goo.gl/5GmPWx | O que fazer quando o requerimento de medida protetiva de urgência esconde hipótese de alienação parental?
Há séria controvérsia na doutrina acerca da natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”). Para alguns doutrinadores, trata-se, em apertada síntese, de uma tutela provisória de urgência, cautelar e autônoma, um instituto de natureza híbrida e sui generis, cuja regulação estaria no Código de Processo Civil (art. 294 e seguintes).
Por outro lado, há doutrinadores, como Renato Brasileiro de Lima, que veem nas medidas protetivas de urgência natureza de verdadeiras medidas cautelares diversas da prisão, de caráter eminentemente penal, assemelhadas àquelas previstas nos art. 319 e 320 do Código de Processo Penal, havendo, inclusive, fungibilidade entre elas.
A par das controvérsias existentes, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente acórdão (data do julgamento: 09 de outubro de 2018), proferiu a seguinte decisão, in verbis, com grifos deste redator:
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LEI 11.340/06. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL OU AÇÃO PENAL EM CURSO. MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA. PENAL. RECURSO DESPROVIDO. I – Dentre as medidas previstas no art. 22 da Lei 11.340/06, evidencia-se que as constantes dos incisos I, II e III têm natureza eminentemente penal, visto que objetivam, de um lado, conferir proteção à vida e à integridade física e psicológica da vítima e, de outro, impõem relevantes restrições à liberdade e ao direito de locomoção do agressor, bens jurídicos esses merecedores da maior proteção do direito penal. II – Ademais, as medidas protetivas possuem natureza apenas cautelar, restringindo-se a sua aplicação a casos de urgência, de forma preventiva e provisória. III – Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento de que “as medidas protetivas fixadas na forma do art. 22, incisos I, II e III, da Lei 11.340/2006 possuem caráter penal e, por essa razão, deve ser aplicado o procedimento previsto no Código de Processo Penal” (AgRg no REsp 1.441.022/MS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 2/2/2015). IV – In casu, o d. Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher impôs contra o recorrente as medidas protetivas elencadas no art. 22, II e III, alíneas “a” e “b” , da Lei n. 11.340/06 (afastamento do lar e proibição de aproximação e de contato com a ofendida e familiares), ante a notícia de suposta prática dos crimes de ameaça e injúria. RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 94.320 – BA (2018/0017232-4)
Sabe-se que os vários microssistemas de proteção presentes no ordenamento jurídico brasileiro adotam como viga-mestra a ideia de vulnerabilidade – proteção ao consumidor, ao idoso, à criança, aos portadores de necessidades especiais e à mulher vítima de violência doméstica.
Em que pese a necessidade de tratar essas pessoas como vulneráveis, sobretudo se se levar em conta o contexto histórico de violação de direitos ao qual foram submetidas, a invocação do baluarte da vulnerabilidade pode esconder manobras astuciosas da pretensa vítima e desencadear medidas judiciais desnecessárias, apressadas e injustas, como ocorre nas situações em que mulher utiliza os instrumentos de proteção previstos na lei com a intenção de prejudicar o pretenso agressor e fazê-lo vítima de alienação parental.
Portanto, é preciso vigilância quanto à necessidade de lastro probatório mínimo, indicando-se a violência praticada e a necessidade de urgência da medida que se pleiteia (APELAÇÃO CRIMINAL TJMG 1.0024.07.804704-0/001. Relator: Des.(a) Maria Luíza de Marilac. Data do Julgamento: 07/05/2013 Data da Publicação: 24/05/2013).
Há casos em que a mulher dirige-se a uma Delegacia Especializada ou à “Casa da Mulher” e, a partir de seu relato unilateral, produzem-se petições de medida protetiva de urgência absolutamente genéricas e vagas, carregadas de ementas de julgados desconectados com o caso narrado, emolduradas, ao final, com a referida vulnerabilidade.
O magistrado, por sua vez, concede a medida protetiva com base em cognição sumária, sem ouvir a parte contrária, fundamentando a sua decisão no art. 19, § 1º, da lei 11.340/06.
Cite-se, à guisa de exemplo, caso em que, quatro dias após o requerimento e deferimento da medida protetiva, antes mesmo que o réu fosse intimado da decisão, a própria mulher envia mensagem (via WhatsApp) ao seu ex-companheiro, declarando-se “apaixonada” e pedindo para encontrar-se com ele, apesar de a petição inicial tê-lo caracterizado como o “temido agressor” e “monstro”.
A medida protetiva de urgência, ainda que concedida sob o abrigo do referido art. 19, deve sustentar-se no fumus comissi delicti e no periculum libertatis, imprescindíveis, conforme reconhecida doutrina, à adoção de provimentos de natureza cautelar, como o são as medidas protetivas de urgência previstas no art. 22 da lei 11.340/06, sob pena de se cometer injustiça e ridicularizar os Órgãos de Proteção da Mulher e o Judiciário.
Além disso, leva-se tempo para a revogação das medidas protetivas concedidas apressada e desnecessariamente.
No caso de o requerimento da medida protetiva ser utilizado com o fim de colocar o filho em conflito com o outro genitor, atente-se ao previsto no art. 2º, inciso VI, da lei 12.318/2010, que considera como forma de “alienação parental”: “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”.
Concomitantemente, tal conduta subsume-se ao tipo penal de “denunciação caluniosa” previsto no Código Penal Brasileiro, Art. 339, cuja pena cominada é de reclusão, de dois a oito anos e multa.
Portanto, o advogado deve ficar atento às circunstâncias do caso concreto e manejar os dois diplomas legais (lei 11.340/2006 e lei 12.318/2010), tomando as seguintes providências, além de pedir a revogação das medidas protetivas: i) requerer a remessa dos autos ao Representante do Ministério Público para o fim de apuração e oferecimento de denúncia em razão de indícios da prática do crime de denunciação caluniosa (art. 339, CPB); ii) propor ação própria para apurar, na esfera cível, a alienação parental.
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Leandro Oliveira
Professor de Direito Penal da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e Advogado
Fonte: Canal Ciências Criminais
1. A natureza jurídica da medida protetiva de urgência
Há séria controvérsia na doutrina acerca da natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”). Para alguns doutrinadores, trata-se, em apertada síntese, de uma tutela provisória de urgência, cautelar e autônoma, um instituto de natureza híbrida e sui generis, cuja regulação estaria no Código de Processo Civil (art. 294 e seguintes).
Por outro lado, há doutrinadores, como Renato Brasileiro de Lima, que veem nas medidas protetivas de urgência natureza de verdadeiras medidas cautelares diversas da prisão, de caráter eminentemente penal, assemelhadas àquelas previstas nos art. 319 e 320 do Código de Processo Penal, havendo, inclusive, fungibilidade entre elas.
A par das controvérsias existentes, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente acórdão (data do julgamento: 09 de outubro de 2018), proferiu a seguinte decisão, in verbis, com grifos deste redator:
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LEI 11.340/06. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE INQUÉRITO POLICIAL OU AÇÃO PENAL EM CURSO. MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA. PENAL. RECURSO DESPROVIDO. I – Dentre as medidas previstas no art. 22 da Lei 11.340/06, evidencia-se que as constantes dos incisos I, II e III têm natureza eminentemente penal, visto que objetivam, de um lado, conferir proteção à vida e à integridade física e psicológica da vítima e, de outro, impõem relevantes restrições à liberdade e ao direito de locomoção do agressor, bens jurídicos esses merecedores da maior proteção do direito penal. II – Ademais, as medidas protetivas possuem natureza apenas cautelar, restringindo-se a sua aplicação a casos de urgência, de forma preventiva e provisória. III – Esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento de que “as medidas protetivas fixadas na forma do art. 22, incisos I, II e III, da Lei 11.340/2006 possuem caráter penal e, por essa razão, deve ser aplicado o procedimento previsto no Código de Processo Penal” (AgRg no REsp 1.441.022/MS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJe 2/2/2015). IV – In casu, o d. Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher impôs contra o recorrente as medidas protetivas elencadas no art. 22, II e III, alíneas “a” e “b” , da Lei n. 11.340/06 (afastamento do lar e proibição de aproximação e de contato com a ofendida e familiares), ante a notícia de suposta prática dos crimes de ameaça e injúria. RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 94.320 – BA (2018/0017232-4)
2. O requerimento da medida protetiva de urgência no contexto de alienação parental
Sabe-se que os vários microssistemas de proteção presentes no ordenamento jurídico brasileiro adotam como viga-mestra a ideia de vulnerabilidade – proteção ao consumidor, ao idoso, à criança, aos portadores de necessidades especiais e à mulher vítima de violência doméstica.
Em que pese a necessidade de tratar essas pessoas como vulneráveis, sobretudo se se levar em conta o contexto histórico de violação de direitos ao qual foram submetidas, a invocação do baluarte da vulnerabilidade pode esconder manobras astuciosas da pretensa vítima e desencadear medidas judiciais desnecessárias, apressadas e injustas, como ocorre nas situações em que mulher utiliza os instrumentos de proteção previstos na lei com a intenção de prejudicar o pretenso agressor e fazê-lo vítima de alienação parental.
Portanto, é preciso vigilância quanto à necessidade de lastro probatório mínimo, indicando-se a violência praticada e a necessidade de urgência da medida que se pleiteia (APELAÇÃO CRIMINAL TJMG 1.0024.07.804704-0/001. Relator: Des.(a) Maria Luíza de Marilac. Data do Julgamento: 07/05/2013 Data da Publicação: 24/05/2013).
Há casos em que a mulher dirige-se a uma Delegacia Especializada ou à “Casa da Mulher” e, a partir de seu relato unilateral, produzem-se petições de medida protetiva de urgência absolutamente genéricas e vagas, carregadas de ementas de julgados desconectados com o caso narrado, emolduradas, ao final, com a referida vulnerabilidade.
O magistrado, por sua vez, concede a medida protetiva com base em cognição sumária, sem ouvir a parte contrária, fundamentando a sua decisão no art. 19, § 1º, da lei 11.340/06.
Cite-se, à guisa de exemplo, caso em que, quatro dias após o requerimento e deferimento da medida protetiva, antes mesmo que o réu fosse intimado da decisão, a própria mulher envia mensagem (via WhatsApp) ao seu ex-companheiro, declarando-se “apaixonada” e pedindo para encontrar-se com ele, apesar de a petição inicial tê-lo caracterizado como o “temido agressor” e “monstro”.
A medida protetiva de urgência, ainda que concedida sob o abrigo do referido art. 19, deve sustentar-se no fumus comissi delicti e no periculum libertatis, imprescindíveis, conforme reconhecida doutrina, à adoção de provimentos de natureza cautelar, como o são as medidas protetivas de urgência previstas no art. 22 da lei 11.340/06, sob pena de se cometer injustiça e ridicularizar os Órgãos de Proteção da Mulher e o Judiciário.
Além disso, leva-se tempo para a revogação das medidas protetivas concedidas apressada e desnecessariamente.
No caso de o requerimento da medida protetiva ser utilizado com o fim de colocar o filho em conflito com o outro genitor, atente-se ao previsto no art. 2º, inciso VI, da lei 12.318/2010, que considera como forma de “alienação parental”: “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”.
Concomitantemente, tal conduta subsume-se ao tipo penal de “denunciação caluniosa” previsto no Código Penal Brasileiro, Art. 339, cuja pena cominada é de reclusão, de dois a oito anos e multa.
3. O manejo conjunto dos dois diplomas legais: a lei Maria da Penha e a lei de Alienação Parental
Portanto, o advogado deve ficar atento às circunstâncias do caso concreto e manejar os dois diplomas legais (lei 11.340/2006 e lei 12.318/2010), tomando as seguintes providências, além de pedir a revogação das medidas protetivas: i) requerer a remessa dos autos ao Representante do Ministério Público para o fim de apuração e oferecimento de denúncia em razão de indícios da prática do crime de denunciação caluniosa (art. 339, CPB); ii) propor ação própria para apurar, na esfera cível, a alienação parental.
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Leandro Oliveira
Professor de Direito Penal da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e Advogado
Fonte: Canal Ciências Criminais