goo.gl/bGCPZW | O momento de transição vivido pelo Brasil é uma grande oportunidade de abandonar, de uma vez por todas, vícios e práticas cada vez mais danosos aos pilares da democracia. Como a história já mostrou diversas vezes, nenhum regime democrático está totalmente blindado contra ameaças às suas instituições. Por isso, a existência de uma sociedade ciosa de seus valores fundamentais é fator necessário para a manutenção e o fortalecimento do Estado de Direito.
Um dos piores vícios criados no país nos últimos anos, com sensível reflexo em toda a sociedade, é a indiscriminada autorização dada pelo Ministério da Educação para a abertura de novos cursos de Direito e sua inegável ineficiência na fiscalização da qualidade do ensino jurídico.
Para se ter uma ideia da dimensão do nosso "bacharelismo", possuímos mais faculdades de Direito do que todos os países do mundo somados! Saltamos de 160 cursos em 1996 para mais de 1,4 mil em 2018. E o MEC continua autorizando novas turmas. Apenas em 2018, foram credenciados mais de 300 cursos jurídicos, com a abertura de 44,7 mil vagas.
Para o infortúnio de muitos, a qualidade do ensino é inversamente proporcional ao número de escolas. Na última edição de entrega do selo OAB Recomenda, ocorrida em 2017, apenas 139 escolas de Direito receberam o reconhecimento do Conselho Federal da OAB. Leva-se em conta no ranking a taxa de aprovação dos egressos no Exame de Ordem e as notas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
Um resultado previsível dessa verdadeira patologia social é a frustração do enorme contingente de bacharéis que não conseguem colocação profissional, gerando o inchaço e a desqualificação do mercado de trabalho para profissões jurídicas. Nas palavras do eminente vice-decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, "vende-se o sonho e entrega-se o pesadelo".
Muito oportuno, portanto, foi o ofício enviado pela Ordem dos Advogados do Brasil, no fim de janeiro, ao novo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. No documento, a entidade instou o ministro a abandonar práticas de gestões anteriores e a suspender o andamento dos processos de liberação de novos cursos jurídicos.
O primeiro grande problema causado pela liberação indiscriminada é que os estudantes são ludibriados por instituições sem condições de oferecer uma formação com um mínimo de qualidade e de prepará-los para um mercado cada vez mais disputado e saturado. Isso é o que se convencionou chamar de "pacto da hipocrisia": eu finjo que ensino, você finge que aprende. Ou seja, o aluno gasta muito tempo e dinheiro para pagar as mensalidades e custear seus estudos, mas, no fim, tem seus objetivos e ambições profissionais frustradas. Passa, então, a compor a massa dotada de diploma superior e desprovida de empregos qualificados.
Segundo os dados mais atuais do Conselho Federal da OAB, deste mês, existem no Brasil mais de 1,1 milhão de advogados. Esse número só não cresce ainda mais porque, a cada ano, são feitas três edições do Exame de Ordem, que é um controle rigoroso e necessário para assegurar à sociedade um padrão mínimo de qualidade dos profissionais que se dispõem a advogar e cuidar do que há de mais precioso para o cidadão: sua liberdade e seu patrimônio.
O segundo problema causado pelo trem da alegria da liberação dos cursos de Direito afeta direta e negativamente o sistema judicial como um todo. A formação jurídica prepara pessoas para diversas profissões, todas elas indispensáveis para o bom funcionamento do Judiciário e para a realização da Justiça. São os advogados, os magistrados, os defensores públicos, os integrantes do Ministério Público e das diversas carreiras da advocacia pública, além dos policiais e dos que compõem as carreiras de apoio que exigem curso superior em Direito.
Sem a disponibilidade de mão de obra qualificada para essas funções, as vagas do serviço público tendem a não ser preenchidas por falta de candidatos qualificados que atinjam a pontuação mínima nos concursos. Com o tempo, isso levará à diminuição, por exemplo, do número de juízes e de procuradores, com o consequente aumento da morosidade dos processos. Como exemplo, pode-se citar levantamento publicado pelo Conselho Nacional de Justiça que apontava haver mais de 4 mil cargos de juízes vagos em 2018. Uma outra consequência possível, ainda, é a diminuição das exigências dos concursos, permitindo o ingresso nessas carreiras de profissionais despreparados.
O mesmo vale para a iniciativa privada. O controle exercido pelo Exame da OAB prova que a maior parte das faculdades brasileiras oferece uma formação de péssima qualidade para seus estudantes. Na última edição do Exame, menos de 11% dos inscritos foram aprovados. No ranking da publicação especializada Guia do Estudante, referente a 2018, apenas 17 dos mais de 1,4 mil cursos de Direito do país foram avaliados com a nota máxima.
Esse dramático quadro exige que o Poder Executivo adote, com a urgência necessária, uma postura muito mais firme, no sentido de dar um basta a essa situação e de promover a qualificação do mercado jurídico no país. Trata-se de uma medida fundamental para valorizar a juventude e proteger o Estado Democrático de Direito, que é um nível civilizatório alcançado a duras penas e do qual não podemos abdicar.
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Francisco Caputo é sócio do Caputo, Bastos e Serra, conselheiro federal pela OAB-DF e ex-presidente da seccional.
Fonte: Conjur
Um dos piores vícios criados no país nos últimos anos, com sensível reflexo em toda a sociedade, é a indiscriminada autorização dada pelo Ministério da Educação para a abertura de novos cursos de Direito e sua inegável ineficiência na fiscalização da qualidade do ensino jurídico.
Para se ter uma ideia da dimensão do nosso "bacharelismo", possuímos mais faculdades de Direito do que todos os países do mundo somados! Saltamos de 160 cursos em 1996 para mais de 1,4 mil em 2018. E o MEC continua autorizando novas turmas. Apenas em 2018, foram credenciados mais de 300 cursos jurídicos, com a abertura de 44,7 mil vagas.
Para o infortúnio de muitos, a qualidade do ensino é inversamente proporcional ao número de escolas. Na última edição de entrega do selo OAB Recomenda, ocorrida em 2017, apenas 139 escolas de Direito receberam o reconhecimento do Conselho Federal da OAB. Leva-se em conta no ranking a taxa de aprovação dos egressos no Exame de Ordem e as notas do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
Um resultado previsível dessa verdadeira patologia social é a frustração do enorme contingente de bacharéis que não conseguem colocação profissional, gerando o inchaço e a desqualificação do mercado de trabalho para profissões jurídicas. Nas palavras do eminente vice-decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, "vende-se o sonho e entrega-se o pesadelo".
Muito oportuno, portanto, foi o ofício enviado pela Ordem dos Advogados do Brasil, no fim de janeiro, ao novo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. No documento, a entidade instou o ministro a abandonar práticas de gestões anteriores e a suspender o andamento dos processos de liberação de novos cursos jurídicos.
O primeiro grande problema causado pela liberação indiscriminada é que os estudantes são ludibriados por instituições sem condições de oferecer uma formação com um mínimo de qualidade e de prepará-los para um mercado cada vez mais disputado e saturado. Isso é o que se convencionou chamar de "pacto da hipocrisia": eu finjo que ensino, você finge que aprende. Ou seja, o aluno gasta muito tempo e dinheiro para pagar as mensalidades e custear seus estudos, mas, no fim, tem seus objetivos e ambições profissionais frustradas. Passa, então, a compor a massa dotada de diploma superior e desprovida de empregos qualificados.
Segundo os dados mais atuais do Conselho Federal da OAB, deste mês, existem no Brasil mais de 1,1 milhão de advogados. Esse número só não cresce ainda mais porque, a cada ano, são feitas três edições do Exame de Ordem, que é um controle rigoroso e necessário para assegurar à sociedade um padrão mínimo de qualidade dos profissionais que se dispõem a advogar e cuidar do que há de mais precioso para o cidadão: sua liberdade e seu patrimônio.
O segundo problema causado pelo trem da alegria da liberação dos cursos de Direito afeta direta e negativamente o sistema judicial como um todo. A formação jurídica prepara pessoas para diversas profissões, todas elas indispensáveis para o bom funcionamento do Judiciário e para a realização da Justiça. São os advogados, os magistrados, os defensores públicos, os integrantes do Ministério Público e das diversas carreiras da advocacia pública, além dos policiais e dos que compõem as carreiras de apoio que exigem curso superior em Direito.
Sem a disponibilidade de mão de obra qualificada para essas funções, as vagas do serviço público tendem a não ser preenchidas por falta de candidatos qualificados que atinjam a pontuação mínima nos concursos. Com o tempo, isso levará à diminuição, por exemplo, do número de juízes e de procuradores, com o consequente aumento da morosidade dos processos. Como exemplo, pode-se citar levantamento publicado pelo Conselho Nacional de Justiça que apontava haver mais de 4 mil cargos de juízes vagos em 2018. Uma outra consequência possível, ainda, é a diminuição das exigências dos concursos, permitindo o ingresso nessas carreiras de profissionais despreparados.
O mesmo vale para a iniciativa privada. O controle exercido pelo Exame da OAB prova que a maior parte das faculdades brasileiras oferece uma formação de péssima qualidade para seus estudantes. Na última edição do Exame, menos de 11% dos inscritos foram aprovados. No ranking da publicação especializada Guia do Estudante, referente a 2018, apenas 17 dos mais de 1,4 mil cursos de Direito do país foram avaliados com a nota máxima.
Esse dramático quadro exige que o Poder Executivo adote, com a urgência necessária, uma postura muito mais firme, no sentido de dar um basta a essa situação e de promover a qualificação do mercado jurídico no país. Trata-se de uma medida fundamental para valorizar a juventude e proteger o Estado Democrático de Direito, que é um nível civilizatório alcançado a duras penas e do qual não podemos abdicar.
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Francisco Caputo é sócio do Caputo, Bastos e Serra, conselheiro federal pela OAB-DF e ex-presidente da seccional.
Fonte: Conjur