goo.gl/whhBHD | Novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz esteve recentemente em Salvador para participar da posse da nova gestão da seccional baiana. Antes do evento, Santa Cruz conversou com o Bahia Notícias sobre o cenário político do país, sobre a possibilidade de um novo pedido de impeachment e sobre o Projeto Anticrime do ministro da Justiça Sérgio Moro.
Ele destaca que a Ordem tem um papel importante em um país que discute diversas reformas e mudança nos códigos. Para ele, o projeto de Moro é “legítimo”, ainda mais se considerar que a pauta da segurança foi uma temática fortemente discutida nas eleições presidenciais. “O nosso país tem um alto índice de encarceramento, já é um país de grande conflito policial, que mata inocentes e policiais. Acho que nossa contribuição, com a experiência do advogado, que está na ponta do problema, também leva uma contribuição positiva nesse debate público”, avaliou.
O presidente da OAB nacional declarou que se preocupa com trechos da proposta que aumentam a “letalidade de uma polícia que já é muito letal”. “Estamos levantando números e dados para ajudar neste debate”, informou. Ainda na entrevista, reforçou o posicionamento da instituição na defesa da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT). “Eu não posso dizer que não há função para Justiça do Trabalho e MPT em um país que ainda escraviza mão de obra”, ponderou. Felipe Santa Cruz ainda falou sobre o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) no país e sobre ter como vice-presidente um baiano, que comandou a OAB da Bahia por seis anos.
O senhor assume a presidência da OAB em um novo momento político no país. Sucede a gestão de Cláudio Lamachia, que foi marcada por um pedido de impeachment. Como o senhor enxerga os próximos três anos de gestão neste cenário?
Provavelmente, será um cenário de mudanças. O país passa por um cenário de debates estratégicos, como reformas, mudanças dos códigos, por exemplo. A Ordem tem um papel importante, que é trazer sua contribuição jurídica e técnica para esses debates. Em nossa primeira semana, já fizemos esse enfrentamento e a nossa vontade é de contribuir, de forma serena e técnica, com essas transformações do país.
Como a OAB vai enfrentar o projeto Anticrime de Sérgio Moro?
O projeto é legítimo. O país saiu das urnas com uma forte preocupação sobre segurança pública e a nossa preocupação é que essas medidas tenham o fim que elas pretendem. O nosso país tem um alto índice de encarceramento, já é um país de grande conflito policial, que mata inocentes e policiais. Acho que nossa contribuição, com a experiência do advogado, que está na ponta do problema, também leva uma contribuição positiva nesse debate público.
O Rio, recentemente, passou por uma intervenção federal. A Bahia tem elevados números de conflito entre policiais. Trechos desse projeto não representam um salvo-conduto para policiais matarem em situações em que não é preciso?
Eu vejo aspectos positivos, como a criminalização do Caixa 2. Acho que podemos discutir outros trechos. Mas me preocupa muito aumentar a letalidade de uma polícia que já é muito letal. Estamos levantando números e dados para ajudar neste debate.
Esse texto pode incorrer em alguma inconstitucionalidade?
Estamos atentos a isso. A discussão, por exemplo, da presunção de inocência, execução de pena após decisão de segunda instância, são temas que desafiam a constitucionalidade. Estamos reunindo estudiosos, associações ligadas à OAB, associações que tratam do tema.
Esse projeto é urgente?
Eu acho que nada na vida republicana deve ser mudado de uma hora para outra, apesar de tudo poder ser modificado. Eu dou exemplo: há muito tempo, eu sinalizava que a Reforma Trabalhista acometeu em açodamentos e erros. Um erro que eu falava há muito tempo, ficou claro essa semana. Um empregado lá de Brumadinho, da Vale, que ganhava R$ 1 mil, terá a indenização de danos limitada a R$ 50 mil. Um turista não tem limitação quando sofre um dano. A Reforma Trabalhista, ao diminuir a carga do empregador, criou uma espécie de cidadão de segunda classe, que é o trabalhador, logo aquele que é o que emancipa qualquer sociedade. A sociedade só cresce pelo trabalho. Nós já fomos ao Supremo Tribunal Federal para dizer que é inconstitucional esse tabelamento. Acho que esse caso ainda diz muito para as autoridades públicas. Acho que, mesmo com as melhores das intenções, a sociedade quer mudanças rápidas e, muitas vezes, transformações rápidas em uma democracia trazem atrasos, e não avanços. Em uma democracia, muitas vezes, uma resposta simples é uma resposta errada.
Ainda há o fantasma da extinção da Justiça do Trabalho?
Nós seremos defensores da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, apesar de termos desgastes no dia a dia. O Brasil ainda tem uma mão de obra longe da formalidade, é o país que lidera o ranking de acidentes de trabalho no mundo. Acontece um acidente de trabalho no país a cada 48 segundos. É um país que tem boa parte da mão de obra no subemprego. São pessoas que precisam do manto protetivo da Justiça do Trabalho. Ela tem uma missão no Brasil. O Ministério Público do Trabalho tem a mais bela das missões no país: nós temos fronteiras de desenvolvimento agrícola no país que ainda têm trabalho escravo. Eu não posso dizer que não há função para Justiça do Trabalho e MPT em um país que ainda escraviza mão de obra.
Já no Supremo, quais devem ser as pautas prioritárias neste ano?
Eu acho que o STF precisa trazer segurança jurídica. O Supremo passou por uma fase que reflete a convulsão social que o Brasil passou e agora o país precisa voltar à rotina. E parte dessa rotina está ligada à segurança dos contratos, à segurança do país. O Supremo tem que achar uma concertação entre eles, entre seus integrantes. Nós não podemos ter 11 Supremos. Nós precisamos de um Supremo agindo de forma mais cautelosa - e o presidente Dias Toffoli vem dizendo isso, para que possa retomar sua força institucional, deixando os outros papéis para os outros Poderes e que todos possam cumprir seu papel.
O senhor acha que o STF não pode ser pautado pelo clamor social, popular?
Sim. Não que sejamos insensíveis à força do clamor e da forma de convencimento da sociedade que transforma o Direito. O Direito não é abstrato. Agora, não pode ser conjuntural. Tem que ser estrutural. Eu não posso modificar um julgamento ao sabor da conjuntura e das maiorias temporárias, pois a Constituição está aí para proteger as minorias. Esse é o papel do STF.
Temos mais de 1 milhão de advogados e milhões de bacharéis em Direito. Qual a preocupação da Ordem com a advocacia?
Nós temos preocupação com o modelo de formação de nossos advogados. Não temos a devida qualidade e temos visto o crescimento do número de bacharéis. Infelizmente, temos essa tarefa que é um ônus para a OAB, que é o Exame de Ordem, mas temos que seguir com essa tarefa, e nós temos preocupação sim com a ampliação do mercado de trabalho. Temos a grande preocupação com a violação de nossas prerrogativas. Em tempos de arbítrio, e de muita raiva, o advogado é um incompreendido. Essa é uma agenda que já herdamos da gestão Lamachia e que nós seguiremos.
É preocupante as agressões que a advocacia vem sofrendo nos últimos tempos?
No momento da raiva, as pessoas estão procurando soluções fáceis e o advogado é um empecilho, por ser a voz de quem não tem voz. É um momento difícil em que a advocacia reflete o Brasil. Seria estranho uma advocacia rica em um país pobre. Nós somos uma advocacia empobrecida em um país pobre, mas vamos lutar por uma advocacia melhor.
Sempre há propostas para extinção do Exame de Ordem.
O Exame de Ordem é um importante filtro que garante a qualidade do advogado. É um selo de qualidade. Ele sai dali com muitos poderes, que são muito grandes na sociedade e judiciário.
Sua chapa tem como vice um baiano, que é Luiz Viana, que teve uma gestão bem avaliada.
Tem dois processos. Um é coletivo: a presença de Luiz Viana revela o estágio da OAB da Bahia, a força da advocacia da Bahia, como vem sendo bem trabalhada. É um quadro preparado para ter reconhecimento dos outros estados e indicar um vice-presidente. E o outro é pelo pessoal. Viana é uma pessoa repleta de qualidades, de formação filosófica, jurídica, e ele soma enormemente.
Se for necessário, a Ordem pode pedir um novo impeachment no país?
A Ordem não é um garçom que tira pedidos de impeachment. Deus queira que não precisemos fazer isso. E se tiver que fazer, espero que sejamos o último a fazer isso. Mas se tiver, e essa for a vontade e necessidade do momento histórico, nós faremos. Mas espero que isso não seja necessário.
Como manter a democracia brasileira e o desenvolvimento do país?
Garantindo a sucessão democrática, garantindo a voz das minorias, garantindo o processo político, com as instituições funcionando normalmente, em especial, a liberdade de imprensa. Com isso, podemos ter ciclos de forças à esquerda, à direita, pois o país seguirá no rumo que a maioria quer, com respeito a minoria. É um processo civilizatório. O Brasil já caminhou muito e não pode aceitar retrocesso e na perseguição às minorias, aos LGBTs, aos negros que pagaram um preço altíssimo na nossa história, com a escravidão terrível que o Brasil teve. Não podemos dar um passo atrás, porque cada passo custou demais.
Por Cláudia Cardozo
Fonte: www.bahianoticias.com.br
Ele destaca que a Ordem tem um papel importante em um país que discute diversas reformas e mudança nos códigos. Para ele, o projeto de Moro é “legítimo”, ainda mais se considerar que a pauta da segurança foi uma temática fortemente discutida nas eleições presidenciais. “O nosso país tem um alto índice de encarceramento, já é um país de grande conflito policial, que mata inocentes e policiais. Acho que nossa contribuição, com a experiência do advogado, que está na ponta do problema, também leva uma contribuição positiva nesse debate público”, avaliou.
O presidente da OAB nacional declarou que se preocupa com trechos da proposta que aumentam a “letalidade de uma polícia que já é muito letal”. “Estamos levantando números e dados para ajudar neste debate”, informou. Ainda na entrevista, reforçou o posicionamento da instituição na defesa da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT). “Eu não posso dizer que não há função para Justiça do Trabalho e MPT em um país que ainda escraviza mão de obra”, ponderou. Felipe Santa Cruz ainda falou sobre o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) no país e sobre ter como vice-presidente um baiano, que comandou a OAB da Bahia por seis anos.
O senhor assume a presidência da OAB em um novo momento político no país. Sucede a gestão de Cláudio Lamachia, que foi marcada por um pedido de impeachment. Como o senhor enxerga os próximos três anos de gestão neste cenário?
Provavelmente, será um cenário de mudanças. O país passa por um cenário de debates estratégicos, como reformas, mudanças dos códigos, por exemplo. A Ordem tem um papel importante, que é trazer sua contribuição jurídica e técnica para esses debates. Em nossa primeira semana, já fizemos esse enfrentamento e a nossa vontade é de contribuir, de forma serena e técnica, com essas transformações do país.
Como a OAB vai enfrentar o projeto Anticrime de Sérgio Moro?
O projeto é legítimo. O país saiu das urnas com uma forte preocupação sobre segurança pública e a nossa preocupação é que essas medidas tenham o fim que elas pretendem. O nosso país tem um alto índice de encarceramento, já é um país de grande conflito policial, que mata inocentes e policiais. Acho que nossa contribuição, com a experiência do advogado, que está na ponta do problema, também leva uma contribuição positiva nesse debate público.
O Rio, recentemente, passou por uma intervenção federal. A Bahia tem elevados números de conflito entre policiais. Trechos desse projeto não representam um salvo-conduto para policiais matarem em situações em que não é preciso?
Eu vejo aspectos positivos, como a criminalização do Caixa 2. Acho que podemos discutir outros trechos. Mas me preocupa muito aumentar a letalidade de uma polícia que já é muito letal. Estamos levantando números e dados para ajudar neste debate.
Esse texto pode incorrer em alguma inconstitucionalidade?
Estamos atentos a isso. A discussão, por exemplo, da presunção de inocência, execução de pena após decisão de segunda instância, são temas que desafiam a constitucionalidade. Estamos reunindo estudiosos, associações ligadas à OAB, associações que tratam do tema.
Esse projeto é urgente?
Eu acho que nada na vida republicana deve ser mudado de uma hora para outra, apesar de tudo poder ser modificado. Eu dou exemplo: há muito tempo, eu sinalizava que a Reforma Trabalhista acometeu em açodamentos e erros. Um erro que eu falava há muito tempo, ficou claro essa semana. Um empregado lá de Brumadinho, da Vale, que ganhava R$ 1 mil, terá a indenização de danos limitada a R$ 50 mil. Um turista não tem limitação quando sofre um dano. A Reforma Trabalhista, ao diminuir a carga do empregador, criou uma espécie de cidadão de segunda classe, que é o trabalhador, logo aquele que é o que emancipa qualquer sociedade. A sociedade só cresce pelo trabalho. Nós já fomos ao Supremo Tribunal Federal para dizer que é inconstitucional esse tabelamento. Acho que esse caso ainda diz muito para as autoridades públicas. Acho que, mesmo com as melhores das intenções, a sociedade quer mudanças rápidas e, muitas vezes, transformações rápidas em uma democracia trazem atrasos, e não avanços. Em uma democracia, muitas vezes, uma resposta simples é uma resposta errada.
Ainda há o fantasma da extinção da Justiça do Trabalho?
Nós seremos defensores da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, apesar de termos desgastes no dia a dia. O Brasil ainda tem uma mão de obra longe da formalidade, é o país que lidera o ranking de acidentes de trabalho no mundo. Acontece um acidente de trabalho no país a cada 48 segundos. É um país que tem boa parte da mão de obra no subemprego. São pessoas que precisam do manto protetivo da Justiça do Trabalho. Ela tem uma missão no Brasil. O Ministério Público do Trabalho tem a mais bela das missões no país: nós temos fronteiras de desenvolvimento agrícola no país que ainda têm trabalho escravo. Eu não posso dizer que não há função para Justiça do Trabalho e MPT em um país que ainda escraviza mão de obra.
Já no Supremo, quais devem ser as pautas prioritárias neste ano?
Eu acho que o STF precisa trazer segurança jurídica. O Supremo passou por uma fase que reflete a convulsão social que o Brasil passou e agora o país precisa voltar à rotina. E parte dessa rotina está ligada à segurança dos contratos, à segurança do país. O Supremo tem que achar uma concertação entre eles, entre seus integrantes. Nós não podemos ter 11 Supremos. Nós precisamos de um Supremo agindo de forma mais cautelosa - e o presidente Dias Toffoli vem dizendo isso, para que possa retomar sua força institucional, deixando os outros papéis para os outros Poderes e que todos possam cumprir seu papel.
O senhor acha que o STF não pode ser pautado pelo clamor social, popular?
Sim. Não que sejamos insensíveis à força do clamor e da forma de convencimento da sociedade que transforma o Direito. O Direito não é abstrato. Agora, não pode ser conjuntural. Tem que ser estrutural. Eu não posso modificar um julgamento ao sabor da conjuntura e das maiorias temporárias, pois a Constituição está aí para proteger as minorias. Esse é o papel do STF.
Temos mais de 1 milhão de advogados e milhões de bacharéis em Direito. Qual a preocupação da Ordem com a advocacia?
Nós temos preocupação com o modelo de formação de nossos advogados. Não temos a devida qualidade e temos visto o crescimento do número de bacharéis. Infelizmente, temos essa tarefa que é um ônus para a OAB, que é o Exame de Ordem, mas temos que seguir com essa tarefa, e nós temos preocupação sim com a ampliação do mercado de trabalho. Temos a grande preocupação com a violação de nossas prerrogativas. Em tempos de arbítrio, e de muita raiva, o advogado é um incompreendido. Essa é uma agenda que já herdamos da gestão Lamachia e que nós seguiremos.
É preocupante as agressões que a advocacia vem sofrendo nos últimos tempos?
No momento da raiva, as pessoas estão procurando soluções fáceis e o advogado é um empecilho, por ser a voz de quem não tem voz. É um momento difícil em que a advocacia reflete o Brasil. Seria estranho uma advocacia rica em um país pobre. Nós somos uma advocacia empobrecida em um país pobre, mas vamos lutar por uma advocacia melhor.
Sempre há propostas para extinção do Exame de Ordem.
O Exame de Ordem é um importante filtro que garante a qualidade do advogado. É um selo de qualidade. Ele sai dali com muitos poderes, que são muito grandes na sociedade e judiciário.
Sua chapa tem como vice um baiano, que é Luiz Viana, que teve uma gestão bem avaliada.
Tem dois processos. Um é coletivo: a presença de Luiz Viana revela o estágio da OAB da Bahia, a força da advocacia da Bahia, como vem sendo bem trabalhada. É um quadro preparado para ter reconhecimento dos outros estados e indicar um vice-presidente. E o outro é pelo pessoal. Viana é uma pessoa repleta de qualidades, de formação filosófica, jurídica, e ele soma enormemente.
Se for necessário, a Ordem pode pedir um novo impeachment no país?
A Ordem não é um garçom que tira pedidos de impeachment. Deus queira que não precisemos fazer isso. E se tiver que fazer, espero que sejamos o último a fazer isso. Mas se tiver, e essa for a vontade e necessidade do momento histórico, nós faremos. Mas espero que isso não seja necessário.
Como manter a democracia brasileira e o desenvolvimento do país?
Garantindo a sucessão democrática, garantindo a voz das minorias, garantindo o processo político, com as instituições funcionando normalmente, em especial, a liberdade de imprensa. Com isso, podemos ter ciclos de forças à esquerda, à direita, pois o país seguirá no rumo que a maioria quer, com respeito a minoria. É um processo civilizatório. O Brasil já caminhou muito e não pode aceitar retrocesso e na perseguição às minorias, aos LGBTs, aos negros que pagaram um preço altíssimo na nossa história, com a escravidão terrível que o Brasil teve. Não podemos dar um passo atrás, porque cada passo custou demais.
Por Cláudia Cardozo
Fonte: www.bahianoticias.com.br