-se como uma regra protocolar fundante da validade da norma. Insurge como enunciado sistematizador de suas relações. O deixar de cumprir tal preceito (utilização dos protocolos) acaba por retirar qualquer relação de pertinencialidade com o sistema que está inserido, onde uma vez declaradas insubsistentes, remetem à própria nulidade.
Se há toda uma ordem legal estruturada em razão da observância da proteção tanto da vítima (revitimização) quanto do acusado (entrevista estruturada para evitar falsas memórias) nada justifica o desrespeito a tal ordem, devendo a defesa estar atenta ao cumprimento de tal regramento.
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REFERÊNCIAS
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memória e Sistema Penal : A Prova Testemunhal em Xeque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.116.
PFEIFFER L, Salvagni EP. Visão atual do abuso sexual na infância e adolescência. J Pediatr (Rio J). 2005;81(5 Supl):S197-S204.
TABAJASKI, Betina, PAIVA, Cláudia Victolla; VISNIEVSKI, Vanea Maria. Um novo olhar sobre o testemunha infantil. In: POTTER, Luciane, BITTENCOURT, Cézar Roberto (Org.). Depoimento sem dano: por uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 65-66
Por Dionisio Fábio Dalcin Mata
Fonte: Canal Ciências Criminais