Honorários Advocatícios nas Cobranças Extrajudiciais ou Judiciais - Por Yuri Valens Veloso

goo.gl/1QLryz | Em nosso cotidiano, é muito comum realizarmos diversos tipos de contratos com outras partes. Desde o de compra e venda até os de prestação de serviço.

Quando um contratante deixa de efetuar a sua contraprestação, em quase todos os casos, a demora está relacionada ao pagamento de alguma quantia em espécie, ocorrendo mora (art. 394 do CC).

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Essa mora de pagamento faz com que incidam algumas “penalidades” para o devedor. Atualmente, a mais comum é a cobrança de juros simples a taxa de 1% ao mês (art. 406 do Código Civil, c/c art. 161, § 1º do CTN), multa de mora (já vimos em artigo anterior a existência da multa de mora direta e a indireta e os seus limites legais) e atualização monetária.

Está cada vez mais comum encontrarmos, na cláusula de ausência de pagamento, um dispositivo que permite ao contratado cobrar um valor relacionado a honorários advocatícios, em caso de cobranças judicias e extrajudiciais.

Tal cláusula específica está relacionada à mora do devedor, acarretando uma “penalidade” maior. Geralmente, é estipulado, para os honorários, um percentual de 10% para cobrança extrajudicial e 20% para cobrança judicial.

A dúvida que existe é quanto a legalidade da inserção desse dispositivo.

Em primeira análise, essa penalidade pode parecer abusiva, pois o inadimplente já sofre o ônus dos juros de 1% ao mês, mais multa de mora (que pode ser de 2% ou 10%) e atualização monetária.

Para ficar mais nítido, apresentamos o exemplo a baixo:

Obrigação de pagamento no valor de R$ 1.000,00 venceu dia 01/10/2018. O pagamento ocorreu dia 01/11/2018. Juros 1% a.m., multa de mora 2% e índice de correção INPC.

Data / Valor / CM / Juros / Multa 2% / Total

01/10/2018 / 1.000,00 / 1,00400 / 10,04 / 20,28 / 1.034,32

Extrajudicial 10% / Total / Judicial 20% / Total

103,43 / 1.137,75 / 206,86 / 1.241,18

Percebam a diferença entre os valores. Sem a cobrança dos honorários advocatícios, a dívida seria de R$ 1.034,32. Para cobrança Extrajudicial, seria R$ 1.137,75 e, por fim, para Judicial, seria R$ 1.241,18.

Observem que o valor do título (R$ 1.000,00) aumentou em 13,775% na fase extrajudicial e 24,118% na judicial para apenas um mês de atraso. Aumentos consideráveis para pouco tempo de inadimplência.

A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça editou a Portaria n.º 4, em 1998, para considerar como nulas de pleno direito as cláusulas que "obriguem o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que haja ajuizamento de ação correspondente".

CONSIDERANDO o disposto no artigo 56 do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, e com o objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, notadamente para o fim de aplicação do disposto no inciso IV do art. 22 deste Decreto;

CONSIDERANDO que o elenco de Cláusulas Abusivas relativas ao fornecimento de produtos e serviços, constantes do art. 51 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é de tipo aberto, exemplificativo, permitindo, desta forma a sua complementação, e

CONSIDERANDO, ainda, que decisões terminativas dos diversos PROCON’s e Ministérios Públicos, pacificam como abusivas as cláusulas a seguir enumeradas, resolve:

Divulgar, em aditamento ao elenco do art. 51 da Lei nº 8.078/90, e do art. 22 do Decreto nº 2.181/97, as seguintes cláusulas que, dentre outras, são nulas de pleno direito:

9. obriguem o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que haja ajuizamento de ação correspondente;

A portaria só limitou em considerar nulas as cobranças extrajudiciais. Pode parecer lógico esse dispositivo, pois no rol privativo dos advogados consta somente a postulação ao poder judiciário. Sendo assim, não faz sentido onerar o consumidor com honorários advocatícios extrajudiciais, sendo que essa cobrança pode ser efetuada por empresas especializadas (CNAE 8291-1/00).

Outro ponto chave é que a Portaria se limita às relações consumeristas. O que excluí qualquer nulidade da inserção desse dispositivo nos contratos triangulares, nos quais o Contratante não é o destinatário final do produto ou serviço e sim um mero intermediário.

Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor:

Art. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Exemplo 01: A OI SA contrata a Telemont para que esta instale Telefone e Internet para os clientes daquela. Deste modo, como a OI não é o destinatário final do serviço da Telemont, esta não está sujeita as regras do Código de Defesa do Consumidor.

Exemplo 02: Uma Indústria vende produtos para uma empresa Varejista, e esta vende a mercadoria para o consumidor final. A Varejista não é o consumidor final, logo o contrato firmado entre as empresas não está sujeito as regras do CDC.

Da mesma forma ocorre entre Indústria para Atacadista e Atacadista para Varejista.

Assim, a portaria se limitava as relações de consumo e para cobranças extrajudiciais.

Contudo, em 2002 veio o Novo Código Civil, que deu validade para essas cláusulas através da redação dos arts. 389, 395 e 404, prevendo expressamente a responsabilidade do devedor em efetuar o pagamento dos honorários advocatícios.

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Como a nova norma não foi taxativa, ou seja, não limitou em qual patamar da cobrança (judicial ou extrajudicial) pode haver a inserção do ônus dos honorários, ficou válida em qualquer um dos meios. Além de não limitar também a aplicação às relações de consumo.

Assim, o Código Civil, por ser uma Lei, está a cima de uma Portaria. Com isso, pode-se dizer que houve a "revogação tácita" desse item da Portaria, por ser incompatível com uma norma superior.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ já reconhece como válida essas cláusulas, mesmo nas relações de consumo, desde que haja expressa previsão contratual.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. RELAÇÃO DE CONSUMO. PREVISÃO CONTRATUAL DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM CASO DE MORA OU INADIMPLEMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Nas relações de consumo, havendo expressa previsão contratual, ainda que em contrato de adesão, não se tem por abusiva a cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais em caso de mora ou inadimplemento do consumidor.

2. Agravo interno não provido.

AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.571.053 - AL (2015/0303666-7)

Portanto, não existe qualquer abusividade e/ou ilegalidade na cobrança dos honorários advocatícios relacionados a simples mora ou inadimplência da parte. Contudo, para dar validade a esse ônus, recomenda-se que se coloquem expressamente os valores cobrados na mesma cláusula que trata dos valores incidentes sobre a mora do pagamento. Para os mais conservadores, redigir a cláusula nos moldes do art. 54, § 4º do CDC.

Art. 54. ...

§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.


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Yuri Valens Veloso Rodrigues
Advogado. Contador. Escritor. Palestrante.
Advogado-sócio do escritório Valens Advocacia, Contador-sócio da empresa Sevilha Contabilidade - Unidade Goiânia, Especialista em Planejamento Triburário pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Membro da Comissão das Sociedades de Advogados (CSA) e da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-GO. Palestrante. Articulista. Escritor.
Fonte: Jus Brasil
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