bit.ly/2L6WByF | O presente texto é um resumo do artigo intitulado “A Ausência de um devido processo legal em Kafka: vida em morte”, que tem como objetivo geral abordar o direito substanciado nas literaturas e por objetivo especifico discorrer a especificidade jurídica presente no livro “O processo” de Franz Kafka, que aborda a temática “Pena sem crime”. Esse texto é uma homenagem ao 94° ano de morte do ilustre Franz Kafka, completados no dia 2 de junho de 2019.
O artigo foi estruturado em três pontos, dedicados à análise individual da obra em relação aos aspectos jurídicos presentes no texto; o primeiro ponto trata do princípio do devido processo legal, o segundo ponto trata do princípio da publicidade no processo penal e o último ponto trata da normalidade em se violar as garantias constitucionais.
Inicialmente, antes de se adentrar nos pontos abordados no artigo, vale ressaltar a importância da utilização da literatura para desmitificação das ciências jurídicas, “pois o cenário jurídico necessita de uma maior intersecção com a literatura. Direito e Literatura estão interligados ao se considerar o fator estruturante destes como a linguagem”. Nesses termos, tais estudos são relevantes, porque a literatura aguça a capacidade imaginativa e a habilidade interpretativas dos juristas, bem como sua humanização, fugindo um pouco do aspecto dogmático que eventualmente o direito oferta.
Ao se iniciar o primeiro ponto, o enredo do livro em análise nos é apresentado, onde é perceptível o mergulho na aflição vivida pelo protagonista Joseph K., “Alguém certamente havia caluniado Joseph K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”. Pois bem, aqui se inicia a questão central levantada pelos autores, pois, ao decorrer da narrativa, Joseph K é preso na sua própria residência por agentes policiais e aguarda ansiosamente o curso do processo, o qual não foi permitido a assistência de um advogado ou sequer a visita da família, sobretudo, não sabia do que estava sendo acusado.
É de se destacar que na época a qual a trama se passa, vigorava um Estado de Direito, ou seja, estava em vigor o princípio basilar do devido processo legal, o qual regia que todo cidadão teria direito a um processo “que se desenvolva perante o juiz natural, em contraditório, assegurando a ampla defesa, com atos públicos e decisões motivadas, em que ao acusado seja assegurado a presunção de inocência, devendo o processo se desenvolver em um prazo razoável”. Então por que o protagonista não teve a oportunidade de se defender? Porque Joseph K. não foi amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório?
Destarte, é devido a esta ausência de um devido processo legal, que se tem a morte em vida do protagonista, pois sua sentença já estava formada antes mesmo do interrogatório, a qual não se sabe quem a formulou, todavia, K. aguardava o desfecho de sua história.
Adentrando no segundo ponto, vemos a condução arbitrária de Joseph K, tendo em vista que no curso do inquérito policial, as garantias provisórias do acusado foram completamente atropeladas, pois os agentes policiais esperavam a todo momento do enredo uma confissão ao crime – o qual não é revelado durante todo o enredo – que lhe era imputado. Desse modo, os autores salientam que existe um paradoxo no direito processual pátrio quando no artigo 260 do Código de Processo Penal existe a possibilidade da condução coercitiva do réu/acusado, quando por outro lado, o artigo 5°, inciso LXIII da Constituição Federal expressa que: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e do advogado […].
Destarte, o nosso ordenamento jurídico pátrio adota o sistema acusatório, que tem como características: acusar, julgar e defender com imparcialidade. Por isso, devem ser respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, como também a publicidade dos atos processuais durante todo o processo. Seguidamente, ainda em se tratando do principio da publicidade, Joseph K. ao ser informado de seu comparecimento para um interrogatório, se quer foi informado do horário de realização do mesmo, fato este, que fora posteriormente usado em seu desfavor, no momento em que o “Magistrado de instrução”, recusa interrogá-lo, alegando seu suposto atraso.
Ademais, os autores chamam a atenção para essa fase do interrogatório do protagonista, pois já que o Estado Democrático de Direito brasileiro adota o sistema processual acusatório para que se possa desfazer a presunção de inocência do acusado, em nada se assemelharia com o enredo de “O Processo”, pois o que se pode concluir com a situação sofrida por Joseph K. é que o mesmo se encontrava diante de um sistema processual inquisitivo. haja vista que, com toda o aparato das garantias processuais em nosso ordenamento jurídico pátrio, é evidente que existe muitos processos “Kafkanianos” na atualidade.
Portanto, acerca dessa reflexão, podemos compreender a arbitrariedade vivida pelo protagonista em se tratando do princípio da publicidade, na qual abarca diversas violações da máquina jurídica em sua buscar pela verdade.
A derradeira análise, abarca a arbitrariedade punitivista imputada ao protagonista durante o processo, pois sobre ele é um imputada uma conduta criminosa “não evidenciada” que seria contraria à lei local, e para como instrumento probatório desta “acusação”, houve diversas violações de suas garantias, como no momento em que Joseph K solicita a presença do dono da pensão onde morava, e um dos agentes policiais indefere o seu pedido. Desse modo, K. observa a arbitrariedade do Estado em face dos agentes policiais que já teriam em mãos uma pré-condenação.
O curso do processo kafkaniano enseja nas práticas de violações constitucionais no mundo jurídico, cenário este que se repete cotidianamente em operações brasileiras, ou seja, o “atropelo” às garantias não se encontra apenas no mundo literário de Kafka, mas também no mundo real tupiniquim.
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REFERENCIAS:
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 4º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 55. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
KAFKA, Franz. O Processo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MEDEIROS, Patrícia Arantes de Paiva; BRITTO, Myrna Alves de; SANTOS, Kelven de Castro Soeiro. A Ausência de um Devido Processo Legal em Kafka: A Morte em Vida. In: SILAS FILHO, Paulo (Org). Direito & Literatura: Diálogos com Orwell, Kafka e Harper Lee. Canal Ciências Criminais. 2018.
SILAS FILHO, Paulo. O direito pela literatura: algumas abordagens. 1º ed. Florianópolis, SC: Empório do Direito, 2017.
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"Nota: Na coluna da Comissão de Estudos Direcionados em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão nessa terceira fase do grupo. Além da obra que será produzida, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2019, passamos a realizar abordagens mais direcionadas nos estudos. Daí que contamos dois grupos distintos que funcionam concomitantemente: um focado na literatura de Franz Kafka e outro na de George Orwell. Assim sendo, alguns artigos foram selecionados e são estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as ‘relatorias’ (notas, resumos, resenhas, textos novos e afins), uma vez que cada membro fica responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com seus comentários, inclusive indo além. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O texto da vez, formulado pelo colega Tiago Silva Rodrigues, foi feito com base no texto “A ausência de um devido processo legal em Kafka: vida em morte”, de Patrícia Arantes de Paiva Medeiros, Myrna Alves de Britto e Kelven de Castro Soeiro Santos – publicado como um dos capítulos no livro “Direito & Literatura: diálogos com Orwell, Kafka e Harper Lee” (o primeiro livro da comissão “Direito & Literatura” do Canal Ciências Criminais). Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador das Comissões de Estudos Direcionados de Direito & Literatura – Orwell e Kafka – do Canal Ciências Criminais)
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Por Tiago Silva Rodrigues
Fonte: Canal Ciências Criminais
O artigo foi estruturado em três pontos, dedicados à análise individual da obra em relação aos aspectos jurídicos presentes no texto; o primeiro ponto trata do princípio do devido processo legal, o segundo ponto trata do princípio da publicidade no processo penal e o último ponto trata da normalidade em se violar as garantias constitucionais.
Inicialmente, antes de se adentrar nos pontos abordados no artigo, vale ressaltar a importância da utilização da literatura para desmitificação das ciências jurídicas, “pois o cenário jurídico necessita de uma maior intersecção com a literatura. Direito e Literatura estão interligados ao se considerar o fator estruturante destes como a linguagem”. Nesses termos, tais estudos são relevantes, porque a literatura aguça a capacidade imaginativa e a habilidade interpretativas dos juristas, bem como sua humanização, fugindo um pouco do aspecto dogmático que eventualmente o direito oferta.
Ao se iniciar o primeiro ponto, o enredo do livro em análise nos é apresentado, onde é perceptível o mergulho na aflição vivida pelo protagonista Joseph K., “Alguém certamente havia caluniado Joseph K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum”. Pois bem, aqui se inicia a questão central levantada pelos autores, pois, ao decorrer da narrativa, Joseph K é preso na sua própria residência por agentes policiais e aguarda ansiosamente o curso do processo, o qual não foi permitido a assistência de um advogado ou sequer a visita da família, sobretudo, não sabia do que estava sendo acusado.
É de se destacar que na época a qual a trama se passa, vigorava um Estado de Direito, ou seja, estava em vigor o princípio basilar do devido processo legal, o qual regia que todo cidadão teria direito a um processo “que se desenvolva perante o juiz natural, em contraditório, assegurando a ampla defesa, com atos públicos e decisões motivadas, em que ao acusado seja assegurado a presunção de inocência, devendo o processo se desenvolver em um prazo razoável”. Então por que o protagonista não teve a oportunidade de se defender? Porque Joseph K. não foi amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório?
Destarte, é devido a esta ausência de um devido processo legal, que se tem a morte em vida do protagonista, pois sua sentença já estava formada antes mesmo do interrogatório, a qual não se sabe quem a formulou, todavia, K. aguardava o desfecho de sua história.
Adentrando no segundo ponto, vemos a condução arbitrária de Joseph K, tendo em vista que no curso do inquérito policial, as garantias provisórias do acusado foram completamente atropeladas, pois os agentes policiais esperavam a todo momento do enredo uma confissão ao crime – o qual não é revelado durante todo o enredo – que lhe era imputado. Desse modo, os autores salientam que existe um paradoxo no direito processual pátrio quando no artigo 260 do Código de Processo Penal existe a possibilidade da condução coercitiva do réu/acusado, quando por outro lado, o artigo 5°, inciso LXIII da Constituição Federal expressa que: o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e do advogado […].
Destarte, o nosso ordenamento jurídico pátrio adota o sistema acusatório, que tem como características: acusar, julgar e defender com imparcialidade. Por isso, devem ser respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, como também a publicidade dos atos processuais durante todo o processo. Seguidamente, ainda em se tratando do principio da publicidade, Joseph K. ao ser informado de seu comparecimento para um interrogatório, se quer foi informado do horário de realização do mesmo, fato este, que fora posteriormente usado em seu desfavor, no momento em que o “Magistrado de instrução”, recusa interrogá-lo, alegando seu suposto atraso.
Ademais, os autores chamam a atenção para essa fase do interrogatório do protagonista, pois já que o Estado Democrático de Direito brasileiro adota o sistema processual acusatório para que se possa desfazer a presunção de inocência do acusado, em nada se assemelharia com o enredo de “O Processo”, pois o que se pode concluir com a situação sofrida por Joseph K. é que o mesmo se encontrava diante de um sistema processual inquisitivo. haja vista que, com toda o aparato das garantias processuais em nosso ordenamento jurídico pátrio, é evidente que existe muitos processos “Kafkanianos” na atualidade.
Portanto, acerca dessa reflexão, podemos compreender a arbitrariedade vivida pelo protagonista em se tratando do princípio da publicidade, na qual abarca diversas violações da máquina jurídica em sua buscar pela verdade.
A derradeira análise, abarca a arbitrariedade punitivista imputada ao protagonista durante o processo, pois sobre ele é um imputada uma conduta criminosa “não evidenciada” que seria contraria à lei local, e para como instrumento probatório desta “acusação”, houve diversas violações de suas garantias, como no momento em que Joseph K solicita a presença do dono da pensão onde morava, e um dos agentes policiais indefere o seu pedido. Desse modo, K. observa a arbitrariedade do Estado em face dos agentes policiais que já teriam em mãos uma pré-condenação.
O curso do processo kafkaniano enseja nas práticas de violações constitucionais no mundo jurídico, cenário este que se repete cotidianamente em operações brasileiras, ou seja, o “atropelo” às garantias não se encontra apenas no mundo literário de Kafka, mas também no mundo real tupiniquim.
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REFERENCIAS:
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 4º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 55. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
KAFKA, Franz. O Processo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
MEDEIROS, Patrícia Arantes de Paiva; BRITTO, Myrna Alves de; SANTOS, Kelven de Castro Soeiro. A Ausência de um Devido Processo Legal em Kafka: A Morte em Vida. In: SILAS FILHO, Paulo (Org). Direito & Literatura: Diálogos com Orwell, Kafka e Harper Lee. Canal Ciências Criminais. 2018.
SILAS FILHO, Paulo. O direito pela literatura: algumas abordagens. 1º ed. Florianópolis, SC: Empório do Direito, 2017.
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"Nota: Na coluna da Comissão de Estudos Direcionados em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão nessa terceira fase do grupo. Além da obra que será produzida, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2019, passamos a realizar abordagens mais direcionadas nos estudos. Daí que contamos dois grupos distintos que funcionam concomitantemente: um focado na literatura de Franz Kafka e outro na de George Orwell. Assim sendo, alguns artigos foram selecionados e são estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as ‘relatorias’ (notas, resumos, resenhas, textos novos e afins), uma vez que cada membro fica responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com seus comentários, inclusive indo além. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O texto da vez, formulado pelo colega Tiago Silva Rodrigues, foi feito com base no texto “A ausência de um devido processo legal em Kafka: vida em morte”, de Patrícia Arantes de Paiva Medeiros, Myrna Alves de Britto e Kelven de Castro Soeiro Santos – publicado como um dos capítulos no livro “Direito & Literatura: diálogos com Orwell, Kafka e Harper Lee” (o primeiro livro da comissão “Direito & Literatura” do Canal Ciências Criminais). Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador das Comissões de Estudos Direcionados de Direito & Literatura – Orwell e Kafka – do Canal Ciências Criminais)
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Por Tiago Silva Rodrigues
Fonte: Canal Ciências Criminais