goo.gl/Nse8sP | Imaginem a seguinte situação hipotética: um adolescente assalta a mão armada um grupo de jovens universitários e leva consigo celulares, carteiras e relógios. Momentos após, o menor de idade é capturado pela polícia e, já na delegacia, um repórter filma o rosto do adolescente e divulga sua imagem ao público telespectador.
Pergunta: A imagem de um menor de idade pode ser divulgada publicamente dessa forma?
Prezados leitores, caso queiram, podem pular direto para a conclusão do artigo.
Primeiramente, vale elucidar que a preservação da imagem da criança e do adolescente é reflexo do Princípio da Proteção Integral aos menores de idade previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988. Destaca-se:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Deixando de lado a principiologia dos comandos constitucionais, temos a legislação específica do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal n. 8.069/90 – que dispõe expressamente o direito à preservação da imagem e da identidade às crianças e aos adolescentes. Reparem:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Mais específico ainda, temos o artigo 143 do ECA que dispõe expressamente sobre a vedação da divulgação dos atos judiciais e policiais de menores infratores.
Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional
Não obstante, vale destacar ainda o art. 247 do ECA que prevê que tal divulgação constitui ato infracional, pelo qual a pessoa que divulgou pode ser multada em até quarenta salários. Observem:
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Importante destacar o § 1º do mesmo artigo que dispõe que qualquer pessoa que promova essa divulgação pode ser responsabilizada da mesma forma. Portanto, muito cuidado ao compartilhar com os amigos vídeos, fotos e/ou áudios de crianças e adolescentes infratores.
§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
Ademais, vale destacar que não importa a gravidade do ato praticado, por mais reprovável que seja, pois a lei não faz qualquer tipo de distinção.
O objetivo da lei é permitir que a pessoa se recupere e não seja estigmatizada para o resto da vida pelos seus atos impróprios de quando era menor de idade. Imaginem, por exemplo, a dificuldade de um adulto em arrumar um emprego em uma cidade em que grande parte da população associa sua imagem aos seus erros do passado da sua época de adolescente. Tem-se uma matéria jornalística que imortaliza os erros do passado dessa pessoa e não permite que ela siga adiante.
É dizer, a lei dá uma chance para a pessoa que cometeu erros durante sua menoridade, posto que ainda não havia atingido sua maturidade.
Neste sentido, destaco os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:
“A meta é a preservação absoluta da intimidade dessas crianças e adolescentes, que, por mais grave que tenha sido o ato praticado, somente tem chance de recuperação e reestruturação interior e familiar se não sofrerem pressões externas estigmatizantes”. (Guilherme de Souza Nucci. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Em busca da Constituição Federal das Crianças e dos Adolescentes . 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.518).
Também vale trazer ao texto os pensamentos de Martha de Toledo Machado.
“Exatamente porque estão ainda construindo suas personalidades, esse selo social da marginalidade atinge mais severamente crianças e adolescentes, dificultando, quando não inviabilizando, que se transformem positivamente para os valores da solidariedade e da cidadania” (Martha de Toledo Machado. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários jurídicos e sociais . 11ª ed. Munir Cury (coord.). São Paulo: Malheiros, 2010. pp. 725-726).
Neste sentido, destaco o julgamento do Superior Tribunal de Justiça –STJ sobre o tema:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES. INEXISTENTES. DIVULGAÇÃO DE IMAGEM DE ADOLESCENTE EM REPORTAGEM JORNALÍSTICA. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL. DANO MORAL. CONFIGURADO. ECA E CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS MENORES. PRIORIDADE ABSOLUTA. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. 1. Ação ajuizada em 30/09/2010. [...] O propósito recursal consiste em decidir se: i) há violação de dispositivos constitucionais; ii) há negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem; iii) há dano moral compensável, em razão de reportagem jornalística que identifica menor envolvido em briga em hospital público. [...] A preservação da imagem e da intimidade dos menores, em tenra idade ou prestes a alcançar a maturidade, é reflexo do comando constitucional da sua proteção integral, com absoluta prioridade em assegurar seus direitos fundamentais (arts. 227, da CF/88, 4º do ECA). 5. Independente do grau da reprovabilidade da conduta do menor, o Ordenamento Jurídico veda a divulgação de imagem de adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional, de modo a preservar a sensível e peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1442083 ES 2014/0057306-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/10/2017)
Por tudo o que foi exposto, as crianças e os adolescentes têm o direito à imagem preservados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, ainda que cometam um ato infracional (“crime”) gravíssimo, suas imagens não podem ser divulgadas por qualquer pessoa que seja.
O objetivo da lei é garantir que a pessoa não seja estigmatizada para o resto da sua vida pelos seus atos passados de sua época de criança e adolescente. Vocês conseguem pensar em algum ato que cometeram quando eram menores e hoje se arrependem? Se sim, possivelmente consigam entender melhor a preocupação legislativa.
Espero que tenham gostado do texto!
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Estevan Facure
Sócio Proprietário do Escritório Lellis & Facure Advogados.
Advogado; Presidente da Comissão da Jovem Advocacia Uberlandense; formado pela Universidade Federal de Uberlândia –UFU; especialista em Direito Civil pela Universidade de São Paulo –USP; Auditor do Tribunal Desportivo de Uberlândia-MG. Site: www.lefadv.com.br; Página no Facebook: www.facebook.com/lellisfacure;
Fonte: estevanfg.jusbrasil.com.br
Pergunta: A imagem de um menor de idade pode ser divulgada publicamente dessa forma?
Prezados leitores, caso queiram, podem pular direto para a conclusão do artigo.
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Primeiramente, vale elucidar que a preservação da imagem da criança e do adolescente é reflexo do Princípio da Proteção Integral aos menores de idade previsto no art. 227 da Constituição Federal de 1988. Destaca-se:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Deixando de lado a principiologia dos comandos constitucionais, temos a legislação específica do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal n. 8.069/90 – que dispõe expressamente o direito à preservação da imagem e da identidade às crianças e aos adolescentes. Reparem:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Mais específico ainda, temos o artigo 143 do ECA que dispõe expressamente sobre a vedação da divulgação dos atos judiciais e policiais de menores infratores.
Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional
Não obstante, vale destacar ainda o art. 247 do ECA que prevê que tal divulgação constitui ato infracional, pelo qual a pessoa que divulgou pode ser multada em até quarenta salários. Observem:
Art. 247. Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Importante destacar o § 1º do mesmo artigo que dispõe que qualquer pessoa que promova essa divulgação pode ser responsabilizada da mesma forma. Portanto, muito cuidado ao compartilhar com os amigos vídeos, fotos e/ou áudios de crianças e adolescentes infratores.
§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.
Ademais, vale destacar que não importa a gravidade do ato praticado, por mais reprovável que seja, pois a lei não faz qualquer tipo de distinção.
O objetivo da lei é permitir que a pessoa se recupere e não seja estigmatizada para o resto da vida pelos seus atos impróprios de quando era menor de idade. Imaginem, por exemplo, a dificuldade de um adulto em arrumar um emprego em uma cidade em que grande parte da população associa sua imagem aos seus erros do passado da sua época de adolescente. Tem-se uma matéria jornalística que imortaliza os erros do passado dessa pessoa e não permite que ela siga adiante.
É dizer, a lei dá uma chance para a pessoa que cometeu erros durante sua menoridade, posto que ainda não havia atingido sua maturidade.
DOUTRINA APLICÁVEL
Neste sentido, destaco os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci:
“A meta é a preservação absoluta da intimidade dessas crianças e adolescentes, que, por mais grave que tenha sido o ato praticado, somente tem chance de recuperação e reestruturação interior e familiar se não sofrerem pressões externas estigmatizantes”. (Guilherme de Souza Nucci. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Em busca da Constituição Federal das Crianças e dos Adolescentes . 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.518).
Também vale trazer ao texto os pensamentos de Martha de Toledo Machado.
“Exatamente porque estão ainda construindo suas personalidades, esse selo social da marginalidade atinge mais severamente crianças e adolescentes, dificultando, quando não inviabilizando, que se transformem positivamente para os valores da solidariedade e da cidadania” (Martha de Toledo Machado. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários jurídicos e sociais . 11ª ed. Munir Cury (coord.). São Paulo: Malheiros, 2010. pp. 725-726).
JURISPRUDÊNCIA APLICÁVEL
Neste sentido, destaco o julgamento do Superior Tribunal de Justiça –STJ sobre o tema:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÕES. INEXISTENTES. DIVULGAÇÃO DE IMAGEM DE ADOLESCENTE EM REPORTAGEM JORNALÍSTICA. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL. DANO MORAL. CONFIGURADO. ECA E CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS MENORES. PRIORIDADE ABSOLUTA. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. 1. Ação ajuizada em 30/09/2010. [...] O propósito recursal consiste em decidir se: i) há violação de dispositivos constitucionais; ii) há negativa de prestação jurisdicional pelo Tribunal de origem; iii) há dano moral compensável, em razão de reportagem jornalística que identifica menor envolvido em briga em hospital público. [...] A preservação da imagem e da intimidade dos menores, em tenra idade ou prestes a alcançar a maturidade, é reflexo do comando constitucional da sua proteção integral, com absoluta prioridade em assegurar seus direitos fundamentais (arts. 227, da CF/88, 4º do ECA). 5. Independente do grau da reprovabilidade da conduta do menor, o Ordenamento Jurídico veda a divulgação de imagem de adolescentes a quem se atribua a autoria de ato infracional, de modo a preservar a sensível e peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. 6. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 1442083 ES 2014/0057306-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 21/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/10/2017)
CONCLUSÃO
Por tudo o que foi exposto, as crianças e os adolescentes têm o direito à imagem preservados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, ainda que cometam um ato infracional (“crime”) gravíssimo, suas imagens não podem ser divulgadas por qualquer pessoa que seja.
O objetivo da lei é garantir que a pessoa não seja estigmatizada para o resto da sua vida pelos seus atos passados de sua época de criança e adolescente. Vocês conseguem pensar em algum ato que cometeram quando eram menores e hoje se arrependem? Se sim, possivelmente consigam entender melhor a preocupação legislativa.
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Espero que tenham gostado do texto!
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Quanto a divulgação do conteúdo deste artigo: qualquer pessoa pode reproduzir o conteúdo aqui apresentado, desde que cite o autor.
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Estevan Facure
Sócio Proprietário do Escritório Lellis & Facure Advogados.
Advogado; Presidente da Comissão da Jovem Advocacia Uberlandense; formado pela Universidade Federal de Uberlândia –UFU; especialista em Direito Civil pela Universidade de São Paulo –USP; Auditor do Tribunal Desportivo de Uberlândia-MG. Site: www.lefadv.com.br; Página no Facebook: www.facebook.com/lellisfacure;
Fonte: estevanfg.jusbrasil.com.br