DNA: mulheres trocadas na maternidade há 40 anos receberão indenização

bit.ly/2GYue1U | A Justiça começou a indenizar as família de Lucélia Barbosa e Denise Correa após as duas serem trocadas na maternidade do Hospital Municipal de Juquiá, no interior de São Paulo, há 40 anos. Um exame de DNA revelou o erro e as duas encontraram seus pais biológicos, porém, a descoberta tardia da verdade abalou para sempre as famílias. As duas mulheres entraram em conflito e não se falam. Para as vítimas, nenhum dinheiro poderá amenizar o sofrimento causado e nem o tempo longe de seus verdadeiros pais.

No dia 20 de outubro de 1979, Denise e Lucélia nasceram no Hospital Santo Antônio, em Juquiá. Denise foi registrada na cidade vizinha Miracatu. Ela só descobriu que foi trocada na maternidade aos 31 anos, pois precisou fazer um exame de DNA para que seu suposto pai reconhecesse a paternidade, já que não tinha o nome do pai registrado na certidão de nascimento.

Na época, a mãe dela, Dalila Correa, respondeu que a filha seria fruto de um relacionamento na adolescência e que o provável pai já tinha outra família. Para a surpresa dela e de toda a família, Denise soube que, além de não ser filha dele, também não havia sido gerada pela mulher que considerava sua mãe, Dalila Correa.

Denise chegou a procurar o Hospital de Juquiá em busca de alguma explicação sobre a suposta troca de bebês no dia de seu nascimento. O hospital alegou que houve uma enchente nos anos 90 e que perderam todos os documentos dos anos anteriores.

Lucélia Barbosa, moradora de Praia Grande, viu a reportagem sobre o caso no G1, publicada em 2013, quando as duas já tinham 33 anos, e achou que ela poderia ser o bebê trocado. No primeiro encontro entre as famílias, Lucélia ficou impressionada com sua semelhança com Dalila, mãe de criação de Denise. Diante disso, as famílias resolveram fazer o teste de DNA.


DNA apontou que Denise não era filha de Dalila — Foto: Rinaldo Rori/TV Tribuna

No dia 26 de abril de 2013, as famílias se reuniram, abriram os envelopes, que comprovaram as paternidades invertidas. Assim, Denise é filha biológica de Jesuíno Gomes Barbosa e Zelina Batista, enquanto que a mãe biológica de Lucélia é Dalila Correa e o pai Olavo Correa, que faleceu um ano após a revelação da troca dos bebês.

Após a descoberta, ambas famílias entraram na Justiça contra o Hospital Municipal de Juquiá. Em junho de 2015, a juíza Roberta de Moraes Prado, da 2ª Vara de Miracatu, deu a sentença de um dos processos. Tanto a maternidade do Hospital Santo Antônio quanto a Fazenda de Juquiá tiveram que pagar R$ 75 mil à Dalila Correa, que criou Denise Correa sem saber que a menina não era sua filha biológica. A sentença também indicou que fosse custeado o tratamento psiquiátrico à mãe.

“A Justiça é muito demorada. Com tudo que a gente já sofreu, foi uma coisa que mexeu com a vida de todo mundo. Eu estava trabalhando, não consegui mais ficar no emprego, tive uma depressão muito forte. Até hoje eu tomo medicação. Não consegui mais arrumar serviço. Esperávamos que isso fosse resolvido para agilizar um lado, o financeiro. Apesar que dinheiro nenhum vai pagar o erro que eles fizeram”, falou Dalila que, segundo ela, ainda não recebeu o dinheiro.

Dalila, mãe de criação de Denise ganhou direito na Justiça à indenização — Foto: Rinaldo Rori / TV Tribuna

Já em 2016, veio o resultado de outro processo. Lucélia e o Hospital de Juquiá fizeram um acordo e a instituição foi obrigada a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 80 mil. “O hospital realmente era culpado, foi erro deles. Houve mesmo a troca e eles tinham que pagar. Para mim, esse valor só veio para amenizar a parte financeira. Eu fiquei muita depressiva, perdi meu emprego. Amenizou isso porque pelo menos consegui um dinheiro que, na realidade, eu usei, mas não foi para felicidade”, falou Lucélia.

Neste ano, a 1ª Vara Cível da Comarca de Peruíbe condenou o Hospital de Juquiá a pagar R$ 50 mil por danos morais a Zelina e Jesuíno, pais biológicos de Denise. O juiz Wilson Julio Zanluqui acolheu parcialmente o pedido inicial, condenando o hospital a pagar indenização de R$ 50 mil em favor do casal.

“Eles não aceitaram nenhum acordo. Saiu a sentença em janeiro. Vamos aguardar para ver o posicionamento da outra parte (Hospital). Cabe recurso e vou recorrer por causa do valor. Eles acharam pouco por todos os anos que eles sofreram”, falou o advogado João Carlos Freitas.

Denise, que entrou com o processo em 2012, ainda não teve nenhum parecer sobre caso. “Foi tudo uma surpresa. De início não foi fácil. Dinheiro no mundo não paga o que eu passei. Foram quatro exames de DNA. Fui em busca de um pai e vi que tinha uma outra mãe. Não foi fácil. Meu processo ainda não saiu”, falou.

Denise e a família de criação — Foto: Arquivo Pessoal/Denise Correa

Atritos


Lucélia e Denise mantém contato com os pais biológicos, mas o laço afetivo com a família de criação é mais forte. Porém, a aproximação entre as famílias criou um atrito entre Lucélia e Denise. Segundo elas, o motivo é ciúmes.

“Eu não tenho contato com ela. Ela excluiu a minha mãe de criação, rejeitou a minha mãe, machucou muito a família. As irmãs que foram criadas comigo tem contato com ela. Eu não quis proximidade nenhuma. No começo até quis, mas acabamos tendo um atrito”, afirma Lucélia.

“Ela sente muito ciúmes. Meu pai, minha mãe e minhas irmãs me receberam de braços abertos. Ela me afastou de algumas irmãs. Eu nunca quis ficar no lugar dela. Ela ficou incomodada, não aceita. Era para a gente ter uma troca de experiências”, diz Denise.

Dalila, que tem contato com as duas filhas, a biológica e a de criação, confirma o desentendimento. Ela lamenta que o erro de quatro décadas tenha causado tanto transtorno para as famílias e, principalmente, para as filhas.

“Me dou muito bem com a Denise. Ela continua sendo minha filha, apesar de tudo. A Lucélia, apesar de a gente não se ver muito, eu mantenho contato com ela. Ela me trata com bastante carinho, reconhece que eu sou a mãe dela. A Denise é muito reservada, não é de se enturmar. Com a Lucélia, ela (Denise) não tem contato mesmo. As duas não se dão, não são amigas. Não sei o que se passa na cabeça delas”, lamenta.

Hospital


Em nota, a secretaria Jurídica da Prefeitura Municipal de Juquiá, que responde em nome do Hospital de Juquiá, disse que a sentença julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o Município a pagar a quantia de R$ 50 mil. Ainda não se operou o trânsito em julgado da decisão em razão de recurso de Embargos de Declaração por parte dos autores que não ficaram satisfeitos com o valor da condenação, que para eles é muito abaixo do valor pleiteado. O Município não tem proposta de acordo e está aguardando decisão para cumprimento de sua obrigação, o que até o momento ainda não ocorreu.


Lucélia e Denise, trocadas na maternidade em Juquiá, SP — Foto: Denise Correa/Arquivo Pessoal

Por Mariane Rossi, G1 Santos
Fonte: g1 globo
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