goo.gl/y61WST | Nos últimos dias, vários veículos de comunicação, muitos dos quais por meio das redes sociais, publicaram a notícia de que uma jovem de 27 anos, praticante de MMA (artes marciais mistas), ao ser abordada por um sujeito, que se dizia armado e pretendia levar o seu celular, reagiu e terminou prendendo o assaltante. Sob o ângulo jurídico, há uma perfeita hipótese de legítima defesa. Seria real ou putativa? É o que vamos analisar.
Houve uma agressão atual (ameaça de emprego de arma de fogo, segundo o agente) e injusta (ilícita) contra direito da vítima (propriedade de seu aparelho celular). Narram os veículos de comunicação que o sujeito perguntou as horas, quando chegou perto da ofendida. Ela, então, percebendo algo estranho, guardou seu celular. Nesse instante, ele disse para passar o celular e não reagir, pois ele estava armado (foi encontrada uma “pistola de papelão” com o roubador). Quando ele colocou a mão sobre o artefato, a vítima notou que era maleável, deduzindo, sob sua conta e risco, não se tratar de uma arma de fogo. Além disso, ambos estavam bem próximos. Diante disso, valendo-se de seus conhecimentos técnicos, mas sem o uso de qualquer espécie de arma, a ofendida reagiu (sob sua conta e risco), com os meios necessários (sua própria força física) e moderadamente (o sujeito apanhou para ser derrotado, mas foi entregue, vivo, à polícia).
Cumpriu-se, com exatidão, o art. 25 do Código Penal. A lutadora reagiu moderadamente, valendo dos meios necessários, contra agressão atual, injusta, contra direito seu. A legítima defesa pode ser vista sob dois ângulos: a) a vítima reagiu porque estaria sendo abordada por um roubador armado; não viu a arma e ficou em dúvida; arriscando-se, defendeu-se; tratou-se, em tese, de uma legítima defesa putativa (erro quanto aos pressupostos fáticos que compõem a excludente de ilicitude; imaginou haver arma de fogo, na verdade, inexistente); o resultado é a absolvição, por inexistência de crime, por erro escusável; b) a vítima reagiu porque foi abordada por um roubador, do sexo masculino, que, embora não armado, sentiu-se mais forte e à vontade para cercar uma garota de 27 anos; contando com sua força física (homem x mulher), este foi o elemento agressor; a reação inesperada da vítima, lutadora de MMA, foi uma surpresa; nessa hipótese, fica configurada a legítima defesa real, com igual conclusão: inexistência de crime.
Portanto, em suma, seja tratada como legítima defesa putativa ou como legítima defesa real, os requisitos do erro escusável ou os requisitos da legítima defesa estão presentes.
Algumas vozes ergueram-se, o que não é raro ocorrer, em prol do roubador, afirmando que teria havido excesso na defesa por parte da lutadora. Afinal, ela teria dado dois socos, um chute e, na sequência, um golpe conhecido como mata-leão, chamando a polícia. O ladrão machucou-se. Era o mínimo que se poderia esperar de uma defesa equilibrada e técnica, para dominar o agressor, sem lhe dar chance de reagir ou fugir. Antes de qualquer consideração no tocante ao excesso, por imoderação, é indispensável considerar a posição de mulher da vítima. Se ela é treinada, cuida-se de fato diverso, pois, na realidade, um homem atacou uma mulher, seguindo-se a regra, esta seria vitimizada, pela impossibilidade defensiva, na maioria dos casos.
Não há tabulação matemática para o uso da legítima defesa, devendo-se considerar como meio necessário o que for suficiente e indispensável para deter a agressão (a vítima valeu-se de si mesma) e moderado o uso bastante para que o agressor cesse a sua ação ilícita (a ofendida lhe deu um golpe para apreendê-lo, deixando-o sem ação).
Há de se considerar, por fim, que a vítima se arriscou, visto que o agressor poderia estar armado, realmente, e ela, em tese, poderia ter sofrido tiros. Mas, o Direito Penal não é posto para avaliar situações hipotéticas e sim casos concretos. A legítima defesa da lutadora, em nossa visão, preenche os preceitos legais.
Quanto à prisão em flagrante efetivada, encontra-se em perfeita harmonia com o Código de Processo Penal. A vítima está autorizada a, defendendo-se com sucesso, dar voz de prisão ao agressor. Trata-se do flagrante facultativo, bem utilizado pela lutadora, aguardando, então, a chegada da autoridade policial.
Conheça as obras do autor (Clique aqui!)
Guilherme de Souza Nucci
Propostas concretas para o aprimoramento das ciências criminais
Bacharel em Direito pela USP, onde se especializou em Processo. Mestre e Doutor em Direito Processual Penal pela PUC/SP. É Livre-Docente em Direito Penal pela PUC/SP e professor concursado desta mesma instituição, na cadeira de Direito Penal, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação - mestrado e doutorado. Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. No meio jurídico, é atualmente um dos mais conceituados doutrinadores nas áreas do Direito Penal e Processo Penal, com 40 obras publicadas.
Fonte: Jus Brasil
Houve uma agressão atual (ameaça de emprego de arma de fogo, segundo o agente) e injusta (ilícita) contra direito da vítima (propriedade de seu aparelho celular). Narram os veículos de comunicação que o sujeito perguntou as horas, quando chegou perto da ofendida. Ela, então, percebendo algo estranho, guardou seu celular. Nesse instante, ele disse para passar o celular e não reagir, pois ele estava armado (foi encontrada uma “pistola de papelão” com o roubador). Quando ele colocou a mão sobre o artefato, a vítima notou que era maleável, deduzindo, sob sua conta e risco, não se tratar de uma arma de fogo. Além disso, ambos estavam bem próximos. Diante disso, valendo-se de seus conhecimentos técnicos, mas sem o uso de qualquer espécie de arma, a ofendida reagiu (sob sua conta e risco), com os meios necessários (sua própria força física) e moderadamente (o sujeito apanhou para ser derrotado, mas foi entregue, vivo, à polícia).
Cumpriu-se, com exatidão, o art. 25 do Código Penal. A lutadora reagiu moderadamente, valendo dos meios necessários, contra agressão atual, injusta, contra direito seu. A legítima defesa pode ser vista sob dois ângulos: a) a vítima reagiu porque estaria sendo abordada por um roubador armado; não viu a arma e ficou em dúvida; arriscando-se, defendeu-se; tratou-se, em tese, de uma legítima defesa putativa (erro quanto aos pressupostos fáticos que compõem a excludente de ilicitude; imaginou haver arma de fogo, na verdade, inexistente); o resultado é a absolvição, por inexistência de crime, por erro escusável; b) a vítima reagiu porque foi abordada por um roubador, do sexo masculino, que, embora não armado, sentiu-se mais forte e à vontade para cercar uma garota de 27 anos; contando com sua força física (homem x mulher), este foi o elemento agressor; a reação inesperada da vítima, lutadora de MMA, foi uma surpresa; nessa hipótese, fica configurada a legítima defesa real, com igual conclusão: inexistência de crime.
Portanto, em suma, seja tratada como legítima defesa putativa ou como legítima defesa real, os requisitos do erro escusável ou os requisitos da legítima defesa estão presentes.
Algumas vozes ergueram-se, o que não é raro ocorrer, em prol do roubador, afirmando que teria havido excesso na defesa por parte da lutadora. Afinal, ela teria dado dois socos, um chute e, na sequência, um golpe conhecido como mata-leão, chamando a polícia. O ladrão machucou-se. Era o mínimo que se poderia esperar de uma defesa equilibrada e técnica, para dominar o agressor, sem lhe dar chance de reagir ou fugir. Antes de qualquer consideração no tocante ao excesso, por imoderação, é indispensável considerar a posição de mulher da vítima. Se ela é treinada, cuida-se de fato diverso, pois, na realidade, um homem atacou uma mulher, seguindo-se a regra, esta seria vitimizada, pela impossibilidade defensiva, na maioria dos casos.
Não há tabulação matemática para o uso da legítima defesa, devendo-se considerar como meio necessário o que for suficiente e indispensável para deter a agressão (a vítima valeu-se de si mesma) e moderado o uso bastante para que o agressor cesse a sua ação ilícita (a ofendida lhe deu um golpe para apreendê-lo, deixando-o sem ação).
Há de se considerar, por fim, que a vítima se arriscou, visto que o agressor poderia estar armado, realmente, e ela, em tese, poderia ter sofrido tiros. Mas, o Direito Penal não é posto para avaliar situações hipotéticas e sim casos concretos. A legítima defesa da lutadora, em nossa visão, preenche os preceitos legais.
Quanto à prisão em flagrante efetivada, encontra-se em perfeita harmonia com o Código de Processo Penal. A vítima está autorizada a, defendendo-se com sucesso, dar voz de prisão ao agressor. Trata-se do flagrante facultativo, bem utilizado pela lutadora, aguardando, então, a chegada da autoridade policial.
Conheça as obras do autor (Clique aqui!)
Guilherme de Souza Nucci
Propostas concretas para o aprimoramento das ciências criminais
Bacharel em Direito pela USP, onde se especializou em Processo. Mestre e Doutor em Direito Processual Penal pela PUC/SP. É Livre-Docente em Direito Penal pela PUC/SP e professor concursado desta mesma instituição, na cadeira de Direito Penal, atuando nos cursos de graduação e pós-graduação - mestrado e doutorado. Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. No meio jurídico, é atualmente um dos mais conceituados doutrinadores nas áreas do Direito Penal e Processo Penal, com 40 obras publicadas.
Fonte: Jus Brasil