goo.gl/PTrK49 | Após o incêndio no Centro de Treinamento (CT) Ninho do Urubu, que matou dez adolescentes entre 14 e 17 anos, o Flamengo negocia indenizações às famílias dos garotos. Segundo especialistas, o caso é complexo por dois motivos. Primeiro, porque envolve mudanças na legislação. Além disso, trata-se de trabalhadores sem carteira assinada.
Após a aprovação da reforma trabalhista, em novembro de 2017, a indenização por danos morais a trabalhadores foi limitada a 50 vezes o valor do último salário do profissional que sofreu o acidente.
O artigo 223-G da lei 13.467/2017 estabeleceu ainda que a concessão do dano moral seria baseada em uma “escala de gravidade”. Assim, são aplicadas indenizações de até três vezes o valor do último salário contratual para ofensas consideradas leves; de até cinco vezes, para casos de média gravidade; 20 vezes, para casos graves; e de até 50 vezes para casos considerados gravíssimos.
O advogado Estanislau Maria de Freitas Jr. explica que, antes da reforma trabalhista, a decisão sobre o valor da indenização, conforme a extensão do dano moral, era competência de juízes. E esse valor poderia ser maior. “A reforma, para tentar economizar para os patrões, tabelou [o valor das indenizações]. Antes da reforma, o juiz poderia arbitrar um valor que achava razoável e proporcional diante da necessidade do ofendido, do tamanho do dano e do poder do ofensor”, explica.
Freitas critica o fato de que a medida pode gerar indenizações desiguais para um mesmo dano, conforme o salário do trabalhador.
“Esses meninos, que ainda são jogadores da base, têm salários baixos, porque não viraram estrelas do futebol. Mas todos eles têm potencial de virar”, pondera o advogado. “Mas, se um astro consagrado do futebol morre num alojamento, [a família] vai receber 50 vezes o salário atual dele. Então, para o mesmo dano, você acaba tabelando [as indenizações] de maneira diferente. Trabalhadores diferentes vão receber mais ou menos indenização por um dano igual. E isso é inconstitucional. Fere o princípio da isonomia. Se o dano é o mesmo, a família vai ficar abalada, perdeu filho, irmão, um ente querido. O empregado tem que indenizar igual”, analisa Freitas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra esse limite. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes.
No caso dos garotos que viviam no CT Ninho do Urubu, o advogado atenta para o fato de que o contrato de trabalho dos atletas adolescentes não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Conhecida como Lei Pelé, a legislação que dispõe sobre os regimes de trabalho de atletas afirma que as entidades são obrigadas a dar “condições necessárias” à participação dos trabalhadores em competições, treinos e outras atividades — o que incluiria alojamento, higiene e alimentação.
O artigo 34 da lei prevê que as entidades são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais e o direito à indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. Para categorias não-profissionais, a lei estipula o pagamento mínimo correspondente a doze vezes o valor do salário mínimo vigente ou do valor de contrato de imagem ou de patrocínio — o que for maior.
Dados de um relatório da Confederação Brasileira Federal (CBF) mostram que, em 2016, mais de 80% dos jogadores do futebol brasileiro ganhavam até R$ 1 mil por mês. E o salário de 96% deles não passava de R$ 5 mil.
Freitas interpreta que os meninos estão em um “limbo”, porque não tinham contratos profissionais com o Flamengo: os vínculos eram amadores.
Isso torna o caso diferente do acidente da Chapecoense, por exemplo. As famílias dos 19 jogadores da delegação do clube catarinense, mortos em Medellín, na Colômbia, 29 de novembro de 2016, receberam 26 salários após a confirmação dos óbitos.
O seguro previsto pela CBF para contrato profissional estabelece que o clube deve pagar 14 salários como indenização. No caso da Chapecoense, a própria Confederação decidiu, por conta própria, acrescentar outros 12.
As famílias de alguns jogadores foram à Justiça contra a Chapecoense por danos morais, e uma associação de vítimas tenta receber indenizações da companhia aérea e da Colômbia. A maior parte dos processos está em andamento.
A legislação estabelece que os clubes podem estabelecer vínculos com jogadores a partir dos 14 anos. Depois dos 16 anos, eles podem assinar acordos profissionais.
Por isso, Freitas entende que uma saída para os familiares seria recorrer ao Código Civil, que não tem a limitação imposta pela reforma trabalhista.
O Ministério Público do Trabalho comanda uma força-tarefa para atuar no caso apesar de os jogadores não terem vínculo empregatício.
A assessoria de imprensa do Flamengo informou ao Brasil de Fato que todos os meninos tinham seguro de vida, mas não especificou valores. O clube afirma que valores de indenizações serão definidos e acordados por esse grupo de trabalho, o mais rápido definido. Se a saída for a realização de acordos extra-judiciais, como quer o Flamengo, a limitação de 50 vezes o último salário não deve ser aplicada ao caso.
O incêndio no CT Ninho do Urubu abriu um debate sobre as condições de trabalho dos atletas profissionais e não-profissionais em todo o país.
Os meninos morreram no dia 8 de fevereiro, no bairro carioca de Vargem Grande, após incêndio nos contêineres improvisados que eram utilizados como dormitório. A planta oficial da área estava registrada como estacionamento na Prefeitura do Rio de Janeiro.
O advogado Vinícius Cascone pondera que uma pequena minoria dos clubes possui estrutura física e financeira que garante integralmente saúde e segurança aos atletas. “São alojamentos insalubres, em condições precárias, são recorrentes, principalmente nas categorias de base e nos clubes profissionais das divisões inferiores”, diz.
Cascone pontua ainda que os atletas sofrem violências cotidianas, como ameaças à integridade física e perseguições de treinadores e atletas. O advogado responsabiliza as entidades futebolísticas e a falta de fiscalização na área para coibir as intimidações
“Atualmente, não há qualquer tipo de fiscalização acerca dessas condições de trabalho. E infelizmente, com o desmonte do Ministério do Trabalho, com a ausência das fiscalizações de trabalho no Brasil, o mesmo também acontece em relação à condição dos atletas. É comum os atletas estarem submetidos a isso sem qualquer tipo de fiscalização.”
A Federação Brasileira de Treinadores de Futebol e outros sindicatos fizeram uma representação junto ao ministério público do trabalho em Brasília para convocar as entidades esportivas, clubes e CBF para discutir a questão.
Juca Guimarães e Rute Pina
Edição: Mauro Ramos
Fonte: www.brasildefato.com.br
Após a aprovação da reforma trabalhista, em novembro de 2017, a indenização por danos morais a trabalhadores foi limitada a 50 vezes o valor do último salário do profissional que sofreu o acidente.
O artigo 223-G da lei 13.467/2017 estabeleceu ainda que a concessão do dano moral seria baseada em uma “escala de gravidade”. Assim, são aplicadas indenizações de até três vezes o valor do último salário contratual para ofensas consideradas leves; de até cinco vezes, para casos de média gravidade; 20 vezes, para casos graves; e de até 50 vezes para casos considerados gravíssimos.
Inconstitucional
O advogado Estanislau Maria de Freitas Jr. explica que, antes da reforma trabalhista, a decisão sobre o valor da indenização, conforme a extensão do dano moral, era competência de juízes. E esse valor poderia ser maior. “A reforma, para tentar economizar para os patrões, tabelou [o valor das indenizações]. Antes da reforma, o juiz poderia arbitrar um valor que achava razoável e proporcional diante da necessidade do ofendido, do tamanho do dano e do poder do ofensor”, explica.
Freitas critica o fato de que a medida pode gerar indenizações desiguais para um mesmo dano, conforme o salário do trabalhador.
“Esses meninos, que ainda são jogadores da base, têm salários baixos, porque não viraram estrelas do futebol. Mas todos eles têm potencial de virar”, pondera o advogado. “Mas, se um astro consagrado do futebol morre num alojamento, [a família] vai receber 50 vezes o salário atual dele. Então, para o mesmo dano, você acaba tabelando [as indenizações] de maneira diferente. Trabalhadores diferentes vão receber mais ou menos indenização por um dano igual. E isso é inconstitucional. Fere o princípio da isonomia. Se o dano é o mesmo, a família vai ficar abalada, perdeu filho, irmão, um ente querido. O empregado tem que indenizar igual”, analisa Freitas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra esse limite. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes.
No caso dos garotos que viviam no CT Ninho do Urubu, o advogado atenta para o fato de que o contrato de trabalho dos atletas adolescentes não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Conhecida como Lei Pelé, a legislação que dispõe sobre os regimes de trabalho de atletas afirma que as entidades são obrigadas a dar “condições necessárias” à participação dos trabalhadores em competições, treinos e outras atividades — o que incluiria alojamento, higiene e alimentação.
O artigo 34 da lei prevê que as entidades são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais e o direito à indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada. Para categorias não-profissionais, a lei estipula o pagamento mínimo correspondente a doze vezes o valor do salário mínimo vigente ou do valor de contrato de imagem ou de patrocínio — o que for maior.
Nada de glamour
Dados de um relatório da Confederação Brasileira Federal (CBF) mostram que, em 2016, mais de 80% dos jogadores do futebol brasileiro ganhavam até R$ 1 mil por mês. E o salário de 96% deles não passava de R$ 5 mil.
Freitas interpreta que os meninos estão em um “limbo”, porque não tinham contratos profissionais com o Flamengo: os vínculos eram amadores.
Isso torna o caso diferente do acidente da Chapecoense, por exemplo. As famílias dos 19 jogadores da delegação do clube catarinense, mortos em Medellín, na Colômbia, 29 de novembro de 2016, receberam 26 salários após a confirmação dos óbitos.
O seguro previsto pela CBF para contrato profissional estabelece que o clube deve pagar 14 salários como indenização. No caso da Chapecoense, a própria Confederação decidiu, por conta própria, acrescentar outros 12.
As famílias de alguns jogadores foram à Justiça contra a Chapecoense por danos morais, e uma associação de vítimas tenta receber indenizações da companhia aérea e da Colômbia. A maior parte dos processos está em andamento.
A legislação estabelece que os clubes podem estabelecer vínculos com jogadores a partir dos 14 anos. Depois dos 16 anos, eles podem assinar acordos profissionais.
Por isso, Freitas entende que uma saída para os familiares seria recorrer ao Código Civil, que não tem a limitação imposta pela reforma trabalhista.
O Ministério Público do Trabalho comanda uma força-tarefa para atuar no caso apesar de os jogadores não terem vínculo empregatício.
A assessoria de imprensa do Flamengo informou ao Brasil de Fato que todos os meninos tinham seguro de vida, mas não especificou valores. O clube afirma que valores de indenizações serão definidos e acordados por esse grupo de trabalho, o mais rápido definido. Se a saída for a realização de acordos extra-judiciais, como quer o Flamengo, a limitação de 50 vezes o último salário não deve ser aplicada ao caso.
Condições trabalhistas
O incêndio no CT Ninho do Urubu abriu um debate sobre as condições de trabalho dos atletas profissionais e não-profissionais em todo o país.
Os meninos morreram no dia 8 de fevereiro, no bairro carioca de Vargem Grande, após incêndio nos contêineres improvisados que eram utilizados como dormitório. A planta oficial da área estava registrada como estacionamento na Prefeitura do Rio de Janeiro.
O advogado Vinícius Cascone pondera que uma pequena minoria dos clubes possui estrutura física e financeira que garante integralmente saúde e segurança aos atletas. “São alojamentos insalubres, em condições precárias, são recorrentes, principalmente nas categorias de base e nos clubes profissionais das divisões inferiores”, diz.
Cascone pontua ainda que os atletas sofrem violências cotidianas, como ameaças à integridade física e perseguições de treinadores e atletas. O advogado responsabiliza as entidades futebolísticas e a falta de fiscalização na área para coibir as intimidações
“Atualmente, não há qualquer tipo de fiscalização acerca dessas condições de trabalho. E infelizmente, com o desmonte do Ministério do Trabalho, com a ausência das fiscalizações de trabalho no Brasil, o mesmo também acontece em relação à condição dos atletas. É comum os atletas estarem submetidos a isso sem qualquer tipo de fiscalização.”
A Federação Brasileira de Treinadores de Futebol e outros sindicatos fizeram uma representação junto ao ministério público do trabalho em Brasília para convocar as entidades esportivas, clubes e CBF para discutir a questão.
Juca Guimarães e Rute Pina
Edição: Mauro Ramos
Fonte: www.brasildefato.com.br