goo.gl/FoNCBf | O Brasil tem um elevado número de faculdades de Direito e isto gera a colocação no mercado de trabalho de um número de profissionais desproporcional às necessidades. Para ficar em um só exemplo, basta lembrar que o número de inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil supera um milhão de pessoas.
Obviamente, ninguém passa cinco anos de sua vida cursando a graduação e depois, possivelmente, mais algum tempo em cursos de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado), sem pretender alcançar a solução para a sua sobrevivência e, para alguns, o sucesso.
É certo que nem todos têm a mesma ambição. Para alguns, um cargo público no Poder Judiciário é a suprema realização. Para outros, ser o dono de uma banca de advocacia, com escritórios espalhados pelo Brasil, é a meta a ser perseguida. Ambição e talento se mesclam para definir destinos, havendo quem desista na primeira reprovação no exame da OAB e, também, quem abra mão de cargos públicos da mais alta hierarquia para perseguir outros ideais.
Mas, regra geral, todos ambicionam, de uma forma ou de outra, com mais ou com menos empenho, alcançar destaque. O nível deste destaque vai depender de diversos fatores, como determinação, disciplina, grau de inteligência, apoio familiar e outros tantos.
Na longa trajetória, que começa no primeiro dia de aula e termina décadas depois, com a doação dos livros jurídicos, há três hipóteses de conduta: a) desinteresse, desânimo, pessimismo; b) exercer a profissão de maneira rotineira, ou seja, valendo-se da máxima: “depois que fecho a porta do escritório não me envolvo com mais nada, não levo problemas para casa”; c) a terceira forma é o ir além, fazer mais do que se lhe impõe.
O desinteressado costuma abandonar o Direito, às vezes com uma frase forte cujo real sentido ninguém entende. Por exemplo: “larguei tudo, nunca vi tanta injustiça como naquele Tribunal de Justiça”. Quem ouve não entende bem, fica a imaginar que coisas horríveis teriam acontecido, e dá total apoio ao bacharel que abandonou o Direito.
O segundo, exerce a profissão corretamente, cumpre horário, é benquisto, não briga com ninguém e vai levando a sua vida. Nada de errado nisto. A ausência de grandes emoções é recompensada pela estabilidade e segurança.
O terceiro grupo é o que prova maiores emoções. Conhece pessoas interessantes, viaja de “business class”, assiste a espetáculos inesquecíveis, anda de elefante na Índia, em suma, vive intensamente. Mas, chegar a este seleto grupo, é para poucos.
Estabelecidos os três destinos comuns na área do Direito, vejamos o que um profissional do Direito, seja qual for o grupo em que se enquadre, pode fazer para aprimorar-se como pessoa e melhorar o seu país. Em outras palavras, aqui se discutirá como alcançar o sucesso total, integral, e não apenas o material (dinheiro, posição, poder, etc.).
Brasileiros adoram viajar e, ao retornar, contar as maravilhas vistas no exterior. Impressionam-se também com narrativas ou vídeos como o do juiz da Suprema Corte da Suécia que ia (já se aposentou) pedalando a sua bicicleta. Todavia, poucos pensam em pôr em prática aqui o que tanto admiram lá fora.
Na verdade, raros são os que colocam no seu dia a dia coisas criadas aqui mesmo. Afinal, se somos criativos ao ponto de fazermos desfiles de escolas de samba que atraem milhões de turistas, temos que ser também nas pequenas coisas do nosso cotidiano. Pensemos em algumas situações.
Começo com um exemplo meu. Nos meus 25 anos de idade, promotor substituto de Registro (SP), designado para responder para Juquiá, apanhei uma precatória para esta comarca, em caso de réu preso, e disse ao juiz: “pode deixar que eu levo”. Ele me olhou e com visível ironia respondeu: “não sabia que você está trabalhando no Correio”. O que estava atrás disto? O meu desejo de agilizar a Justiça e a visão formal e burocrata dele. Levar a precatória não era meu dever, mas sim ir além do dever.
Sidnei Beneti, quando juiz de primeiro grau, fez um guia de despachos judiciais que correu o Brasil. Muitos juízes o utilizaram, inclusive eu. Com certeza ele não recebeu nada por isso, exceto o reconhecimento. Seu prêmio, além da bela carreira (aposentou-se no STJ), é ser por todos respeitado e bem tratado. Não é pouca coisa.
Um juiz de Direito certa feita narrou, em palestra, que na sua comarca (Casca, RS) promovia, uma vez por mês, um farto café da manhã com os funcionários do Fórum e, nele, discutiam e resolviam inúmeras questões para aperfeiçoar os serviços judiciários. Ele patrocinava os encontros, disseram-me depois. Isto é ir além.
Um procurador regional da República, em recurso com trâmite no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao tomar conhecimento do acórdão e com ele concordar, manifestou-se, dizendo que não recorreria aos tribunais superiores e que abria mão do prazo recursal. Simples, mas de largo efeito. Os que percorrem a caminhada das várias instâncias do nosso sistema de Justiça, cujos obstáculos (no caso, muitos recursos e instâncias) lembram o Caminho de Santiago, sentem-se reconfortados quando alguém mais sensível vai além, poupando-lhes tempo precioso.
Em um Tribunal de Nanjing, China, vi que na entrada cinco computadores estavam à disposição do público, para acessarem seus processos e saberem o andamento. Até aí, nada de mais. Ocorre que junto a cada cada um havia três óculos presos por um cordão, com diferentes graus, para auxiliar aqueles a quem a miopia não permitisse a leitura. Algum administrador sensível teve a ideia, simples, mas de bons resultados. Em Mérida, México, de clima muito quente, um espelho d'água, no interior da corte, dava bem estar aos que aguardavam providências.
Dos casos concretos, passemos a algumas possibilidades de ajuda.
No cumprimento de penas no regime aberto, pequeno é o controle das obrigações do condenado, principalmente nas cidades grandes. Quem sabe se o condenado vai prestar serviços em um hospital todos os sábados? Será que as declarações de presença são verdadeiras? O juiz da execução, que doa 3 horas de seu sábado para percorrer os locais de trabalho dos apenados, estará indo além de seu dever e prestará grande serviço à sua comunidade e ao seu país.
Um promotor de Justiça, que depois de uma audiência conversa com a vítima de um crime, procurando saber se ela reivindicou indenização civil, estará ajudando alguém que, além de ter sofrido a lesão, ainda teve que suportar os longos trâmites policiais e judiciários.
Se alguém tem direito a uma vaga na garagem, mas só a usa eventualmente, não será razoável cedê-la, ainda que reservando-se o direito de utilizá-la quando necessário? Se um policial lavra o auto de prisão em flagrante de alguém que agiu em legítima defesa, por exclusivo temor de ser acusado de ter prevaricado, será demais comunicar o fato ao juiz, sugerindo a soltura do autuado? Quem foi bem atendido pelo policial militar em uma ocorrência, dirá só muito obrigado ou escreverá à Ouvidoria da instituição manifestando sua gratidão. O professor que vê o aluno desviando-se do bom caminho pode, com 10 minutos de conversa, mudar o rumo da vida do jovem estudante.
Preocupar-se com as pessoas, instituições, ajudar sempre que possível, não é obrigação de ninguém. Mas são estas pequenas coisas que tornam as pessoas melhores e os seus países também. Esta é a posição que constrói e não a do crítico permanente que nada faz e, na falta de outros argumentos, justifica o erro dizendo: “isto é Brasil”.
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Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: Conjur
Obviamente, ninguém passa cinco anos de sua vida cursando a graduação e depois, possivelmente, mais algum tempo em cursos de pós-graduação (especialização, mestrado ou doutorado), sem pretender alcançar a solução para a sua sobrevivência e, para alguns, o sucesso.
É certo que nem todos têm a mesma ambição. Para alguns, um cargo público no Poder Judiciário é a suprema realização. Para outros, ser o dono de uma banca de advocacia, com escritórios espalhados pelo Brasil, é a meta a ser perseguida. Ambição e talento se mesclam para definir destinos, havendo quem desista na primeira reprovação no exame da OAB e, também, quem abra mão de cargos públicos da mais alta hierarquia para perseguir outros ideais.
Mas, regra geral, todos ambicionam, de uma forma ou de outra, com mais ou com menos empenho, alcançar destaque. O nível deste destaque vai depender de diversos fatores, como determinação, disciplina, grau de inteligência, apoio familiar e outros tantos.
Na longa trajetória, que começa no primeiro dia de aula e termina décadas depois, com a doação dos livros jurídicos, há três hipóteses de conduta: a) desinteresse, desânimo, pessimismo; b) exercer a profissão de maneira rotineira, ou seja, valendo-se da máxima: “depois que fecho a porta do escritório não me envolvo com mais nada, não levo problemas para casa”; c) a terceira forma é o ir além, fazer mais do que se lhe impõe.
O desinteressado costuma abandonar o Direito, às vezes com uma frase forte cujo real sentido ninguém entende. Por exemplo: “larguei tudo, nunca vi tanta injustiça como naquele Tribunal de Justiça”. Quem ouve não entende bem, fica a imaginar que coisas horríveis teriam acontecido, e dá total apoio ao bacharel que abandonou o Direito.
O segundo, exerce a profissão corretamente, cumpre horário, é benquisto, não briga com ninguém e vai levando a sua vida. Nada de errado nisto. A ausência de grandes emoções é recompensada pela estabilidade e segurança.
O terceiro grupo é o que prova maiores emoções. Conhece pessoas interessantes, viaja de “business class”, assiste a espetáculos inesquecíveis, anda de elefante na Índia, em suma, vive intensamente. Mas, chegar a este seleto grupo, é para poucos.
Estabelecidos os três destinos comuns na área do Direito, vejamos o que um profissional do Direito, seja qual for o grupo em que se enquadre, pode fazer para aprimorar-se como pessoa e melhorar o seu país. Em outras palavras, aqui se discutirá como alcançar o sucesso total, integral, e não apenas o material (dinheiro, posição, poder, etc.).
Brasileiros adoram viajar e, ao retornar, contar as maravilhas vistas no exterior. Impressionam-se também com narrativas ou vídeos como o do juiz da Suprema Corte da Suécia que ia (já se aposentou) pedalando a sua bicicleta. Todavia, poucos pensam em pôr em prática aqui o que tanto admiram lá fora.
Na verdade, raros são os que colocam no seu dia a dia coisas criadas aqui mesmo. Afinal, se somos criativos ao ponto de fazermos desfiles de escolas de samba que atraem milhões de turistas, temos que ser também nas pequenas coisas do nosso cotidiano. Pensemos em algumas situações.
Começo com um exemplo meu. Nos meus 25 anos de idade, promotor substituto de Registro (SP), designado para responder para Juquiá, apanhei uma precatória para esta comarca, em caso de réu preso, e disse ao juiz: “pode deixar que eu levo”. Ele me olhou e com visível ironia respondeu: “não sabia que você está trabalhando no Correio”. O que estava atrás disto? O meu desejo de agilizar a Justiça e a visão formal e burocrata dele. Levar a precatória não era meu dever, mas sim ir além do dever.
Sidnei Beneti, quando juiz de primeiro grau, fez um guia de despachos judiciais que correu o Brasil. Muitos juízes o utilizaram, inclusive eu. Com certeza ele não recebeu nada por isso, exceto o reconhecimento. Seu prêmio, além da bela carreira (aposentou-se no STJ), é ser por todos respeitado e bem tratado. Não é pouca coisa.
Um juiz de Direito certa feita narrou, em palestra, que na sua comarca (Casca, RS) promovia, uma vez por mês, um farto café da manhã com os funcionários do Fórum e, nele, discutiam e resolviam inúmeras questões para aperfeiçoar os serviços judiciários. Ele patrocinava os encontros, disseram-me depois. Isto é ir além.
Um procurador regional da República, em recurso com trâmite no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao tomar conhecimento do acórdão e com ele concordar, manifestou-se, dizendo que não recorreria aos tribunais superiores e que abria mão do prazo recursal. Simples, mas de largo efeito. Os que percorrem a caminhada das várias instâncias do nosso sistema de Justiça, cujos obstáculos (no caso, muitos recursos e instâncias) lembram o Caminho de Santiago, sentem-se reconfortados quando alguém mais sensível vai além, poupando-lhes tempo precioso.
Em um Tribunal de Nanjing, China, vi que na entrada cinco computadores estavam à disposição do público, para acessarem seus processos e saberem o andamento. Até aí, nada de mais. Ocorre que junto a cada cada um havia três óculos presos por um cordão, com diferentes graus, para auxiliar aqueles a quem a miopia não permitisse a leitura. Algum administrador sensível teve a ideia, simples, mas de bons resultados. Em Mérida, México, de clima muito quente, um espelho d'água, no interior da corte, dava bem estar aos que aguardavam providências.
Dos casos concretos, passemos a algumas possibilidades de ajuda.
No cumprimento de penas no regime aberto, pequeno é o controle das obrigações do condenado, principalmente nas cidades grandes. Quem sabe se o condenado vai prestar serviços em um hospital todos os sábados? Será que as declarações de presença são verdadeiras? O juiz da execução, que doa 3 horas de seu sábado para percorrer os locais de trabalho dos apenados, estará indo além de seu dever e prestará grande serviço à sua comunidade e ao seu país.
Um promotor de Justiça, que depois de uma audiência conversa com a vítima de um crime, procurando saber se ela reivindicou indenização civil, estará ajudando alguém que, além de ter sofrido a lesão, ainda teve que suportar os longos trâmites policiais e judiciários.
Se alguém tem direito a uma vaga na garagem, mas só a usa eventualmente, não será razoável cedê-la, ainda que reservando-se o direito de utilizá-la quando necessário? Se um policial lavra o auto de prisão em flagrante de alguém que agiu em legítima defesa, por exclusivo temor de ser acusado de ter prevaricado, será demais comunicar o fato ao juiz, sugerindo a soltura do autuado? Quem foi bem atendido pelo policial militar em uma ocorrência, dirá só muito obrigado ou escreverá à Ouvidoria da instituição manifestando sua gratidão. O professor que vê o aluno desviando-se do bom caminho pode, com 10 minutos de conversa, mudar o rumo da vida do jovem estudante.
Preocupar-se com as pessoas, instituições, ajudar sempre que possível, não é obrigação de ninguém. Mas são estas pequenas coisas que tornam as pessoas melhores e os seus países também. Esta é a posição que constrói e não a do crítico permanente que nada faz e, na falta de outros argumentos, justifica o erro dizendo: “isto é Brasil”.
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Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: Conjur