'O problema está nos cursos de Direito ou o Exame da OAB é elaborado para reprovar?'

goo.gl/M1jtmw | A aplicação do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), nos moldes atuais, está com dias contados se depender do futuro governo. As manifestações do próprio presidente eleito Jair Bolsonaro acerca da prova da OAB levantaram questionamentos sobre a qualidade do processo avaliativo para bacharéis em Direito.

Com olho no contexto jurídico, sobre a exclusão do exame, o site Justiça Em Foco conversou com Carlos Schneider, presidente da Associação Nacional dos Bacharéis em Direito (ANB). Schneider, que atua na reformulação da prova, ressalta como o exame prejudica o mercado de trabalho na área jurídica em todo o Brasil.

A seguir, trechos do bate-papo:

Por que a Associação Nacional de Bacharéis em Direito premiou o senador José Medeiros?

Carlos Schneider: A Associação Nacional dos Bacharéis em Direito escolhe todos os anos dois políticos em destaque. Agentes públicos que proferiram em causa dos bacharéis em Direito, por estarem excluídos do mercado de trabalho por conta do Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Neste ano foram escolhidos o deputado federal Jair Messias Bolsonaro [eleito presidente da República], que recebeu o Certificado de Honra ao Mérito pelos seus discursos proferidos em Plenário da Câmara Federal.

Prestigiamos também o senador José Medeiros, devido sua atuação no projeto que prevê a extinção do Exame da OAB, nos termos como ele é aplicado hoje. Entendemos que o senador, no seu discurso de plenário, foi muito feliz por enfatizar aquilo que o bacharel vivencia na atualidade, aquele não inscrito na OAB. Este que estuda média cinco anos na faculdade, gastando fortunas, pagando financiamentos estudantis. E assim, o senador tem prestado relevante importância, em defesa do Direito ao exercício da profissão de advogado.

O bacharel em Direito sai da faculdade com o título de advogado. Ele faz o exame final na instituição de ensino, também o Trabalho de Conclusão de Curso. No outro dia, depois do momento em que ele cola grau, o certificado não tem valor algum. Ao se formar como médico, por exemplo, no outro dia o profissional já pode estar com o seu consultório aberto, trabalhando sob a regência do seu diploma.

A partir de 2019 haverá uma reformulação do Exame da OAB, defendida por figuras políticas que já se manifestaram contra o Exame da maneira como está?

Carlos Schneider: Sim, nós acreditamos. Em primeiro lugar porque nós temos um presidente que desde 2012 vem corriqueiramente se posicionando publicamente de maneira contrária ao exame no formato como ele é aplicado hoje. Vale ressaltar que não somos contrários a avaliação do ensino público, mas ele deve ser realizado durante o período de graduação, e não quando o bacharel já está com o seu diploma. Se o bacharel em Direito diplomado é submetido a um exame a posteriori para saber se tem qualificação, o seu diploma não tem valor algum.

Por isso, acreditamos que deve haver uma profunda modificação a partir do próximo ano nessa matéria do ensino superior. Creio que não apenas para a área do Direito, mas de todos os demais cursos de graduação, pois existe a necessidade de se tratar dessa mudança.

Hoje, qual é a estrutura que a ANB tem para combater ou reformular o Exame da OAB?           

Carlos Schneider: Contamos hoje com mais de 3 mil filiados, um número expressivo porque não são apenas os filiados que estão vinculados à ANB, mas também os seus familiares e amigos. Veja, o fato de se filiar a ANB não é apenas por entender que a prova é injusta ou não deveria ser aplicada. Muitos dos filiados já fizeram a prova uma, duas, três, quatro vezes e sabem que é uma prova mais difícil do que a própria magistratura.

O modelo atual não é um critério de avaliação. Quando se fala em conhecimentos, é preciso estabelecer os limites do conhecimento mínimo, que a OAB até hoje não soube delimitar: o que é mínimo e o que é máximo. Na verdade, não existe nem mínimo ou máximo no ensino, ou você sabe ou não sabe.

A estrutura que a ANB concede aos seus filiados e a todos que gravitam em torno dela, é emprestar socorro dessa matéria relacionada ao fim do Exame da OAB, além de auxiliar os agentes políticos na construção de uma nova consciência jurídica. Temos uma ampla estrutura de técnicos, de profissionais, próprios bacharéis em Direito com uma bagagem de conhecimento que podem emprestar o auxílio jurídico.

Especialistas, não apenas do Direito, avaliam que esse critério da OAB burocratiza o setor. A ANB também entende dessa maneira?

Carlos Schneider: Não, nós entendemos que o exame da ordem dos advogados do Brasil é um caça-níquel. Não tem nenhum concurso público que cobra R$ 250 para você fazer uma prova. Além disso, é uma reserva de mercado. É uma seleção de pessoas através da OAB, para ver quem pode e quem não pode ser advogado, algo desumano. E isso tem que ser estabelecido lá no início. Temos que nos atentar que o bacharel, quando entra na faculdade, ele sabe que tem cinco anos de estudo para cumprir, com uma ampla grade curricular.

O curso de Direito hoje é um dos cursos mais caros, depois de medicina. O estudante tem que fazer o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), além de dois anos de estágio. O TCC por si só é algo extremamente difícil. No final do curso ele recebe o seu diploma, para que? O que vale o diploma no dia seguinte? Nada. Então, nós entendemos que essa prova é seletiva, discriminatória, ela é excludente, não avalia, exclui o bacharel.

Agora, somos a favor que o ensino seja avaliado pelo MEC, sendo com ou sem a participação da OAB. E deve acontecer no processo que envolve o estágio, o estágio supervisionado. Ele [bacharel] pode ser supervisionado pelos advogados que são professores, pelos doutores que são professores, ou até pela própria OAB se ela tiver o interesse em participar do processo de formação. Se você avalia o Direito, tem que avaliar todos os outros cursos. Nenhuma outra graduação é avaliada de maneira semelhante ao Exame da OAB. Então, a isonomia é o processo que estamos buscando.

Autoridades avaliam que a importância do Exame de advogado é devido a profissão de advogado ter um impacto social muito relevante. Como a ANB se posiciona?

Carlos Schneider: Será que ela [advocacia] é mais importante do que a própria vida? Hoje não existe um curso mais importante do que outro. Um edifício mal construído ou mal calculado por um engenheiro pode matar quantas pessoas? Ao fazer uma cirurgia, um médico é menos importante do que um advogado? Ou seja, a minha vida vale mais do que a advocacia.

Na verdade, é o juiz quem vai dizer se uma peça [judicial], preparada pelo advogado, está mal elaborada, ou que está ruim. O advogado é apenas um meio, e não um fim porque ele elabora o trabalho jurídico e submete a avaliação do juiz.  O juiz é quem vai dizer se a peça está boa, se os argumentos empestados naquela causa são importantes e relevantes, não pode ser mais do que isso. Ele [ o advogado] é importante na representação da lei e da justiça, para a administração da justiça e não apenas para a Ordem dos Advogados do Brasil.

Como está o mercado de trabalho para o bacharel em Direito hoje?

Carlos Schneider: Quem seleciona o profissional hoje é o mercado de trabalho. Existe uma corrente dita pela Ordem dos Advogados do Brasil, afirmando que existem algo em torno de 2,5 milhões de bacharéis em Direito no mercado de trabalho sem inscrição, e estes não estariam aptos ao exercício da profissão.

Não é verdade e o que é dito sobre isso é uma grande farsa! Pedimos um expediente para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que nos informasse o índice de advogados formados em Direito despejados no mercado de trabalho nos últimos dez anos. O número não passou de 950 mil. Atualmente, pouco mais de 460 mil bacharéis em Direito não estão inscritos e fora do mercado de trabalho. Ou seja, esses dados da OAB são fictícios, criados apenas para o impressionismo. Vejo que há muito fogo em palha que se evapora e faz um estrago feio.

Em outra análise feita pela ANB, universidades renomadas no campo do Direito como a USP, a UFRGS, cerca de 70% dos estudantes reprovam na prova da OAB. Então, será que o problema está na universidade ou a prova é elaborada para reprovar? Se tem uma reprovação de até 20% é algo considerado normal. Mas se passar de 20%, o problema está na prova, e não no avaliado.

Precisa de uma reformulação no curso de direito como um todo?

Carlos Schneider: O exame da OAB, nos teores como está, não concordamos. Outro detalhe que chama muito a atenção é o preço cobrado, o valor de R$ 270 por exame para fazer a primeira e a segunda fase. Cerca de 80% são reprovados na primeira fase sem fazer a segunda fase, mas já pagaram pelo “pacote”. Isso não se caracteriza enriquecimento sem causa!? É retirar do bolso do coitado recém-formado que paga o Fies. Já acompanhei casos que infelizmente acabaram em suicídio, por conta dessa pressão psicológica provocada pelo exame da OAB. São muitas histórias que infelizmente tiveram esse fim trágico, sem os olhos das autoridades públicas sobre o assunto. É um tratamento desumano que não pode mais continuar.

Da redação (Justiça Em Foco) com Mário Benisti
Fonte: www.justicaemfoco.com.br
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