goo.gl/i4U1X7 | Não é novidade para ninguém que vivemos tempos de radicalismo nas posições políticas. Todos, menos ou mais, passam por situações em que são confrontados pelos que pensam de forma diversa. Isto se dá em qualquer espaço de convívio social, como no ambiente de trabalho, em família ou nas redes sociais.
Palavras em tom agressivo ou mensagens hostis azedam as relações de amizade ou parentesco. Alguns não percebem que uma frase agressiva pode terminar algo muito precioso como a convivência familiar ou uma amizade antiga. Não raramente tal tipo de manifestação gera a saída de alguém do grupo de WhatsApp ou do almoço de domingo na casa da matriarca, ocasionando uma perda que só será avaliada com a passagem do tempo. E a volta ao estado anterior é difícil, pois, como se diz na linguagem popular, “quem bate não lembra, mas quem apanha nunca se esquece”.
Mas o que motiva as manifestações extremadas? Certamente a crença do estar absolutamente certo e a impaciência com a opinião alheia, que, na visão de quem assim se expressa, está totalmente errada. Isto tudo pode estar acompanhado de alguns ingredientes paralelos, como uma certa dose de arrogância ou uma pitada de falta de savoir vivre.
Partindo-se destas premissas, que são de fácil percepção, vamos ao aspecto central, ou seja, os reflexos de tal tipo de procedimento nas profissões jurídicas. Mas, desde logo, um alerta. Não se está a pregar que as pessoas sejam seres apáticos ou que nunca revelem sua opinião, adotando a dos outros, tal qual o personagem Zelig, retratado pelo genial Woody Allen no filme do mesmo nome (1983).
Vindo do início para a consagração profissional, vejamos.
No curso de Direito, alunos podem envolver-se apaixonadamente em política, provavelmente influenciados por um professor que admiram. Nada de errado nisto. O errado está quando transformam isto em pregação permanente. Basta alguém falar do mais singelo aspecto do Direito, como o do consumidor não ficar longo tempo na fila do banco, para que o personagem venha com uma enxurrada de críticas ao sistema econômico e financeiro, na vã suposição de que estará influenciando o pensamento de todos.
Na outra ponta, o professor. Claro que tem ele todo o direito de assumir uma posição de um dos lados ou do meio. Mas politizar tudo, até o crime de bigamia (artigo 235 do Código Penal), é não apenas desagradável como incoerente. Mais grave será prejudicar um aluno que tenha opinião contrária à sua, diminuindo-lhe a nota na avaliação, excluindo-o de atividades acadêmicas ou dificultando-lhe a obtenção de bolsa de estudos.
Nos escritórios de advocacia o problema é menor. Quem neles ingressa, regra geral, adota linha de pensamento coerente com as teses defendidas. Seria grande audácia um jovem advogado sustentar, em uma banca destinada à defesa dos direitos trabalhistas do empregado, que os empregadores têm sempre razão. Mas nem por isso as defesas em juízo devem ser agressivas ou irônicas. O bom advogado sabe que se deve dar às petições um viés científico e em linguagem bem elaborada, além de uma perfeita concatenação de ideias. Não há lugar para, nelas, ofender-se a parte contrária ou os advogados que a defendem.
Os órgãos de segurança devem conduzir-se de forma imparcial, alheios ao aspecto político que pode estar subjacente à discussão. Em uma manifestação nas ruas, os que fazem a segurança devem dar igual tratamento aos grupos que se opõem. Em uma investigação, não é raro que um acusado atribua a quem o denunciou interesse político. Não cabe ao delegado de polícia dar qualquer opinião sobre tal divergência, nem mesmo deixar transparecê-la no rosto. Basta-lhe fingir que não ouviu e prosseguir no seu trabalho. No mais, por abominável que seja a infração, por exemplo, um ato de terrorismo de fundo político, deve tratar com respeito o acusado. Severidade sim, humilhação não.
Na advocacia pública a defesa do poder público não dá margem para paixões políticas. A atuação é mais técnica. Todavia, na defensoria pública, Direito e política nem sempre se distinguem bem. Separá-las é de rigor, pois quem se apaixona pelo caso acaba empregando métodos nem sempre aceitos e, da defesa de um grupo de vulneráveis até a coloração política, a linha divisória nem sempre é nítida. Da mesma forma o Ministério Público, que, na defesa dos direitos coletivos, corre o risco de resvalar para um posicionamento político e, a partir daí, considerar todos os que exercem atividade econômica como violadores das leis.
Servidores do Poder Judiciário também podem ser afetados por essa contaminada relação. Posicionando-se deste ou daquele lado, passam a odiar o colega ao lado. Só que ali passarão, juntos, muitos anos de suas vidas. Óbvio que esta animosidade silenciosa é péssima para o equilíbrio emocional, acabará desaguando em vinganças pessoais e o serviço público será a maior vítima. Cabe a quem exerce a chefia, logo que perceba tal tipo de atitude, chamar as pessoas e corrigir os desvios.
Mas é na magistratura que o risco é maior. Pela simples razão de que, do juiz, se espera a mais absoluta imparcialidade. Um juiz que se vale das redes municipais para exteriorizar suas preferências políticas, mesmo que de forma genérica, evidentemente será considerado suspeito e, consequentemente, impedido de continuar a processar e julgar a ação que tenha em mãos e outras que se encontrem na mesma situação. Não há razão alguma que justifique tal tipo de conduta.
O Direito Constitucional à liberdade de expressão não é ilimitado, como se fosse um salvo-conduto para que cada um diga o que quiser. Por outro lado, a emoção decorrente do momento, por exemplo, a derrota de seu candidato nas eleições, não justifica ofensas a um partido político ou candidato. Tais condutas constituem infração disciplinar e sujeitam o magistrado que as infringe a um desgastante processo administrativo disciplinar.
Quais as consequências dessas várias espécies de situações? Além do que já foi dito, todas geram abismos em relacionamentos e disto podem advir consequências profissionais muito negativas aos que enveredam por esse caminho. Perda de clientes para um advogado, atraso na carreira de alguém que exerça profissão jurídica alinhada com o estado, ressentimentos pouco claros, mas que podem emergir tempos depois, enfim, uma série de consequências negativas.
Em suma, liberdade de expressão é importante, saber usá-la mais ainda. Expor as ideias de forma respeitosa, saber ouvir o outro, ser tolerante, são ingredientes necessários aos que almejam sucesso nas profissões jurídicas e felicidade na vida pessoal.
Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: Conjur
Palavras em tom agressivo ou mensagens hostis azedam as relações de amizade ou parentesco. Alguns não percebem que uma frase agressiva pode terminar algo muito precioso como a convivência familiar ou uma amizade antiga. Não raramente tal tipo de manifestação gera a saída de alguém do grupo de WhatsApp ou do almoço de domingo na casa da matriarca, ocasionando uma perda que só será avaliada com a passagem do tempo. E a volta ao estado anterior é difícil, pois, como se diz na linguagem popular, “quem bate não lembra, mas quem apanha nunca se esquece”.
Mas o que motiva as manifestações extremadas? Certamente a crença do estar absolutamente certo e a impaciência com a opinião alheia, que, na visão de quem assim se expressa, está totalmente errada. Isto tudo pode estar acompanhado de alguns ingredientes paralelos, como uma certa dose de arrogância ou uma pitada de falta de savoir vivre.
Partindo-se destas premissas, que são de fácil percepção, vamos ao aspecto central, ou seja, os reflexos de tal tipo de procedimento nas profissões jurídicas. Mas, desde logo, um alerta. Não se está a pregar que as pessoas sejam seres apáticos ou que nunca revelem sua opinião, adotando a dos outros, tal qual o personagem Zelig, retratado pelo genial Woody Allen no filme do mesmo nome (1983).
Vindo do início para a consagração profissional, vejamos.
No curso de Direito, alunos podem envolver-se apaixonadamente em política, provavelmente influenciados por um professor que admiram. Nada de errado nisto. O errado está quando transformam isto em pregação permanente. Basta alguém falar do mais singelo aspecto do Direito, como o do consumidor não ficar longo tempo na fila do banco, para que o personagem venha com uma enxurrada de críticas ao sistema econômico e financeiro, na vã suposição de que estará influenciando o pensamento de todos.
Na outra ponta, o professor. Claro que tem ele todo o direito de assumir uma posição de um dos lados ou do meio. Mas politizar tudo, até o crime de bigamia (artigo 235 do Código Penal), é não apenas desagradável como incoerente. Mais grave será prejudicar um aluno que tenha opinião contrária à sua, diminuindo-lhe a nota na avaliação, excluindo-o de atividades acadêmicas ou dificultando-lhe a obtenção de bolsa de estudos.
Nos escritórios de advocacia o problema é menor. Quem neles ingressa, regra geral, adota linha de pensamento coerente com as teses defendidas. Seria grande audácia um jovem advogado sustentar, em uma banca destinada à defesa dos direitos trabalhistas do empregado, que os empregadores têm sempre razão. Mas nem por isso as defesas em juízo devem ser agressivas ou irônicas. O bom advogado sabe que se deve dar às petições um viés científico e em linguagem bem elaborada, além de uma perfeita concatenação de ideias. Não há lugar para, nelas, ofender-se a parte contrária ou os advogados que a defendem.
Os órgãos de segurança devem conduzir-se de forma imparcial, alheios ao aspecto político que pode estar subjacente à discussão. Em uma manifestação nas ruas, os que fazem a segurança devem dar igual tratamento aos grupos que se opõem. Em uma investigação, não é raro que um acusado atribua a quem o denunciou interesse político. Não cabe ao delegado de polícia dar qualquer opinião sobre tal divergência, nem mesmo deixar transparecê-la no rosto. Basta-lhe fingir que não ouviu e prosseguir no seu trabalho. No mais, por abominável que seja a infração, por exemplo, um ato de terrorismo de fundo político, deve tratar com respeito o acusado. Severidade sim, humilhação não.
Na advocacia pública a defesa do poder público não dá margem para paixões políticas. A atuação é mais técnica. Todavia, na defensoria pública, Direito e política nem sempre se distinguem bem. Separá-las é de rigor, pois quem se apaixona pelo caso acaba empregando métodos nem sempre aceitos e, da defesa de um grupo de vulneráveis até a coloração política, a linha divisória nem sempre é nítida. Da mesma forma o Ministério Público, que, na defesa dos direitos coletivos, corre o risco de resvalar para um posicionamento político e, a partir daí, considerar todos os que exercem atividade econômica como violadores das leis.
Servidores do Poder Judiciário também podem ser afetados por essa contaminada relação. Posicionando-se deste ou daquele lado, passam a odiar o colega ao lado. Só que ali passarão, juntos, muitos anos de suas vidas. Óbvio que esta animosidade silenciosa é péssima para o equilíbrio emocional, acabará desaguando em vinganças pessoais e o serviço público será a maior vítima. Cabe a quem exerce a chefia, logo que perceba tal tipo de atitude, chamar as pessoas e corrigir os desvios.
Mas é na magistratura que o risco é maior. Pela simples razão de que, do juiz, se espera a mais absoluta imparcialidade. Um juiz que se vale das redes municipais para exteriorizar suas preferências políticas, mesmo que de forma genérica, evidentemente será considerado suspeito e, consequentemente, impedido de continuar a processar e julgar a ação que tenha em mãos e outras que se encontrem na mesma situação. Não há razão alguma que justifique tal tipo de conduta.
O Direito Constitucional à liberdade de expressão não é ilimitado, como se fosse um salvo-conduto para que cada um diga o que quiser. Por outro lado, a emoção decorrente do momento, por exemplo, a derrota de seu candidato nas eleições, não justifica ofensas a um partido político ou candidato. Tais condutas constituem infração disciplinar e sujeitam o magistrado que as infringe a um desgastante processo administrativo disciplinar.
Quais as consequências dessas várias espécies de situações? Além do que já foi dito, todas geram abismos em relacionamentos e disto podem advir consequências profissionais muito negativas aos que enveredam por esse caminho. Perda de clientes para um advogado, atraso na carreira de alguém que exerça profissão jurídica alinhada com o estado, ressentimentos pouco claros, mas que podem emergir tempos depois, enfim, uma série de consequências negativas.
Em suma, liberdade de expressão é importante, saber usá-la mais ainda. Expor as ideias de forma respeitosa, saber ouvir o outro, ser tolerante, são ingredientes necessários aos que almejam sucesso nas profissões jurídicas e felicidade na vida pessoal.
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Vladimir Passos de Freitas é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).
Fonte: Conjur