O direito do acusado de recorrer da sentença condenatória em liberdade

bit.ly/2PyAd1a | As decisões dos Magistrados, no âmbito do Processo Penal Brasileiro, devem ser regidas à luz da proporcionalidade e razoabilidade, para, assim, tornarem-se legítimas. A título ilustrativo, o artigo 282 do CPP menciona que as medidas cautelares serão aplicadas observando-se a adequação da medida à gravidade do crime.

De igual modo, o artigo 156, inciso I do CPP menciona que o Juiz ordenará a produção de provas antecipadas observando-se a adequação e proporcionalidade da medida. No mesmo trilho, o artigo 438, §2º do CPP, aduz que em caso de recusa ao serviço do júri, o Magistrado fixará serviço alternativo ao jurado atendendo aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Indubitável, portanto, que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, disseminados nos artigos do CPP, servem como verdadeiros norteadores, balizadores das decisões judiciais. Oriundo do preceito da proporcionalidade e nascedouro de construção jurisprudencial surge, assim, no Ordenamento Penal, o princípio da homogeneidade.

Por homogeneidade entende-se que certa medida atual deve guardar proporção, consonância com dada situação jurídica futura definitiva. Por exemplo, imagine-se que determinado Juízo decrete, no curso da Ação Penal, a prisão preventiva do Acusado. Contudo, percebe-se que, muito provavelmente, em virtude das condições judiciais favoráveis, caso seja o Acusado condenado, o regime prisional a ele imposto será o semiaberto.

Desta maneira, verifica-se que a medida atual, prisão preventiva que na prática é um regime fechado, torna-se mais severa do que o regime prisional futuramente estabelecido para o cumprimento de pena, semiaberto. Assim, nota-se facilmente que a prisão cautelar não é homogênea para com o regime prisional futuramente estabelecido para o cumprimento de pena, em hipótese de Sentença condenatória.

Por isto, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a ilegalidade da prisão processual quando diante do princípio da homogeneidade, posto ser ilegítimo o Acusado sofrer medida estatal mais gravosa do que àquela prevista no Ordenamento como reprimenda, caso condenado da imputação.

Com efeito, após estas noções introdutórias, chega-se ao cerne do artigo. Suponha-se que João, réu primário, seja processado e condenado pela prática do crime de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo, artigo 157, §2ºA do CP.

Insta salientar que o Acusado respondeu ao processo segregado preventivamente. Ao prolatar Sentença condenatória, o Magistrado fixou a pena definitiva no quantum de 07 (sete) anos de reclusão, estabelecendo o regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena, negando o direito ao Acusado em recorrer da decisão em liberdade.

Nitidamente que a decisão do Magistrado, não encontra guarida no Ordenamento Penal, sendo completamente desproporcional, ilegítima, desprovida de homogeneidade, ilegal em todos seus aspectos, posto que o regime do cumprimento de pena, semiaberto, é menos rigoroso do que a prisão processual.

Heterogêneo, portanto, impor ao Acusado o cumprimento de uma medida mais gravosa do que o próprio regime estabelecido na Sentença condenatória, sendo que quando iniciada a execução da pena, o acusado não irá cumpri-la sob as condições do regime fechado.

Como pode o Acusado permanecer custodiado, no regime “fechado” da prisão processual, sendo que a sua reprimenda definida na Sentença prevê cumprimento em regime menos gravoso, semiaberto? Em atenção à inteligência do princípio da homogeneidade, deve-se garantir, sim, o direito do Acusado em recorrer da Sentença em liberdade.

Agir de forma contrária, sob o fundamento de que o Acusado respondeu a todo processo custodiado é vilipendiar todas as garantias estabelecidas no Ordenamento Penal, legitimando e fortalecendo o sistema inquisidor, punitivista e vingativo estatal.

É cediço na jurisprudência pátria que quando o Acusado é condenado a cumprimento de pena no regime semiaberto, mas a Unidade prisional não contém vagas, deve o Estado, obrigatoriamente, impor ao Acusado o cumprimento da sanção em regime MENOS gravoso – aberto – e não mais gravoso, o fechado.

Por mais este motivo, portanto, ilegítima, heterogênea e desprovida de fundamento jurídico proporcional, a decisão do Magistrado que estabelece o regime semiaberto para cumprimento de pena pelo Acusado e, ao mesmo tempo, nega o direito a este de recorrer da Sentença em liberdade. Nítida a ausência de consonância, proporção, razoabilidade entre as medidas.

Decisões como estas devem ser combatidas com bastante veemência pelos profissionais do Direito, principalmente àqueles que se encontram na Defesa técnica, para que possam lutar pelas garantias do Acusado, especialmente o cumprimento justo da reprimenda, deslegitimando e afastando, portanto, excessos e punitivismo exacerbado legitimados pelo Estado.

Em suma, conforme lições dos nobres autores Luigi Ferrajoli e Aury Lopes Júnior, garantia é forma, devendo ser respeitada sob todos os seus enfoques. Garantia nunca se confundiu, nem se confundirá com impunidade, mas sim, sempre, encontrará guarida na legitimidade processual.

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Yuri Tainan Santos Rozário
Graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSal)
Fonte: Canal Ciências Criminais
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