goo.gl/1WC33i | Uma questão intrincada e interessante reside na discussão a respeito da responsabilidade civil do Estado quando policial de folga ou de férias causa dano injusto a outrem. O fato do policial não estar em horário de serviço exclui a responsabilidade estatal ou não?
A discussão principia pelo art. 37, § 6º, da CF/88 assim redigido:
§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A partir do dispositivo constitucional o delicado e tormentoso tema já foi enfrentado pelos tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal sem, contudo, restar pacificado.
O Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades[1] decidiu pela responsabilidade estatal, levando em conta os seguintes fatores: a) o policial de folga ou em férias, ainda que não esteja no exercício da função, ainda é agente público, especialmente quando se coloca como tal intervindo em favor de terceiro ameaçado e mormente quando se identifica como policial); b) uso de arma da corporação; c) má escolha do policial pelo Estado quando da seleção; d) a presunção de segurança transmitida pelo uso da farda pelo policial.
Nos julgados mais antigos[2], os casos envolviam policiais fardados, o que inocorre nos julgamentos mais recentes. Ainda assim, é notória a influência dos precedentes mais remotos sobre os mais recentes, ainda que o policial não estivesse fardado.
Nas decisões mais recentes, tal como na apreciação do Recurso Extraordinário 135.310, os fatos que determinaram o veredicto são no sentido de que o servidor é policial 24 horas por dia, da ocorrência de autodeclaração da condição de policial durante o acontecimento, ser a arma pertencente ao Estado e ter ocorrido culpa in eligendo da Administração Pública ao selecionar o profissional. E a linha seguida pelo Supremo Tribunal Federal não se limita aos casos envolvendo disparo de arma de fogo, tendo o raciocínio de que o dano causado pelo agente nessa condição, ainda que fora de suas funções, impõe a responsabilidade civil do Estado, sido aplicado quando do julgamento do Agravo Regimento no Recurso Extraordinário 294.440. No aresto procedeu-se à apreciação de caso envolvendo acidente de trânsito no qual servidor conduzindo veículo oficial causa dano a outrem.
Há um julgamento aparentemente dissonante do entendimento do Supremo Tribunal Federal e que vem sendo apontado pela doutrina[3] que consiste na decisão do Recurso Extraordinário 363.423. O caso consistiu em pedido de indenização feito tendo em vista homicídio praticado por policial que tinha relacionamento afetivo com a vítima. O STF recusou o pleito compensatório, forte no caráter privado da relação entre homicida e vítima, apesar da arma utilizada no crime ser do Estado.
O entendimento aparentemente isolado e destoante do posicionamento da Corte foi, contudo, ratificado em julgamento posterior envolvendo outro fato. Note-se que o fato da arma utilizada ser da corporação, todavia, não implica, por si só, na responsabilidade civil do Estado quando o agente age em legítima defesa em conflito de caráter particular (STF, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 840.340).
Nota-se, ainda, ter havido um entendimento nos últimos tempos de que não seria admissível o conhecimento do assunto em sede de Recurso Extraordinário, seja por envolver reexame de matéria de fato (ARE 725763 AgR, ARE 919386 AgR), seja por se tratar de questão infraconstitucional (AI 838358 AgR).
Enfim, a questão é polêmica e não está pacificada nos tribunais, existindo o risco de entendimentos distintos serem adotados sem uma uniformização do tratamento do tema.
*Tiago Bitencourt de David é Mestre em Direito (PUCRS); especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER), em Contratos e Responsabilidade Civil (Verbo Jurídico); Pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (Toledo/Espanha) e Bacharel em Filosofia (UNISUL). Atua como Juiz Federal Substituto na Terceira Região.
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[1] Exemplificativamente: Recursos Extraordinários 80.839, 82.144, 135.310, 160.401, 163.203; Nos Embargos de Divergência no segundo Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 603.626
[2] Recursos Extraordinários 80.839, 82.144 e 163.203.
[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1.025
Por Tiago Bitencourt de David*
Juristas
http://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.
Fonte: juristas.com.br
A discussão principia pelo art. 37, § 6º, da CF/88 assim redigido:
§ 6° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A partir do dispositivo constitucional o delicado e tormentoso tema já foi enfrentado pelos tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal sem, contudo, restar pacificado.
O Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades[1] decidiu pela responsabilidade estatal, levando em conta os seguintes fatores: a) o policial de folga ou em férias, ainda que não esteja no exercício da função, ainda é agente público, especialmente quando se coloca como tal intervindo em favor de terceiro ameaçado e mormente quando se identifica como policial); b) uso de arma da corporação; c) má escolha do policial pelo Estado quando da seleção; d) a presunção de segurança transmitida pelo uso da farda pelo policial.
Nos julgados mais antigos[2], os casos envolviam policiais fardados, o que inocorre nos julgamentos mais recentes. Ainda assim, é notória a influência dos precedentes mais remotos sobre os mais recentes, ainda que o policial não estivesse fardado.
Nas decisões mais recentes, tal como na apreciação do Recurso Extraordinário 135.310, os fatos que determinaram o veredicto são no sentido de que o servidor é policial 24 horas por dia, da ocorrência de autodeclaração da condição de policial durante o acontecimento, ser a arma pertencente ao Estado e ter ocorrido culpa in eligendo da Administração Pública ao selecionar o profissional. E a linha seguida pelo Supremo Tribunal Federal não se limita aos casos envolvendo disparo de arma de fogo, tendo o raciocínio de que o dano causado pelo agente nessa condição, ainda que fora de suas funções, impõe a responsabilidade civil do Estado, sido aplicado quando do julgamento do Agravo Regimento no Recurso Extraordinário 294.440. No aresto procedeu-se à apreciação de caso envolvendo acidente de trânsito no qual servidor conduzindo veículo oficial causa dano a outrem.
Há um julgamento aparentemente dissonante do entendimento do Supremo Tribunal Federal e que vem sendo apontado pela doutrina[3] que consiste na decisão do Recurso Extraordinário 363.423. O caso consistiu em pedido de indenização feito tendo em vista homicídio praticado por policial que tinha relacionamento afetivo com a vítima. O STF recusou o pleito compensatório, forte no caráter privado da relação entre homicida e vítima, apesar da arma utilizada no crime ser do Estado.
O entendimento aparentemente isolado e destoante do posicionamento da Corte foi, contudo, ratificado em julgamento posterior envolvendo outro fato. Note-se que o fato da arma utilizada ser da corporação, todavia, não implica, por si só, na responsabilidade civil do Estado quando o agente age em legítima defesa em conflito de caráter particular (STF, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 840.340).
Nota-se, ainda, ter havido um entendimento nos últimos tempos de que não seria admissível o conhecimento do assunto em sede de Recurso Extraordinário, seja por envolver reexame de matéria de fato (ARE 725763 AgR, ARE 919386 AgR), seja por se tratar de questão infraconstitucional (AI 838358 AgR).
Enfim, a questão é polêmica e não está pacificada nos tribunais, existindo o risco de entendimentos distintos serem adotados sem uma uniformização do tratamento do tema.
*Tiago Bitencourt de David é Mestre em Direito (PUCRS); especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER), em Contratos e Responsabilidade Civil (Verbo Jurídico); Pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (Toledo/Espanha) e Bacharel em Filosofia (UNISUL). Atua como Juiz Federal Substituto na Terceira Região.
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[1] Exemplificativamente: Recursos Extraordinários 80.839, 82.144, 135.310, 160.401, 163.203; Nos Embargos de Divergência no segundo Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 603.626
[2] Recursos Extraordinários 80.839, 82.144 e 163.203.
[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 1.025
Por Tiago Bitencourt de David*
Juristas
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Fonte: juristas.com.br