goo.gl/EbMAFA | O Brasil é o país com maior número de casamentos infantis na América Latina. A maior parte dos casos envolvem meninas menores de idade, casadas com homens, em média, nove anos mais velhos.
Para impedir casamentos antes dos 16 anos, o governo federal aprovou no dia 12 de março deste ano a alteração da lei 13.811 do Código Civil, que proíbe a prática. Especialistas ouvidos pelo R7 reconhecem a importância da legislação, mas afirmam que é insuficiente para acabar com as uniões informais.
Crianças e adolescentes com menos de 16 anos não vão poder casar legalmente, nem com a autorização dos pais. Antes da nova redação, havia brechas que permitiam que meninas e meninos casassem mais novos com autorização judicial ou dos pais, principalmente em casos em que a menina ficasse grávida.
A nova redação diz que "Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código". No Brasil, a idade núbil é de 16 anos, enquanto a maioridade legal é de 18 anos.
Segundo pesquisa do Unicef (Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas), cerca de 12 milhões de meninas se casam antes dos 18 anos em todo mundo. A pesquisa “Ela vai no meu barco”, da ONG Promundo, mostra que o país também ocupa o quarto lugar em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos, com 887 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que se casaram até os 15 anos (11%).
A advogada Paula Diaz Cruz, de Direito de Família e Sucessões do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados, afirma que a aprovação é importante no combate contra o abuso sexual de crianças e adolescentes.
“Essa alteração da norma passa uma mensagem de que o casamento infantil não é visto com bons olhos. O maior objetivo é mostrar que deve haver a preocupação sobre o casamento entre menores e isso, de toda a forma, abre um caminho para ser repelido”, afirma.
Antes de 2005, havia uma previsão legal no Código Penal de que, em caso de abuso sexual, o acusado deixava de ser incriminado judicialmente caso se casasse com a vítima. Para evitar que este tipo de situação acontecesse, houve uma alteração na lei que não extinguia a condenação. Especialistas afirmam, no entanto, que ainda existia uma brecha legal e, por isso, a importância da mudança no Código Civil sancionada neste mês.
A Oficial de Participação e Desenvolvimento de Adolescentes do Unicef no Brasil, Gabriela Goulart Mora, considera a aprovação importante, mas não suficiente.
"É preciso discutir o tema nas escolas, na mídia. Trabalhar todas as perspectivas do assunto"
Gabriela Mora
A erradicação do casamento infantil é um dos trabalhos do Unicef e um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — a meta prevê que o fim da prática aconteça até 2030. Para Gabriela, no entanto, ainda falta muito para que isso se torne realidade.
“Precisamos repensar e acelerar as ações para atingir a meta. Estamos falando de mudança cultural. É muito difícil de conseguir”, explica.
A advogada especialista em Direito de Família e Planejamento Sucessório Karime Costalunga diz que a lei serve para “acabar com as permissões de celebração de casamento infantil”. “Isso vai assustar os agentes (de crimes sexuais). Não vai ter mais um paliativo. Não vai ter mais uma maneira de amenizar o crime”, explica.
Para Karime, “existem práticas consolidadas na sociedade que merecem atenção, que merecem regra”, como é o caso do casamento infantil. A advogada diz que não se pode esquecer que o Brasil é um país que abriga diversas realidades e isso precisa ser considerado para entender o problema, mas que é um avanço ver que o Executivo e o Legislativo demonstrem preocupação com o tema.
No entanto, dificilmente a lei terá força para impedir as uniões estáveis, ou seja, quando as duas partes convivem, mas não houve a celebração oficial do casamento. Para Paula, “não tem como impedir a união, já que as pessoas têm a liberdade de se relacionar. Por mais que exista uma legislação que proíba o casamento, elas vão continuar se relacionando de maneira alternativa”.
A única questão que deve ser debatida, para as advogadas, é a respeito das uniões estáveis.
Segundo Paula, o judiciário pode enfrentar casos de adultos que um deles tenha estado na união estável desde antes dos 16 anos. É possível que a Justiça invalide a união estável, já que houve situações em que foi equiparada ao casamento.
Karime afirma que será preciso tempo para entender como a lei se manifestará na prática. “Provavelmente vamos ter estatísticas que vão diminuir (a quantidade de casamentos infantis)”, afirma.
O casamento infantil no Brasil acontece de maneira mais informal, diferentemente de outros países do mundo, como a Índia, onde a união aparece como um ritual religioso. É o que explica Gabriela.
Aqui, a pobreza e a tentativa de encontrar no casamento uma solução para um contexto de violência são grandes motivações. A vivência da sexualidade sem controle moral também leva principalmente meninas a estas uniões.
“Em uma sociedade que controla muito mais os corpos das meninas [do que dos meninos], a sexualidade delas é um resultado. Elas são mais afetadas, porque a pressão é maior. É um reflexo de machismo e de uma desigualdade de gênero”, explica Gabriela.
O psicólogo Roberto Debski afirma que o casamento na infância ou adolescência pode deixar sequelas físicas e psicológicas para o resto da vida. Algumas pessoas são obrigadas a abandonar os estudos, meninas tendem a engravidar mais cedo e projetos pessoais são bloqueados.
“Lidar com trabalho, dinheiro e sexualidade são funções do adulto. Quando você submete uma criança a lidar com isso, é um abuso”, afirma Debski. Para ele, não há maturidade física nem emocional para assumir um casamento.
Para a oficial da Unicef Gabriela, o casamento infantil viola uma série de direitos humanos. “Ficam suscetíveis a violência doméstica, acumulam um nível de responsabilidade com o ambiente doméstico maior, perdem a possibilidade de conviver entre pares, o que é fundamental para a fase de socialização”, afirma.
A falta de maturidade também potencializa as chances de violências dentro do casamento. Debski diz que “a criança vai estar preparada emocionalmente para ter um relacionamento quando ela passar pelas fases da vida. Se você coloca isso antes do tempo, você impede que complete os ciclos naturais".
A maior parte das vezes não é a criança que busca a vida a dois, imposta por situações externas. “O casamento infantil acontece muitas vezes porque a menina busca isso porque é algo que vida impõe. [...] Não é um movimento natural de uma criança buscar o casamento”, afirma Debski.
Gabriela explica que existe uma relação desigual de poder nestes tipos de casamento, já que o mais velho é uma pessoa mais madura, mais capaz de tomar decisões.
Enquanto instituição, a Unicef realiza um trabalho de mediação entre as meninas que passam pelo casamento infantil e os gestores públicos. O objetivo é que as demandas cheguem até o poder público, para que saibam como controlar o problema e dar a melhor assistência para estas crianças e adolescentes.
Já enquanto sociedade, Gabriela orienta que os brasileiros repensem o projeto social que desejam para o país, buscando soluções para a questão. “O que acontece é uma tolerância social. Como se aceitássemos essa prática, porque a gente legitima isso por questões morais, por não encontrar outras soluções”, afirma.
"O que podemos fazer enquanto sociedade é pensar se queremos isso para as adolescentes"
Gabriela Mora
Giuliana Saringer, do R7
Fonte: noticias.r7.com
Para impedir casamentos antes dos 16 anos, o governo federal aprovou no dia 12 de março deste ano a alteração da lei 13.811 do Código Civil, que proíbe a prática. Especialistas ouvidos pelo R7 reconhecem a importância da legislação, mas afirmam que é insuficiente para acabar com as uniões informais.
Crianças e adolescentes com menos de 16 anos não vão poder casar legalmente, nem com a autorização dos pais. Antes da nova redação, havia brechas que permitiam que meninas e meninos casassem mais novos com autorização judicial ou dos pais, principalmente em casos em que a menina ficasse grávida.
A nova redação diz que "Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código". No Brasil, a idade núbil é de 16 anos, enquanto a maioridade legal é de 18 anos.
Segundo pesquisa do Unicef (Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas), cerca de 12 milhões de meninas se casam antes dos 18 anos em todo mundo. A pesquisa “Ela vai no meu barco”, da ONG Promundo, mostra que o país também ocupa o quarto lugar em números absolutos de mulheres casadas até a idade de 15 anos, com 887 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que se casaram até os 15 anos (11%).
A advogada Paula Diaz Cruz, de Direito de Família e Sucessões do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados, afirma que a aprovação é importante no combate contra o abuso sexual de crianças e adolescentes.
“Essa alteração da norma passa uma mensagem de que o casamento infantil não é visto com bons olhos. O maior objetivo é mostrar que deve haver a preocupação sobre o casamento entre menores e isso, de toda a forma, abre um caminho para ser repelido”, afirma.
Antes de 2005, havia uma previsão legal no Código Penal de que, em caso de abuso sexual, o acusado deixava de ser incriminado judicialmente caso se casasse com a vítima. Para evitar que este tipo de situação acontecesse, houve uma alteração na lei que não extinguia a condenação. Especialistas afirmam, no entanto, que ainda existia uma brecha legal e, por isso, a importância da mudança no Código Civil sancionada neste mês.
A Oficial de Participação e Desenvolvimento de Adolescentes do Unicef no Brasil, Gabriela Goulart Mora, considera a aprovação importante, mas não suficiente.
"É preciso discutir o tema nas escolas, na mídia. Trabalhar todas as perspectivas do assunto"
Gabriela Mora
A erradicação do casamento infantil é um dos trabalhos do Unicef e um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — a meta prevê que o fim da prática aconteça até 2030. Para Gabriela, no entanto, ainda falta muito para que isso se torne realidade.
“Precisamos repensar e acelerar as ações para atingir a meta. Estamos falando de mudança cultural. É muito difícil de conseguir”, explica.
A advogada especialista em Direito de Família e Planejamento Sucessório Karime Costalunga diz que a lei serve para “acabar com as permissões de celebração de casamento infantil”. “Isso vai assustar os agentes (de crimes sexuais). Não vai ter mais um paliativo. Não vai ter mais uma maneira de amenizar o crime”, explica.
Para Karime, “existem práticas consolidadas na sociedade que merecem atenção, que merecem regra”, como é o caso do casamento infantil. A advogada diz que não se pode esquecer que o Brasil é um país que abriga diversas realidades e isso precisa ser considerado para entender o problema, mas que é um avanço ver que o Executivo e o Legislativo demonstrem preocupação com o tema.
No entanto, dificilmente a lei terá força para impedir as uniões estáveis, ou seja, quando as duas partes convivem, mas não houve a celebração oficial do casamento. Para Paula, “não tem como impedir a união, já que as pessoas têm a liberdade de se relacionar. Por mais que exista uma legislação que proíba o casamento, elas vão continuar se relacionando de maneira alternativa”.
A única questão que deve ser debatida, para as advogadas, é a respeito das uniões estáveis.
Segundo Paula, o judiciário pode enfrentar casos de adultos que um deles tenha estado na união estável desde antes dos 16 anos. É possível que a Justiça invalide a união estável, já que houve situações em que foi equiparada ao casamento.
Karime afirma que será preciso tempo para entender como a lei se manifestará na prática. “Provavelmente vamos ter estatísticas que vão diminuir (a quantidade de casamentos infantis)”, afirma.
O casamento infantil no Brasil acontece de maneira mais informal, diferentemente de outros países do mundo, como a Índia, onde a união aparece como um ritual religioso. É o que explica Gabriela.
Aqui, a pobreza e a tentativa de encontrar no casamento uma solução para um contexto de violência são grandes motivações. A vivência da sexualidade sem controle moral também leva principalmente meninas a estas uniões.
“Em uma sociedade que controla muito mais os corpos das meninas [do que dos meninos], a sexualidade delas é um resultado. Elas são mais afetadas, porque a pressão é maior. É um reflexo de machismo e de uma desigualdade de gênero”, explica Gabriela.
Impacto do casamento infantil
O psicólogo Roberto Debski afirma que o casamento na infância ou adolescência pode deixar sequelas físicas e psicológicas para o resto da vida. Algumas pessoas são obrigadas a abandonar os estudos, meninas tendem a engravidar mais cedo e projetos pessoais são bloqueados.
“Lidar com trabalho, dinheiro e sexualidade são funções do adulto. Quando você submete uma criança a lidar com isso, é um abuso”, afirma Debski. Para ele, não há maturidade física nem emocional para assumir um casamento.
Para a oficial da Unicef Gabriela, o casamento infantil viola uma série de direitos humanos. “Ficam suscetíveis a violência doméstica, acumulam um nível de responsabilidade com o ambiente doméstico maior, perdem a possibilidade de conviver entre pares, o que é fundamental para a fase de socialização”, afirma.
A falta de maturidade também potencializa as chances de violências dentro do casamento. Debski diz que “a criança vai estar preparada emocionalmente para ter um relacionamento quando ela passar pelas fases da vida. Se você coloca isso antes do tempo, você impede que complete os ciclos naturais".
A maior parte das vezes não é a criança que busca a vida a dois, imposta por situações externas. “O casamento infantil acontece muitas vezes porque a menina busca isso porque é algo que vida impõe. [...] Não é um movimento natural de uma criança buscar o casamento”, afirma Debski.
Gabriela explica que existe uma relação desigual de poder nestes tipos de casamento, já que o mais velho é uma pessoa mais madura, mais capaz de tomar decisões.
Enquanto instituição, a Unicef realiza um trabalho de mediação entre as meninas que passam pelo casamento infantil e os gestores públicos. O objetivo é que as demandas cheguem até o poder público, para que saibam como controlar o problema e dar a melhor assistência para estas crianças e adolescentes.
Já enquanto sociedade, Gabriela orienta que os brasileiros repensem o projeto social que desejam para o país, buscando soluções para a questão. “O que acontece é uma tolerância social. Como se aceitássemos essa prática, porque a gente legitima isso por questões morais, por não encontrar outras soluções”, afirma.
"O que podemos fazer enquanto sociedade é pensar se queremos isso para as adolescentes"
Gabriela Mora
Giuliana Saringer, do R7
Fonte: noticias.r7.com