bit.ly/2IHn7y3 | Como já defendido em coluna passada (“Investigação defensiva e a minimização das injustiças”), entendo que uma das principais funções do processo penal é a de minimizar as possibilidades de injustiças dos julgamentos, notadamente a responsabilização criminal de inocentes.
Para tanto, todos os instrumentos de reconstituição pretérita dos fatos no processo penal devem, necessariamente, respeitar os princípios e as regras do devido processo constitucional, ou seja, as “regras do jogo”.
Não obstante, o tratamento legal e jurisprudencial que temos dado no Brasil às delações premiadas não tem respeitado essas premissas, conforme ventilado na última coluna (“Justiça negociada e devido processo legal.”).
O grande paradoxo é que, em que pese só recentemente termos esse “clamor público” – impulsionado especialmente pela grande mídia brasileira – pela delação premiada, ela não é nenhuma novidade, tendo sido inclusive historicamente rechaçado pela tradição do cristianismo, notadamente pela postura de Judas Iscariotes em delatar/trair Jesus de Nazaré (Lucas 22:48).
E na legislação brasileira também não é nada recente, sendo possível encontrar vestígios da delação premiada desde as Ordenações Filipinas (que vigorou de 1603 a 1830) que, dispondo sobre o crime de lesa majestade no item 12 do Título VI, previa a possibilidade de perdoar o delator.
Atualmente, tem previsão em diversos mandamentos como na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90); na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (Lei nº 7492/1996); Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei nº 8.137/1990); Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998); Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/99); Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e, mais recentemente, com inclusive maior ressonância prática, na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13).
Neste sentido, a Lei nº 12.850/13 dispõe, na Seção I do Capítulo II, eufemisticamente intitulada “Da Colaboração Premiada”, o instituto da delação, do artigo 4º ao 7º.
A questão é que, sob o ponto de vista legal, é perceptível importantes deficiências na regulamentação, desde aspectos gerais como a pormenorização do procedimento, quanto pontos específicos como o da inexistência de disposição sobre rescisão das delações, ou mesmo sobre a responsabilização do delator mentiroso.
Como se não bastasse, a lei não veda a delação de sujeitos presos – ou restringidos por outra medida cautelar – que, naturalmente, não possuem o discernimento esperado ou a livre e espontânea vontade de delatar, mas só pensam em delatar para se livrar da restrição à liberdade.
Apesar de tal tarefa de preencher as lacunas legais vir sendo realizada pelo Poder Judiciário, o ideal seria o Poder Legislativo positivar tais normas, já que é o órgão incumbido para esta importante atribuição.
Com efeito, na prática a situação é mais alarmante ainda, de tal sorte que as falhas na regulamentação têm provocado uma verdadeira blindagem aos delatores mentirosos, que, acusando a tudo e a todos, sem qualquer base fática, se livram da responsabilização devida e sequer responsabilizados são quando de eventual descoberta da farsa.
E mais, a atuação da acusação pública nem sempre tem sido pautada nos ditames da lealdade processual, a ponto de ter sido frequente aquilo que os norte-americanos chamam de “overcriminalization”, consistente em acordos pautados em exageradas imputações para acuar a parte a aceitar o acordo sobre crimes que não praticou.
Daí que, com tais problemas, qualquer indicação que algum delator eventualmente vier a fazer, independente se verídica ou não, acaba por sujeitar qualquer pessoa – não só políticos ou empresários que contratem com o poder público, ou mesmo membros de organizações criminosas – a uma imputação inverídica, provocando um grande risco de injustiças.
Não por outra razão que, o tratamento que jurisprudência e lei tem dado à delação premiada no Brasil exige uma atenção redobrada da advocacia, que deve estar ciente de todos os riscos de injustiças que podem acarretar aos representados, e provocar o órgão julgador para prevenir ou mesmo remediar as nulidades.
A bem da verdade, a despeito de toda essa onda de ódio que tem contagiado a sociedade emergir, não raro, de cultos cristãos, estudar os evangelhos bíblicos nos indica um caminho completamente diverso desta epidemia tóxica, valorizando verdadeiras práticas de amor ao próximo, ao invés de traições, como as delações.
Ora, ao contrário de estimar discursos como o de que “bandido bom é bandido morto” – aliás o Messias deve ter inclusive escutado isso da “opinião pública” quando de sua aflição pública –, os evangelhos sugerem exemplos como o de “oferecer a outra face” ou mesmo assertivas como “atire a primeira pedra quem não tem pecado”.
No mais, “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lucas 23:34)…
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Núbio Mendes Parreiras
Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais
Para tanto, todos os instrumentos de reconstituição pretérita dos fatos no processo penal devem, necessariamente, respeitar os princípios e as regras do devido processo constitucional, ou seja, as “regras do jogo”.
Delações premiadas no Brasil
Não obstante, o tratamento legal e jurisprudencial que temos dado no Brasil às delações premiadas não tem respeitado essas premissas, conforme ventilado na última coluna (“Justiça negociada e devido processo legal.”).
O grande paradoxo é que, em que pese só recentemente termos esse “clamor público” – impulsionado especialmente pela grande mídia brasileira – pela delação premiada, ela não é nenhuma novidade, tendo sido inclusive historicamente rechaçado pela tradição do cristianismo, notadamente pela postura de Judas Iscariotes em delatar/trair Jesus de Nazaré (Lucas 22:48).
E na legislação brasileira também não é nada recente, sendo possível encontrar vestígios da delação premiada desde as Ordenações Filipinas (que vigorou de 1603 a 1830) que, dispondo sobre o crime de lesa majestade no item 12 do Título VI, previa a possibilidade de perdoar o delator.
Atualmente, tem previsão em diversos mandamentos como na Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90); na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (Lei nº 7492/1996); Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei nº 8.137/1990); Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998); Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/99); Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e, mais recentemente, com inclusive maior ressonância prática, na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13).
Neste sentido, a Lei nº 12.850/13 dispõe, na Seção I do Capítulo II, eufemisticamente intitulada “Da Colaboração Premiada”, o instituto da delação, do artigo 4º ao 7º.
A questão é que, sob o ponto de vista legal, é perceptível importantes deficiências na regulamentação, desde aspectos gerais como a pormenorização do procedimento, quanto pontos específicos como o da inexistência de disposição sobre rescisão das delações, ou mesmo sobre a responsabilização do delator mentiroso.
Como se não bastasse, a lei não veda a delação de sujeitos presos – ou restringidos por outra medida cautelar – que, naturalmente, não possuem o discernimento esperado ou a livre e espontânea vontade de delatar, mas só pensam em delatar para se livrar da restrição à liberdade.
Apesar de tal tarefa de preencher as lacunas legais vir sendo realizada pelo Poder Judiciário, o ideal seria o Poder Legislativo positivar tais normas, já que é o órgão incumbido para esta importante atribuição.
Com efeito, na prática a situação é mais alarmante ainda, de tal sorte que as falhas na regulamentação têm provocado uma verdadeira blindagem aos delatores mentirosos, que, acusando a tudo e a todos, sem qualquer base fática, se livram da responsabilização devida e sequer responsabilizados são quando de eventual descoberta da farsa.
E mais, a atuação da acusação pública nem sempre tem sido pautada nos ditames da lealdade processual, a ponto de ter sido frequente aquilo que os norte-americanos chamam de “overcriminalization”, consistente em acordos pautados em exageradas imputações para acuar a parte a aceitar o acordo sobre crimes que não praticou.
Daí que, com tais problemas, qualquer indicação que algum delator eventualmente vier a fazer, independente se verídica ou não, acaba por sujeitar qualquer pessoa – não só políticos ou empresários que contratem com o poder público, ou mesmo membros de organizações criminosas – a uma imputação inverídica, provocando um grande risco de injustiças.
Não por outra razão que, o tratamento que jurisprudência e lei tem dado à delação premiada no Brasil exige uma atenção redobrada da advocacia, que deve estar ciente de todos os riscos de injustiças que podem acarretar aos representados, e provocar o órgão julgador para prevenir ou mesmo remediar as nulidades.
A bem da verdade, a despeito de toda essa onda de ódio que tem contagiado a sociedade emergir, não raro, de cultos cristãos, estudar os evangelhos bíblicos nos indica um caminho completamente diverso desta epidemia tóxica, valorizando verdadeiras práticas de amor ao próximo, ao invés de traições, como as delações.
Ora, ao contrário de estimar discursos como o de que “bandido bom é bandido morto” – aliás o Messias deve ter inclusive escutado isso da “opinião pública” quando de sua aflição pública –, os evangelhos sugerem exemplos como o de “oferecer a outra face” ou mesmo assertivas como “atire a primeira pedra quem não tem pecado”.
No mais, “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lucas 23:34)…
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Núbio Mendes Parreiras
Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais