Teses contra a decretação da prisão preventiva: tráfico de drogas – Por Evinis Talon

goo.gl/6WTrGR | No combate ao decreto de prisão preventiva, há inúmeras teses que surgem a partir de uma observação da respectiva decisão judicial. Também devemos analisar os elementos informativos e as provas, sobretudo para discutir materialidade e autoria, mas nada se compara à decisão que decretou a prisão cautelar, que normalmente utiliza fundamentos vagos, genéricos ou apenas ilações quanto às chances de reiteração criminosa, fuga ou destruição de provas.

Para compreendermos como é uma decisão judicial que decreta a prisão preventiva e quais são os vícios mais comuns, utilizaremos o HC 482.273-SP, julgado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no dia 7 de fevereiro de 2019, com a relatoria do Ministro Antonio Saldanha Palheiro.

Em trecho que está no inteiro teor do acórdão, é possível observar quais foram os fundamentos utilizados pela Juíza de primeiro grau para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva (destacamos os pontos mais importantes):

"Pela MM. Juíza foi decidido: “1 – Flagrante formalmente em ordem. O estado de flagrância decorre da notícia da apreensão do material ilícito, que seria relacionado ao(à)(s) autuado(a)(s). Oportunamente, redistribua-se e aguarde-se a vinda dos autos principais. 2 – Acolho o requerimento ministerial, para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, na forma do art. 310, inc. II, do CPP, em sua atual redação. Existem, nos autos, prova damaterialidade do delito (tráfico de drogas, em tese), punido com reclusão (pena máxima superior a 4 anos), e indícios suficientes da autoria, conforme exsurge dos elementos colhidos no auto de prisão em flagrante, notadamente os depoimentos dos agentes encarregados da diligência. A conduta praticada, em tese, pelo(a)(s) autuado(a)(s), é daquelas que tem subvertido a paz social. Presentes, neste instante, circunstâncias justificadoras da manutenção de sua custódia, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Com efeito, não há nos autos indicativos seguros da vinculação ao distrito da culpa. Não há, ainda, comprovante de ocupação lícita. Não há como ser deferida a liberdade, neste momento, pois necessário resguardar a ordem pública, já que a sociedade se vê constantemente atormentada pela prática de fatos como o presente, ensejadores de crimes patrimoniais, de desestabilização familiar e de violência, em termos gerais, bem como por presente o risco de se frustrar a aplicação da lei penal, já que não há garantias de que, uma vez concedida a liberdade, não se frustrará o regular andamento dofeito, subtraindo-se à ação da justiça criminal.

Importante, ainda, a custódia, para impedir eventuais recidivas, prováveis em razão da aparente inserção em ambiente pernicioso. O delito em questão é insuscetível de fiança; não há possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares, pois não há aparato de fiscalização adequado. Ademais, prematura incursão aprofundada no mérito, inclusive quanto a eventual privilégio, cuja aplicação somente será viável após regular instrução, a possibilitar melhor compreensão dos fatos, e aferição concreta das situações pessoais. Plenamente justificada, pois, a manutenção da custódia cautelar, que ora determino, restando prejudicados os pleitos benéficos à defesa. 3 – Expeça(m)-se mandado(s) de prisão, com as cautelas de praxe”.

No STJ, o relator, ao decidir o caso, utilizou os seguintes fundamentos para determinar a soltura:

"[…]

Vê-se que a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente carece de fundamentação idônea, pois nela, além de reconhecida a presença de indícios da prática delitiva, fora evocado tão somente eventual risco de o paciente criar entraves à aplicação da lei penal, sem nenhum fato concreto que justifique a imposição da medida cautelar mais gravosa, o que, na linha da orientação firmada no âmbito desta Corte, não se admite.

[…]

Acrescente-se a isso ser pequena a quantidade de drogas apreendidas – 7g (sete gramas) de crack, 10g (dez gramas) de cocaína e 19g (dezenove gramas) de maconha –, mostrando-se desarrazoada a imposição da prisão preventiva ao paciente.

Dessarte, era necessário que fossem apontados dados concretos, extraídos de elementos obtidos nos autos, que demonstrassem a necessidade de imposição da prisão provisória.

Está correta a decisão do STJ, no sentido de determinar a soltura do paciente.

Analisando atentamente o teor da decisão que decretou a prisão preventiva, percebemos a possibilidade de utilização de várias teses, as quais devem ser cumuladas, para evitar que reste algum fundamento que, por si só, justifique a prisão preventiva.

Explico: se uma decisão fundamenta a prisão preventiva utilizando dois fundamentos (garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, por exemplo), devemos combater os dois fundamentos. Caso contrário, ainda que um deles fosse genérico/vago ou equivocado, o outro seria suficiente para manter a prisão preventiva.

No caso em comento, temos algumas teses que merecem destaque:

  • Mencionar que a conduta imputada é uma daquelas que subvertem a paz social consiste em fundamento genérico e que leva em consideração apenas a gravidade em abstrato. Ademais, o investigado/réu não pode ser preso preventivamente com base em fundamento coletivo, ou seja, argumentando que outras pessoas praticam ou já praticaram conduta semelhante;
  • “[…] não há nos autos indicativos seguros da vinculação ao distrito da culpa”: a falta de provas quanto a elementos que vinculem o investigado à comarca (comprovante de residência, por exemplo) não deve gerar a presunção de que há risco de fuga. Trata-se de indevida inversão no ônus da prova do fundamento da prisão preventiva. Aliás, isso, por si só, não fundamenta a prisão cautelar.
  • “Não há, ainda, comprovante de ocupação lícita”: prender alguém em decorrência da falta de trabalho é uma indevida aplicação do Direito Penal do autor. Se assim fosse, quem estivesse desempregado teria chances de ser preso por essa condição existencial, e não como decorrência somente do fato criminoso. Ademais, reitera-se a afirmação anterior quanto à inversão do ônus da prova.
  • “Não há como ser deferida a liberdade”: não se trata de “deferir a liberdade”, considerando que ela é a regra. Expressões semelhantes, como “concedo a liberdade”, são igualmente equivocadas, haja vista que o indivíduo nasce e se mantém livre, apenas tendo sua liberdade cerceada, de modo temporário, em casos excepcionais.
  • “[…] necessário resguardar a ordem pública, já que a sociedade se vê constantemente atormentada pela prática de fatos como o presente, ensejadores de crimes patrimoniais, de desestabilização familiar e de violência, em termos gerais”: mais uma vez, como muito bem reconhecido pelo STJ, utiliza-se de fundamento genérico/vago e de uma responsabilização do indivíduo por crimes eventualmente praticados por outras pessoas. Ora, se alguém praticar crime patrimonial em decorrência do tráfico de outrem, deverá ser responsabilizado pela sua conduta. Não se pode utilizar a possibilidade (expectativa de algo futuro e incerto) de novos crimes praticados por terceiros para encarcerar cautelarmente o investigado/réu. Além disso, os fundamentos utilizados não abordam o caso concreto.
  • “[…] presente o risco de se frustrar a aplicação da lei penal, já que não há garantias de que, uma vez concedida a liberdade, não se frustrará o regular andamento dofeito, subtraindo-se à ação da justiça criminal”: novamente, há uma inversão do ônus da prova. Em outras palavras, imagina-se que, considerando que o preso “não deu garantias” de que participaria regularmente do processo, deveria ser preso. Trata-se de uma suposição equivocada. A decisão não menciona a existência de fatos concretos que indiquem a chance de fuga, optando apenas por uma interpretação no sentido de que a falta de provas da vinculação do paciente ao distrito da culpa pode gerar a sua fuga. Conforme mencionado pelo STJ, isso não é admissível.
  • “[…] impedir eventuais recidivas, prováveis em razão da aparente inserção em ambiente pernicioso”: nesse ponto, há uma suposição de que o ambiente em que está o paciente fará com que ele pratique novos crimes. Não há dados concretos, mas apenas uma suposição.
  • “O delito em questão é insuscetível de fiança”: o fato de ser crime inafiançável não impede a liberdade sem fiança (clique aqui) ou a aplicação de alguma medida cautelar diversa da prisão.
  • “não há possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares, pois não há aparato de fiscalização adequado”: os problemas executivos e operacionais na fiscalização das medidas cautelares, como o recolhimento domiciliar noturno e a monitoração eletrônica, não podem ser um obstáculo para a aplicação dessas medidas. Caso contrário, o julgador substituiria a necessidade e a adequação da prisão preventiva por uma comodidade do Judiciário.
  • Por derradeiro, a decisão deixou de analisar a pouca quantidade de drogas, o que foi sabiamente corrigido pelo STJ.

Poder-se-ia argumentar, ainda, apenas por amor ao debate, que a decisão não fundamenta adequadamente o reconhecimento da regularidade do flagrante, considerando que apenas afirma “flagrante formalmente em ordem”.

Destarte, devemos analisar cada linha (ou cada palavra, para sermos mais precisos) da decisão que decretou a prisão preventiva, buscando as contradições e as fundamentações vagas.

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Evinis Talon
Mestre em Direito. Professor. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais
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