Falta de decoro: Procurador divulga fotos de provas colhidas em casa de investigado

goo.gl/TVn1eH | O procurador da República Felipe Bogado não contava com a falta de astúcia dos jornalistas para quem ele enviou fotos das provas colhidas na casa de um investigado. O vazamento foi divulgado pelo portal G1 neste sábado (23/3) ao noticiar investigação sobre um vizinho que pode ter sido "caixa forte" do ex-presidente Michel Temer, o empresário Vanderlei De Natale. No fac-símile da foto feita pelo procurador, aparece seu nome como remetente (veja abaixo).

Ainda que em processos e inquéritos públicos não haja, em princípio, a obrigação do sigilo, cabe ao juiz e não ao Ministério Público a decisão do que pode ser divulgado, observa o advogado Rodrigo Dall’acqua. “É o juiz quem decide sobre a manutenção ou não do sigilo da busca e apreensão. As provas colhidas devem ser juntadas ao processo e submetidas à análise do Juiz e da defesa, que tem a prerrogativa de apontar ilegalidade e abusos na busca”, diz Dall’acqua. “Tanto mais por envolver um menor, o filho do ex-presidente, que tem nome e imagem protegidos pela lei”, comenta Alberto Zacharias Toron.

O crime de violação de sigilo funcional está tipificado no artigo 325 do Código Penal. O servidor que “revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação” pode ser punido com pena de 6 meses a 6 anos, se a quebra de sigilo causar dano à administração pública ou a terceiro.

O site solicitou ao penalista do Espírito Santo, Fabrício Oliveira Campos uma análise do vazamento. Seguem suas apreciações:

“Em regra, os atos de investigação tramitam sob sigilo, ainda mais quando se tratam de diligências em curso, a teor do artigo 20 do CPP. Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, ao aprovar o enunciado de Súmula Vinculante 14, que obriga autoridades policiais a permitirem o acesso às provas aos advogados, teve em mente que as autoridades policiais (e o MP por extensão, por ser destinatário e/ou órgão investigante) conduzem atos de investigação sob o sigilo inerente a essa atividade. Enfim: a regra é a de que o sigilo seja resguardado pela autoridade policial, exceto para os defensores do acusado.

Além disso, informações referentes a menores de idade, ainda que não diretamente relacionados a atos infracionais, mas que se conectem de alguma forma com eventos que possam ser perturbadores de sua imagem, são preservados explicitamente pelo sigilo, compreensão essa que vem dos artigo 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

 Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

São poucos os casos de infrações funcionais previstas na Lei Orgânica do Ministério Público da União, dois aspectos chamam a atenção desde logo:

Art. 236. O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente:
[...]
 II - guardar segredo sobre assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo ou função;
[...]
 VIII - tratar com urbanidade as pessoas com as quais se relacione em razão do serviço;

Enquanto não há autorização judicial escrutinando a publicidade de atos de investigação, eles deveriam ser mantidos sob sigilo, exceto para os defensores e, considerando a intimidade de um menor envolvido, informações sobre documentos envolvendo o filho do ex-presidente deveriam (mais do que o restante das informações), ser preservadas conforme o ECREAD.

Em segundo lugar, o propósito de prestar informações em tempo real para a imprensa de documentos objeto de busca e apreensão escapa às funções do MPF a causa uma agressão indevida ao acusado, mais do que a agressão legitimada pela busca e apreensão e pela prisão. Trata-se, a meu ver, de um excesso de agressão à imagem do acusado e de sua família e, portanto, ‘falta de urbanidade’.”

Fonte: Conjur
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