O temor que tolhe a independência e a altivez dos advogados – Por Gianluca Sá Mantuano

goo.gl/AU3XxB | Os brasileiros têm, nas últimos décadas, assistido a um vertiginoso crescimento no número de cursos superiores de Direito e, consequentemente, de bacharéis. E, mesmo recentemente, igual aumento do número de advogados, em que pese a exigência de aprovação no Exame de Ordem. Segundo as últimas notícias, já se assomam mais de um milhão de profissionais, ou seja, aproximadamente 0,5% do total da população.

As críticas, por sua vez, têm sido em patamar equivalente. Direcionadas a diversos alvos, a exemplo do MEC e sua política de concessão de permissões indiscriminada a autorizar a abertura de um sem número de cursos superiores da área, bem como à falência do ensino crítico e de qualidade. Esta, ao que tudo indica, uma consequência direta daquela primeira.

Dito isto, apenas para localizar o leitor na problemática do momento histórico vivenciado, o presente texto – que mais serve como desabafo deste pretenso autor/advogado militante -, visa compartilhar uma vivência acerca de um fato que, no passar dos anos, tem sido cada vez mais comum no comportamento dos advogados recém ingressos na carreira. Notadamente na advocacia criminal, pois outra não poderia, este que vos escreve, relatar, uma vez que labuta, exclusivamente, na seara criminal.

Contudo, antes de adentrar à pretensa crítica e, como costumeiramente se diz, “cortar a própria carne”, faz-se necessário fundamentar nosso pensamento no quanto exigido pelos diplomas legais que regem a atuação dos profissionais investidos do mister da advocacia como um todo. Visando com isto não parecer ou realmente incorrer em puro devaneio moralista sem qualquer assentamento minimamente coerente e legítimo.

Assim, o Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94) e o Código de Ética e Disciplina da OAB (publicado no Diário de Justiça, Seção I, do dia 01.03.95, pp. 4000/4004), respectivamente, estabelecem parâmetros mínimos a que todas as advogadas e advogados deverão se submeter e guiar a fim de se conduzirem de forma digna enquanto exercentes do múnus da advocacia.

Portanto, o artigo 33 c/c artigo 54, inciso V, do Estatuto da Advocacia atribui ao Conselho Federal a promulgação do Código de Ética e Disciplina da OAB que logo em seu prelúdio nos informa que:

"O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, os quais se traduzem nos seguintes mandamentos: lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que o ordenamento jurídico seja interpretado com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve a finalidade social do seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe.

Diante de tão eloquente inscrição que dos idos de 1995 nos foi legada, em face da limitação do presente texto queremos dar destaque a apenas alguns trechos em face da vastidão do que poderíamos ser tomados acaso estivéssemos dispostos a comentar item por item ali contidos. O que, de fato, não se pretende no formato deste escrito e a coluna a que se destina.

Independência e altivez


Assim, destacamos os seguinte trechos:

‘lutar sem receio pelo primado da Justiça‘; ‘comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos‘, e; ‘aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal’.

A critica que se faz, portanto, passa justamente no que vamos denominar de “temor que tolhe a independência e a altivez dos advogados por força da falta de aprimoramento ético e técnico-jurídico”. Este “fenômeno” tem sido responsável por boa parte do que nós entendemos ser a falência da advocacia contemporânea. E tal fenômeno tem trazido graves consequências não apenas para os advogados mas para a população em geral.

Mas, registre-se! Esse fenômeno tem como origem fulcral a ausência de fundamentos éticos por parte dos novos profissionais da advocacia. Pois, a ética é o móvel principal do profissional comprometido, no caso da advocacia criminal, no mais das vezes, com a liberdade do ser humano, e, por consequência, em se tratando de uma profissão essencialmente intelectual, do seu constante aprimoramento a cuidar de embasar a atuação diária nos diversos foros.

Não que já não houvesse maus profissionais desde sempre. Porém, com a apontada massificação indiscriminada do ensino jurídico e a “produção em larga escala” de bacharéis inscritos nos quadros da OAB, tal ocorrência cresceu de forma exponencial e assustadora.

O que se quer dizer é que os profissionais que cuidaram de ser aprovados no exame da ordem, apenas e tão somente se preocuparam, em muitos casos, de entender e vencer a lógica da prova a ser realizada nas duas fases. Mas, não cuidaram de realmente dominar toda a técnica exigida para o seu ofício. Até mesmo pelo fato de tal domínio exigir muitos anos de estudo em diversos campos, a exemplo do uso correto do vernáculo.

Assim, de maneira cada vez menos incomum, vemos profissionais, inclusive nos meios de comunicação, sem saber se expressar ou quando muito falando de maneira incorreta ou mesmo fazendo uso, muitas vezes até excessivo, de gírias ou jargões de natureza chula.

O que dizer então de tais profissionais no momento de despachar com juízes, desembargadores, promotores, procuradores e os mais diversos operadores do Direito? Ou escreverem uma simples petição? E o que se dirá, uma vez que não foram nem mesmo capazes de dominar seu vernáculo materno, quando lhes for requisitada a boa técnica jurídica?

A resposta tem sido óbvia e diária. O crescimento devastador do descrédito da advocacia. E, com isso, o desrespeito às suas prerrogativas que, em contrapartida, não tem encontrado nestes mesmos profissionais despreparados qualquer tipo de resistência democrática.

Por sua vez, em não raras situações, é muito fácil identificar um crescimento proporcional de valores outros a exemplo da necessidade, vaidade, destes mesmos profissionais aprovados no exame de ordem em tentar passar uma imagem de acúmulo material, que dentro da lógica de completa falência da ética, não apenas profissional, torna-se sinônimo de sucesso.

A resposta para essa crise não se dará de forma simples. Até mesmo pelo fato de exemplos de ética profissional nos moldes exigidos pelo Código de Ética e Disciplina da OAB não serem encontrados em boa parte dos próprios integrantes dos diversos corpos diretivos da Ordem, seja no Conselho Federal, nas seccionais ou subseccionais. Tal crise ética, como não poderia deixar de ser, é de ordem social e está a subverter a sociedade onde quer que esta se proponha organizada.

Contudo, a advocacia está regida pelo signo das lutas democráticas e pelo estandarte maior da ética e como tal deveria ser a primeira a se rebelar contra esse processo de desconstrução absurdo. Exemplos, ainda que remotos, não nos faltam. Muito pelo contrário, a advocacia sempre se destacou pela postura de promotora de mudanças sociais profundas e até mesmo de revoluções.

O que este pretenso causídico quer dizer com todo este imbróglio é que qualquer um que queira ser um advogado minimamente ético e merecedor deste mister terá que exercer seu sacerdócio com altivez, destemor e para isso deverá ser possuidor de apuração técnica rigorosa. Para tanto, a receita é por demais simples, porém praticá-la é por demais desgastante: o compromisso com a retidão de caráter e o estudo diário.

Com base nesta singela receita o advogado encontra respaldo para se impor e lutar em qualquer seara do Direito e passará a se fazer respeitar por todos os demais operadores do Direito que com ele tenha contato sem maiores esforços.

Portanto, quando da assunção de qualquer causa é indispensável que o advogado dotado de consciência ética inabalável esteja munido do mais profundo conhecimento acerca dos pontos nodais que ali serão discutidos, a fim de que com isso possa dialogar sem quaisquer receios frente até mesmo dos especialistas mais destacados. Tudo isso é um exercício constante e exaustivo, não devendo jamais tentar ser exercido por aqueles que de alguma forma não entendam o verdadeiro valor da sua ética profissional.
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Gianluca Sá Mantuano
Pós-graduando em Ciências Criminais. Advogado criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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