O fator tempo pode definir o sucesso do profissional do Direito - Por Vladimir Passos

goo.gl/XMB2LG | Todos os que se dedicam ao Direito, do estudante ao ministro do Supremo Tribunal Federal, colocam a falta de tempo entre os seus principais problemas. O mundo cibernético, que veio para facilitar a vida das pessoas, acelerou nossas atividades, mas não diminuiu nossas obrigações.

Crianças de poucos anos de idade cumprem uma agenda diária de executivo, exigida por pais que sonham vê-los vencendo na vida adulta. Jovens transitam das aulas de idiomas para cursinhos. Estudantes de Direito enfrentam além das notas, projetos de iniciação científica, matérias não curriculares, TCC, exame da OAB e ouvem, assustados, que a inteligência artificial tomará seus postos de trabalho. Profissionais trabalham dobrado, premidos por resultados, estatísticas, contas a pagar e a necessidade de demonstrar sucesso nas redes sociais.

Talvez este não seja o melhor dos mundos. Mas é o que aí está. Não é impossível rejeitar as imposições sociais impostas, mas há um preço a pagar. Viver fora do sistema pode resultar em sensação de insignificância, falta de acesso a bens e serviços de qualidade, monotonia ou isolamento.

Se a opção for viver dentro do sistema, o tempo tem que ser bem aproveitado. Se for o oposto, tempo haverá de sobra, mas com poucas possibilidades interessantes de uso. Cada um escolhe o seu caminho.

Aos que decidem enfrentar a luta, é preciso, para ela, preparar-se. Física, cultural e socialmente. Não se chega a lugar nenhum sem disposição, energia, e elas só existem se, além de uma boa alimentação, houver exercícios e sono regular. A base cultural é o segundo requisito. Sem um português correto, noções de história, literatura, economia e outras áreas, não existe compreensão do Direito. E sem vida social, leia-se amigos, conhecidos, conexões, grupos de interesse, é quase impossível a ascensão profissional.

Mas para alcançar o equilíbrio estre estes três fatores, e ainda achar tempo para a família, amizades não profissionais, lazer e outras facetas da vida, é imprescindível maximizar o uso do tempo. Não para tornar-se um mero rotineiro cumpridor de obrigações mecânicas, mas sim para conciliar as diferentes exigências e desfrutar ao máximo os bons momentos.

Acordar cedo é um bom começo. Diz o ditado: “Deus ajuda quem cedo madruga”. Mas nem todos conseguem, há os que acordam tarde e produzem mais de madrugada.

Seja qual for a exigência corporal, os 30 primeiros minutos do dia podem ser dedicados às redes sociais, colocando a correspondência em dia. Este período de tempo pode ser renovado à tarde e à noite. E só. Permanecer o dia inteiro a consultar o Facebook e a responder no WhatsApp é dispersão de esforços, com resultados negativos. Resulta em tempo não usado para o estudo, a leitura ou o esporte.

A comunicação pessoal ou por telefone são importantes. Mas há limites. Ficar 45 minutos a conversar com quem conheceu no momento na fila da agência lotérica, é perder tempo precioso de forma inútil. Da mesma forma, ficar ao telefone a ouvir aqueles que não têm outra coisa a fazer a não ser narrar suas desditas. Não faz sentido.

Mas há ocasiões em que perder tempo é inevitável. Se o médico marca a consulta para as 15h e atende às 16h30 a hora e meia não pode ser perdida com a leitura de revistas cuja matéria principal é a separação da artista da novela das nove e seu marido, após quatro meses de feliz união conjugal. Não. Nestas situações é preciso agir de forma preventiva, tal qual o CPC orienta nas ações civis. Leva-se o livro ou artigo jurídico cuja leitura vem sendo adiada e dá-se utilidade à hora e meia perdida.

Se o nosso tempo é precioso, o tempo dos outros é também. O Facebook não é o local para mandar mensagens com 6 parágrafos e 9 indagações. Palestras não devem passar de trinta minutos, pois depois dos vinte a maioria dos presentes está vendo as novidades no celular. Perguntas em congressos são indagações objetivas e não a oportunidade para mostrar aos outros sua própria importância, fazendo uma palestra paralela que a ninguém interessa. Perguntas inúteis em audiência revelam ignorância do que realmente importa e ausência de senso de oportunidade.

Em alguns casos, a imposição de perda de tempo a terceiros é mais grave, vai da maldade à prevaricação. Por exemplo, um servidor do órgão gestor do FGTS que, ao invés de liberar o dinheiro dos herdeiros,  já autorizado por alvará judicial, obriga-os a seguidos comparecimentos, exigindo, em cada encontro, mais um documento do finado, como cópia da carteira de identidade. Sob a aparência de um funcionário responsável, está um ser humano insensível às dores e necessidades do próximo.

Este tipo de situação, a que ironicamente chamo de SEI (“sucessivas exigências indevidas”), pode ser encontrada em outras relações jurídicas, principalmente nas repartições públicas. Por exemplo, em pedido de licença ambiental feito por uma empresa, esta necessita de resposta definitiva para formalizar um empréstimo bancário ou cumprir outros compromissos. No entanto, as exigências se renovam sem respeito ao tempo alheio. Ora, decida-se sim ou não,  pedindo em uma só vez todos os documentos e diligências necessárias.

A perda do tempo alheio, por vezes, é imperceptível, mas nem por isso menos grave. A autoridade policial que recebe cópias de um processo administrativo contra um servidor público, por exemplo porque facilitou a entrada de contrabando de cigarros do Paraguai, fará um bem à sociedade se limitar-se a indiciar o autor e só promover outra diligência se for imprescindível. Sua ação ágil, relatando e enviando o inquérito policial à Justiça, possivelmente permitirá que o infrator seja julgado em breve tempo. Mas se proceder de forma contrária, repetindo sem utilidade alguma tudo o que se fez na esfera administrativa, com certeza levará o caso para a prescrição.

Finalmente, registre-se que tempo, na forma de prazos e marcos temporais, existem para que a sociedade possa organizar-se através e dentro do Estado de Direito. Assim, revela infantilidade aquele que se sente injustiçado porque seu atraso na entrega da contestação foi apenas de horas. Ou achar-se vítima da incompreensão do juiz, porque completou dezoito anos no dia seguinte ao da prática de um crime, sem poder receber o tratamento privilegiado dispensado aos menores.

O tempo, nos seus vários aspectos e circunstâncias, está a merecer maior atenção dos atores jurídicos, quem sabe até através de cursos de extensão. Desprezá-lo de forma indisciplinada, pode até ser simpático como forma de encarar-se a vida com maior flexibilidade, mas, com certeza, acarreta resultados desastrosos para os violadores das regras legais ou sociais.

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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Fonte: Conjur
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