bit.ly/2vkT4DU | “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer” (Rui Barbosa).
O problema se agrava muito quando seus autores são membros da principal corte de justiça do país. É o caso de situação recentíssima e inusitada que veio à tona com famigerado inquérito 4.781 (Portaria 69), aberrantemente instaurado, de ofício, pelo presidente do STF (min. Dias Tofolli), para apurar responsabilidade sobre fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares.
Na mesma portaria, designou-se diretamente (sem sorteio) o min. Alexandre de Moraes para condução do feito. Este último, no último dia 16, determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra várias pessoas e a retirada do ar de reportagens do site O Antagonista e da revista Crusoé.
A Procuradoria Geral da República (Raquel Dodge), que antes havia solicitado sem sucesso informações quando da instauração da investigação, apresentou parecer no sentido de arquivamento do feito espúrio.
Com isso, alimentou-se o “monstro” (inquérito), em reforço ao teatro de absurdos, pois o mencionado relator resolveu não cumprir as normas constitucionais, processuais e internacionais relativas à matéria, denegando o pedido. Isso está a revelar a existência de “poderes selvagens”, na expressão de Ferrajoli, ou, “poderes supremos”, que restam insubmissos a fórmulas e limites legais explicitamente previstos.
É incrível, ainda mais nos dias de hoje, lançar-se mão de argumento (no caso, o relator) tão frágil e inespecífico, de caráter genérico, vazio, como a honra e estabilidade institucional, honorabilidade do STF, de seus membros e familiares, como aptos a cercear direito fundamental nuclear, a mais clássica das liberdades fundamentais: a liberdade de expressão, forjada numa imprensa livre, crítica e investigativa.
A credibilidade das instituições não é obtida de outra forma que não com o cumprimento objetivo e imparcial das leis, e nos seus devidos limites. Um dos mais importantes pilares do Estado Constitucional constitui exatamente o sistema acusatório (art. 129, CF), vetor radical, elementar, que reza: “o tribunal não pode jamais atuar de ofício”, algo que acabou absolutamente maculado com o agir do presidente do STF. Lamentável.
A inaceitável atitude de censurar os veículos de informação, a imprensa, confronta a lógica que rege o verdadeiro Estado democrático de Direito, com violação expressa do texto constitucional e das leis. Demais disso, essa não tem sido a prática do próprio STF, muito ao contrário. Ainda, no seio da polêmica, manifestou-se o Decano do STF (Celso de Mello), de modo, irrebatível:
"censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.
E continuou:
"O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República.
De volta à questão do inquérito, tem-se que a investigação foi instaurada de modo pessoalizado, direcionada para um instrutor também de maneira pessoalizada, conduzida de forma pessoalizada, realidade que vai absolutamente contra a exigência da lei processual penal brasileira de que quem tem interesse na causa não deve sobre ela exercer jurisdição. O juiz julga, de modo imparcial, e não processa ou acusa!
Há com a medida transgressão clara e irrefutável do princípio de separação das funções, tão necessário à persecução penal minimamente adequada e às regras de distribuição de feitos processuais. O contorno de autoritarismo da posição exarada se delineia com a confusão entre presidente da investigação e o titular da ação penal pública.
A discordância do magistrado quanto ao pedido de arquivamento não lhe faculta substituir-se à função constitucionalmente estabelecida de acusador (por inexistência de previsão legal), e tampouco ordenar, sem mostrar urgência e relevância, a produção antecipada de prova por contrariar a Constituição Federal.
As regras de competência (art. 102, I, “c”, CF) também estão à beira do abismo e, não bastasse este cenário, o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não se sobrepõe à Constituição Federal ou ao Código de Processo Penal. Ainda que houvesse algum modelo teórico sólido que interpretasse pela sobreposição da norma interna do STF, ela própria (art. 43, RISTF) tão somente permite instauração de inquérito para apurar infração ocorrida na “na sede” ou “na dependência do Tribunal”. Os veículos jornalísticos O Antagonista e Crusoé têm suas sedes em São Paulo/SP e Brasília/DF, respectivamente.
É lição elementar que a investigação criminal sempre deve se dirigir a fato determinado, específico, concreto. Não, a fato genérico, abstrato. Para além, a portaria indica delito contra o Supremo Tribunal Federal, entidade que sequer e em tese pode ser objeto de injúria, por exemplo (tão somente e em casos próprios a honra de pessoa jurídica, seja pública, seja privada, pode ser difamada). Também, o delito de ameaça tem como sujeito passivo apenas o ser humano que sofre ameaça séria, específica, injusta, dentre outros requisitos historicamente reconhecidos.
Não obstante, o próprio STF ventila tais posições, assim como é salutar observar que fake news não se coaduna, prima facie, com nenhum tipo penal existente no ordenamento jurídico brasileiro.
Logo, sem a necessidade de estender por demais este texto, urge que se arquive o esdrúxulo e ilegal inquérito em curso, sob pena de manter-se um “Frankenstein” jurídico que patenteia ainda mais a vaga de insegurança jurídica que assola o país e denigre suas instituições, em especial o STF.
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Foto: Cristiano Mariz / VEJA
Luiz Regis Prado
Pós-doutor em Direito Penal. Doutor e Mestre em Direito. Professor.
Diego Prezzi Santos
Doutor em Direito. Professor de Direito e Processo Penal. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais
O problema se agrava muito quando seus autores são membros da principal corte de justiça do país. É o caso de situação recentíssima e inusitada que veio à tona com famigerado inquérito 4.781 (Portaria 69), aberrantemente instaurado, de ofício, pelo presidente do STF (min. Dias Tofolli), para apurar responsabilidade sobre fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares.
Na mesma portaria, designou-se diretamente (sem sorteio) o min. Alexandre de Moraes para condução do feito. Este último, no último dia 16, determinou o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra várias pessoas e a retirada do ar de reportagens do site O Antagonista e da revista Crusoé.
A Procuradoria Geral da República (Raquel Dodge), que antes havia solicitado sem sucesso informações quando da instauração da investigação, apresentou parecer no sentido de arquivamento do feito espúrio.
Com isso, alimentou-se o “monstro” (inquérito), em reforço ao teatro de absurdos, pois o mencionado relator resolveu não cumprir as normas constitucionais, processuais e internacionais relativas à matéria, denegando o pedido. Isso está a revelar a existência de “poderes selvagens”, na expressão de Ferrajoli, ou, “poderes supremos”, que restam insubmissos a fórmulas e limites legais explicitamente previstos.
É incrível, ainda mais nos dias de hoje, lançar-se mão de argumento (no caso, o relator) tão frágil e inespecífico, de caráter genérico, vazio, como a honra e estabilidade institucional, honorabilidade do STF, de seus membros e familiares, como aptos a cercear direito fundamental nuclear, a mais clássica das liberdades fundamentais: a liberdade de expressão, forjada numa imprensa livre, crítica e investigativa.
A credibilidade das instituições não é obtida de outra forma que não com o cumprimento objetivo e imparcial das leis, e nos seus devidos limites. Um dos mais importantes pilares do Estado Constitucional constitui exatamente o sistema acusatório (art. 129, CF), vetor radical, elementar, que reza: “o tribunal não pode jamais atuar de ofício”, algo que acabou absolutamente maculado com o agir do presidente do STF. Lamentável.
Censura em veículos de informação
A inaceitável atitude de censurar os veículos de informação, a imprensa, confronta a lógica que rege o verdadeiro Estado democrático de Direito, com violação expressa do texto constitucional e das leis. Demais disso, essa não tem sido a prática do próprio STF, muito ao contrário. Ainda, no seio da polêmica, manifestou-se o Decano do STF (Celso de Mello), de modo, irrebatível:
"censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.
E continuou:
"O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República.
De volta à questão do inquérito, tem-se que a investigação foi instaurada de modo pessoalizado, direcionada para um instrutor também de maneira pessoalizada, conduzida de forma pessoalizada, realidade que vai absolutamente contra a exigência da lei processual penal brasileira de que quem tem interesse na causa não deve sobre ela exercer jurisdição. O juiz julga, de modo imparcial, e não processa ou acusa!
Há com a medida transgressão clara e irrefutável do princípio de separação das funções, tão necessário à persecução penal minimamente adequada e às regras de distribuição de feitos processuais. O contorno de autoritarismo da posição exarada se delineia com a confusão entre presidente da investigação e o titular da ação penal pública.
A discordância do magistrado quanto ao pedido de arquivamento não lhe faculta substituir-se à função constitucionalmente estabelecida de acusador (por inexistência de previsão legal), e tampouco ordenar, sem mostrar urgência e relevância, a produção antecipada de prova por contrariar a Constituição Federal.
As regras de competência (art. 102, I, “c”, CF) também estão à beira do abismo e, não bastasse este cenário, o art. 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não se sobrepõe à Constituição Federal ou ao Código de Processo Penal. Ainda que houvesse algum modelo teórico sólido que interpretasse pela sobreposição da norma interna do STF, ela própria (art. 43, RISTF) tão somente permite instauração de inquérito para apurar infração ocorrida na “na sede” ou “na dependência do Tribunal”. Os veículos jornalísticos O Antagonista e Crusoé têm suas sedes em São Paulo/SP e Brasília/DF, respectivamente.
É lição elementar que a investigação criminal sempre deve se dirigir a fato determinado, específico, concreto. Não, a fato genérico, abstrato. Para além, a portaria indica delito contra o Supremo Tribunal Federal, entidade que sequer e em tese pode ser objeto de injúria, por exemplo (tão somente e em casos próprios a honra de pessoa jurídica, seja pública, seja privada, pode ser difamada). Também, o delito de ameaça tem como sujeito passivo apenas o ser humano que sofre ameaça séria, específica, injusta, dentre outros requisitos historicamente reconhecidos.
Não obstante, o próprio STF ventila tais posições, assim como é salutar observar que fake news não se coaduna, prima facie, com nenhum tipo penal existente no ordenamento jurídico brasileiro.
Logo, sem a necessidade de estender por demais este texto, urge que se arquive o esdrúxulo e ilegal inquérito em curso, sob pena de manter-se um “Frankenstein” jurídico que patenteia ainda mais a vaga de insegurança jurídica que assola o país e denigre suas instituições, em especial o STF.
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Foto: Cristiano Mariz / VEJA
Luiz Regis Prado
Pós-doutor em Direito Penal. Doutor e Mestre em Direito. Professor.
Diego Prezzi Santos
Doutor em Direito. Professor de Direito e Processo Penal. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais