goo.gl/fGqmZt | Nos países cujas sociedades foram formadas sob o império da corrupção sistêmica (leia-se, nas corruptolândias), as Cortes Supremas de Justiça ou constitucionais foram todas programadas, desde 1787, quando se discutiu na Assembleia Constituinte dos EUA a criação da Corte norteamericana, para serem uma vergonha, um puxadinho que vive às sombras dos demais poderes, posto que estruturalmente destinadas a proteger e garantir a impunidade das elites dirigentes da nação (pouco importando se são de esquerda, centro ou direita).
Para alcançar essa finalidade abjeta e antirrepublicana (predomínio do elitismo sobre a cidadania) a escolha dos ministros no Brasil continua sendo feita por indicação política do Presidente da República, que é sucedida de uma sabatina formal no Senado, que se parece muitas vezes a um espetáculo circense.
Numa corruptolândia como o Brasil esse método de seleção se traduz numa pouca-vergonha inominável, porque a ele se soma o abominável foro privilegiado (para as autoridades que escolhem os juízes), que se complementa com a falta de estrutura dos tribunais. Daí a lentidão que é o combustível alimentador das inúmeras prescrições, geradoras de impunidade.
O STF (nascido em 1890) tem decisões históricas importantes, mas seu saldo, do ponto de vista da cidadania, é negativo. Não é verdade, de qualquer modo, que ele seja somente desonra, covardia, velhacaria, submissão e vassalagem.
Quando, em 2016, nossa Corte Máxima afastou um ex-presidente da Câmara dos Deputados (Cunha) das suas funções, fez algo muito relevante para a República. Diga-se a mesma coisa sobre a prisão de um senador no exercício das suas funções (Delcídio). Até então, tudo isso era muito inusitado.
No mensalão os juízes da Corte atuaram com firmeza de caráter, recusando cumprir o papel de vassalos protetivos dos seus senhores, responsáveis pelas suas nomeações para tão alto cargo. No total, 25 pessoas foram condenadas. A execução da pena após 2º grau também foi uma novidade comemorada, mas isso deveria ter sido feito pelo legislador.
De qualquer modo, ao longo da sua existência, o STF foi muito mais gerador de controvérsias e de desonra que apaziguador ou moderador. Atendeu muito mais os interesses das elites dirigentes (de esquerda, centro ou direita) que os da cidadania.
Seguindo o historiador Marco Antonio Villa podemos recordar vários momentos pouco dignificantes do nosso Tribunal Supremo. Floriano Peixoto, aquele que quis nomear três generais e um médico para compô-lo, disse (num determinado caso): “Se o Supremo der o habeas corpus para fulano eu quero ver quem é que vai dar habeas corpus para os ministros”. A medida, claro, foi negada.
Desde a proclamação da República (1889) constata-se um silêncio absoluto do STF sobre incontáveis abusos dos coronéis dirigentes do País que fuzilam seus adversários, fecham jornais, censuram livros, depõem governadores e prefeitos, torturam pessoas, prendem inocentes, corrompem juízes, compram fiscais e policiais, ignoram as leis e as constituições, abominam o direito de reunião, não investigam crimes graves e por aí vai.
Em 1924 o general João Francisco foi preso juntamente com seu filho de 17 anos, durante a revolução tenentista. A prisão do menor era absurdamente ilegal. O STF discutiu o tema e o ministro Bento de Faria disse: “A lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” No Estado-Novo getulista o STF fechou os olhos para tudo que ocorreu. Em 1968 o STF foi um fiel seguidor do AI-5, da ditadura, que proibiu o habeas corpus.
Costa e Silva aposentou compulsoriamente três ministros do STF (Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva). Dois outros pediram aposentadoria. Nenhum protesto da Corte se viu durante o regime excepcional. Subserviência e feudo-vassalagem: dois atributos que não engrandecem.
O Supremo, como marcador de certeza decorrente do seu papel de moderador do exercício do poder, foi se desmoronando. Aliás, como peças de um dominó, todas as instituições (no Brasil e no Ocidente) foram perdendo sua importância, uma após a outra. Daí a crise generalizada.
A religião, como eixo de organização da sociedade conforme os princípios divinos (toda Idade Média foi assim), foi derrotada pelo Iluminismo secularizado dos séculos 17 e 18. “Deus está morto”, afirmou Nietzsche (no final do século 19). E se Deus está morto tudo então está permitido? (indagou Dostoievski).
O respeito à autoridade vigente nas antigas sociedades se evaporou (respeito aos pais, aos professores, ao padre, ao pastor, aos mais velhos). Em seguida veio o desmoronamento das leis, códigos, constituições, tratados internacionais, Justiça, juízes, polícias: toda codificação dos humanos é burlada de mil maneiras. É neste contexto que se enquadra o desprestígio do STF, que se agravou profundamente com o advento da bem sucedida Lava Jato (em 1º e 2º graus).
Quais motivos levam as sociedades a se colapsarem? São incontáveis. Numa corruptolândia destaque merece a corrupção sistêmica, que é muito corrosiva. Após anos e anos de degeneração material e moral, a fadiga degradante implode as esgarçadas instituições políticas, econômicas, jurídicas e sociais.
Depois da Lava Jato e da faxina eleitoral de 2018 o que se vê são escombros, poeiras e pedras sobre pedras. Temos que reconstruir todas as instituições brasileiras. E como reconstruir tudo isso justamente num momento em que as forças predominantes desejam liquidar os últimos fios de resistência existentes?
Nos últimos dois séculos foi relevante a luta pelas liberdades e contra a opressão. Os direitos fundamentais formalmente encontraram acomodação na CF de 1988. Mas paralelamente não se notaram avanços na emancipação moral das classes dirigentes, muito mais voltadas para as bandidagens de sempre do que para a construção de um projeto de nação.
Duas tarefas parecem inadiáveis: atacar a bandidagem dirigente (e atacar todos, de esquerda, de centro ou de direita) e elaborar um projeto de nação: eis os hercúleos desafios do Brasil desta 7ª República (1ª República, 1889-1930; 2ª República, 1930-1937; 3ª República, 1937-1945; 4ª República, 1945-1964; 5ª República, 1964-1985; 6ª República, 1985-2018; 7ª República, 2018-).
Luiz Flávio Gomes
Professor
Jurista e criador do Movimento #QueroUmBrasilÉtico. Diretor-presidente do Instituto de Mediação Luiz Flávio Gomes. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Para saber mais: Site: www.luizflaviogomes.com
Fonte: Jus Brasil
Para alcançar essa finalidade abjeta e antirrepublicana (predomínio do elitismo sobre a cidadania) a escolha dos ministros no Brasil continua sendo feita por indicação política do Presidente da República, que é sucedida de uma sabatina formal no Senado, que se parece muitas vezes a um espetáculo circense.
Numa corruptolândia como o Brasil esse método de seleção se traduz numa pouca-vergonha inominável, porque a ele se soma o abominável foro privilegiado (para as autoridades que escolhem os juízes), que se complementa com a falta de estrutura dos tribunais. Daí a lentidão que é o combustível alimentador das inúmeras prescrições, geradoras de impunidade.
O STF (nascido em 1890) tem decisões históricas importantes, mas seu saldo, do ponto de vista da cidadania, é negativo. Não é verdade, de qualquer modo, que ele seja somente desonra, covardia, velhacaria, submissão e vassalagem.
Quando, em 2016, nossa Corte Máxima afastou um ex-presidente da Câmara dos Deputados (Cunha) das suas funções, fez algo muito relevante para a República. Diga-se a mesma coisa sobre a prisão de um senador no exercício das suas funções (Delcídio). Até então, tudo isso era muito inusitado.
No mensalão os juízes da Corte atuaram com firmeza de caráter, recusando cumprir o papel de vassalos protetivos dos seus senhores, responsáveis pelas suas nomeações para tão alto cargo. No total, 25 pessoas foram condenadas. A execução da pena após 2º grau também foi uma novidade comemorada, mas isso deveria ter sido feito pelo legislador.
De qualquer modo, ao longo da sua existência, o STF foi muito mais gerador de controvérsias e de desonra que apaziguador ou moderador. Atendeu muito mais os interesses das elites dirigentes (de esquerda, centro ou direita) que os da cidadania.
Seguindo o historiador Marco Antonio Villa podemos recordar vários momentos pouco dignificantes do nosso Tribunal Supremo. Floriano Peixoto, aquele que quis nomear três generais e um médico para compô-lo, disse (num determinado caso): “Se o Supremo der o habeas corpus para fulano eu quero ver quem é que vai dar habeas corpus para os ministros”. A medida, claro, foi negada.
Desde a proclamação da República (1889) constata-se um silêncio absoluto do STF sobre incontáveis abusos dos coronéis dirigentes do País que fuzilam seus adversários, fecham jornais, censuram livros, depõem governadores e prefeitos, torturam pessoas, prendem inocentes, corrompem juízes, compram fiscais e policiais, ignoram as leis e as constituições, abominam o direito de reunião, não investigam crimes graves e por aí vai.
Em 1924 o general João Francisco foi preso juntamente com seu filho de 17 anos, durante a revolução tenentista. A prisão do menor era absurdamente ilegal. O STF discutiu o tema e o ministro Bento de Faria disse: “A lei já tem sido desobedecida numerosas vezes aqui, pode ser esquecida mais uma vez.” No Estado-Novo getulista o STF fechou os olhos para tudo que ocorreu. Em 1968 o STF foi um fiel seguidor do AI-5, da ditadura, que proibiu o habeas corpus.
Costa e Silva aposentou compulsoriamente três ministros do STF (Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva). Dois outros pediram aposentadoria. Nenhum protesto da Corte se viu durante o regime excepcional. Subserviência e feudo-vassalagem: dois atributos que não engrandecem.
O Supremo, como marcador de certeza decorrente do seu papel de moderador do exercício do poder, foi se desmoronando. Aliás, como peças de um dominó, todas as instituições (no Brasil e no Ocidente) foram perdendo sua importância, uma após a outra. Daí a crise generalizada.
A religião, como eixo de organização da sociedade conforme os princípios divinos (toda Idade Média foi assim), foi derrotada pelo Iluminismo secularizado dos séculos 17 e 18. “Deus está morto”, afirmou Nietzsche (no final do século 19). E se Deus está morto tudo então está permitido? (indagou Dostoievski).
O respeito à autoridade vigente nas antigas sociedades se evaporou (respeito aos pais, aos professores, ao padre, ao pastor, aos mais velhos). Em seguida veio o desmoronamento das leis, códigos, constituições, tratados internacionais, Justiça, juízes, polícias: toda codificação dos humanos é burlada de mil maneiras. É neste contexto que se enquadra o desprestígio do STF, que se agravou profundamente com o advento da bem sucedida Lava Jato (em 1º e 2º graus).
Quais motivos levam as sociedades a se colapsarem? São incontáveis. Numa corruptolândia destaque merece a corrupção sistêmica, que é muito corrosiva. Após anos e anos de degeneração material e moral, a fadiga degradante implode as esgarçadas instituições políticas, econômicas, jurídicas e sociais.
Depois da Lava Jato e da faxina eleitoral de 2018 o que se vê são escombros, poeiras e pedras sobre pedras. Temos que reconstruir todas as instituições brasileiras. E como reconstruir tudo isso justamente num momento em que as forças predominantes desejam liquidar os últimos fios de resistência existentes?
Nos últimos dois séculos foi relevante a luta pelas liberdades e contra a opressão. Os direitos fundamentais formalmente encontraram acomodação na CF de 1988. Mas paralelamente não se notaram avanços na emancipação moral das classes dirigentes, muito mais voltadas para as bandidagens de sempre do que para a construção de um projeto de nação.
Duas tarefas parecem inadiáveis: atacar a bandidagem dirigente (e atacar todos, de esquerda, de centro ou de direita) e elaborar um projeto de nação: eis os hercúleos desafios do Brasil desta 7ª República (1ª República, 1889-1930; 2ª República, 1930-1937; 3ª República, 1937-1945; 4ª República, 1945-1964; 5ª República, 1964-1985; 6ª República, 1985-2018; 7ª República, 2018-).
Luiz Flávio Gomes
Professor
Jurista e criador do Movimento #QueroUmBrasilÉtico. Diretor-presidente do Instituto de Mediação Luiz Flávio Gomes. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Para saber mais: Site: www.luizflaviogomes.com
Fonte: Jus Brasil