bit.ly/31BSa4F | O vizinho que toca bateria pela manhã. O chato que não dá "bom dia" para ninguém. A criança que, "acidentalmente", quebrou o retrovisor do seu carro. O dono do cachorro que costuma uivar durante a madrugada. Sim, provavelmente, você convive (e vai continuar convivendo) com alguns desses personagens. Ao menos aos olhos de especialistas e da própria Justiça, eles não se enquadram no chamado "comportamento antissocial". Mas comportamentos reincidentes e mais graves, que não podem ser coibidos nem com multas, começam a ser passíveis de expulsão de condomínio.
O tema voltou aos holofotes nas últimas semanas porque um edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, obteve decisão judicial para a expulsão de um casal de médicos - em um caso que se arrastou por seis anos. "A Justiça entendeu que, se não houvesse uma expulsão, a situação poderia terminar em tragédia. Uma decisão assim só acontece quando a percepção é de uma tragédia iminente", contou o advogado do condomínio, Fauaz Najjar. "Eu mesmo precisei ir a uma reunião de condomínio para ouvir dos moradores e entender a gravidade da situação. A convivência no prédio já estava perigosa."
"Não deve ser um recurso banalizado. Mas o que está acontecendo agora é o início de uma jurisprudência", afirmou o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. Segundo relatos de moradores, o casal chegou a agredir fisicamente alguns vizinhos - e o convívio atribulado rendeu boletins de ocorrência e visitas ao Instituto Médico-Legal (IML).
"As crianças tinham medo de entrar no elevador e dar de cara com o casal. O prédio inteiro estava em pânico. A gente chegava em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e em vez de relaxar ficava tenso, esperando algo muito ruim acontecer", disse Rodrigo Vianello, ex-síndico do prédio, que teve a ideia de procurar um advogado para tratar da expulsão do casal.
Para a gerente de relacionamento e comunicação da Lello Condomínio, Angélica Arbex, o fato do condomínio procurar um advogado para tratar de uma questão entre vizinhos já demonstra que a situação chegou ao limite. "O recomendável sempre é o diálogo. Se não der certo, tem ainda a hipótese de advertências e multas. Ao chegar à Justiça, encontramos um caminho quase que sem volta para a boa convivência", disse. "Os edifícios precisam criar espaços de convivência para que as pessoas se conheçam melhor, para que elas possam conversar de forma construtiva e encontrar consensos que atendam às necessidades de todos", completou.
A expulsão do condomínio não está prevista em lei. No artigo 1.337 do Código Civil, a punição para comportamentos considerados antissociais é a multa - que pode atingir até dez vezes o valor do condomínio. No caso dos médicos, todas as outras hipóteses já haviam sido tentadas. "Eles já haviam sido advertidos e multados várias vezes, mas nunca mudaram o comportamento", comenta o advogado. A sentença de expulsão foi dada pela 16.ª Vara Cível de São Paulo. E, embora tenha sido uma decisão de primeiro grau, o casal não entrou com nenhum recurso e, imediatamente, colocou o apartamento para locação. O advogado de defesa do casal foi procurado pela reportagem, mas informou que nem ele nem seus clientes iriam se manifestar. "É importante salientar que, nesses casos, o morador não perde o direito à propriedade. Ele é proibido de conviver naquele condomínio - devendo vender ou alugar o imóvel", explica Bushatsky.
Em 2017, um morador foi expulso de um edifício no bairro de Moema por comportamento antissocial. O morador em questão ficou conhecido por ficar nu na academia do prédio, promover orgias na piscina e comparecer em reuniões de condomínio vestido de Batman. "Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava. A situação chegou a um ponto em que a única saída era a expulsão", contou Natachy Petrini, síndica profissional que administrava o edifício na época.
O advogado Anderson Martins da Silva, que atuou no caso, lembra que, entre outras coisas, o morador considerado antissocial foi responsável por provocar incêndio em um dos prédios vizinhos com a utilização de fogos de artifício e chegou a ameaçar um advogado do condomínio que morava no mesmo prédio (fato esse que deu origem a um inquérito policial por coação no curso do processo). "Todas as medidas extrajudiciais possíveis foram adotadas pelo condomínio: moção de repúdio, multas, majoração das multas até dez vezes o valor do condomínio, ajuizamento de ações criminais, mas nada impedia o condômino de continuar a descumprir a lei e as regras de convivência do condomínio."
Em sua sentença, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, responsável pelo julgamento do caso de Moema, escreveu: "Ainda que inexistente previsão legal quanto à possibilidade de exclusão de condômino, pelo fato de o Código Civil limitar-se à aplicação de multa, em seu artigo 1.337, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema."
- Expulsão
Só existe em situações que não se resolvam com conversa ou aplicação de multa. Há poucos registros no Judiciário.
- Exageros
Crianças barulhentas ou hiperativas e música alta não podem ser consideradas atitudes extremas. "Viver em condomínio exige uma predisposição para conviver com outras pessoas", diz o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky.
- Repetição
A reiteração de um comportamento considerado ruim é que é problemático. Isso pode configurar a intenção de prejudicar os demais moradores.
- Inadimplência
O atraso no condomínio não é, a priori, considerado comportamento antissocial. "Momentos difíceis todos passam. Mas se o condômino não paga os seus compromissos e demonstra sinais de riqueza ou troca o carro toda semana, ele pode estar agindo deliberadamente para prejudicar os demais. Nesse caso, pode ser considerado alguém com comportamento antissocial e, portanto, passível de punição", afirma Bushatsky.
1. Conversar
"Um bom síndico precisa entender de contabilidade e ter um temperamento bom, ser alguém que tenha paciência", diz Bushatsky.
2. Mediar
"Tambem é possível tentar participar de uma câmara de mediação. Existem profissionais que podem ajudar a resolver litígios de uma forma menos traumática.
3. Alertar
Envie uma notificação. Se o problema persistir, aplica-se multa. Se ainda assim o problema continuar, multa aumentada.
4. Judicializar
Se nada funcionar, o condomínio pode ir à Justiça.
Com eles, é na reunião e muito na conversa
Cuidar do equilíbrio de um condomínio não é uma tarefa simples. Personalidades diferentes, horários que não combinam, crianças hiperativas, animais de estimação e outras questões são um desafio à boa convivência. A síndica Marisa Miranda de Oliveira Maciel sabia disso tudo quando assumiu um condomínio de 5 blocos e 960 apartamentos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. "Nos tínhamos muitos problemas (brigas, xingamentos), mas eu sabia que era possível resolvê-los", afirma.
Para minimizar atritos, ataques, brigas e ofensas, Marisa implementou um programa de "reuniões de blocos" para aproximar, integrar e tirar dúvidas dos moradores. "Com reuniões menores, eu consegui explicar melhor as questões do prédio, consegui fazer com que as pessoas se conhecessem e a relação ficou muito mais civilizada."
Marisa passou por um teste de fogo. Ela conseguiu aprovar, em assembleia, um aumento na taxa condominial. "Isso só foi possível porque o condomínio está vivendo um período de harmonia. Assim, conseguimos provar que o valor do nosso condomínio estava defasado e um reajuste reverteria em coisas boas para todo mundo."
Além das reuniões por bloco, a síndica tem promovido aula de pilates e eventos para crianças nas áreas comuns do edifício. "Tudo isso tem feito com que as pessoas se conheçam melhor. O clima aqui melhorou muito - e continua melhorando", afirma.
Outro síndico adepto do diálogo é Affonso Celso Prazer de Oliveira, que aos 80 anos está a frente de um dos edifícios mais emblemáticos da capital paulista0, o Copan (que conta com aproximadamente 5 mil moradores). "Quando tem algum problema, a gente primeiro conversa. Se é reincidente, aplica 1 salário mínimo de multa. Mas tem de ter diálogo, conversa e não criar barreiras", disse. "Claro, tenho casos crônicos, problemáticos, mas vamos tentando resolver. Por exemplo, se a pessoa quiser pode ter até um elefante no apartamento, mas nas áreas comuns vai ter de carregar no colo."
Por Estadão
Gilberto Amendola
Fonte: www.terra.com.br
O tema voltou aos holofotes nas últimas semanas porque um edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, obteve decisão judicial para a expulsão de um casal de médicos - em um caso que se arrastou por seis anos. "A Justiça entendeu que, se não houvesse uma expulsão, a situação poderia terminar em tragédia. Uma decisão assim só acontece quando a percepção é de uma tragédia iminente", contou o advogado do condomínio, Fauaz Najjar. "Eu mesmo precisei ir a uma reunião de condomínio para ouvir dos moradores e entender a gravidade da situação. A convivência no prédio já estava perigosa."
"Não deve ser um recurso banalizado. Mas o que está acontecendo agora é o início de uma jurisprudência", afirmou o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. Segundo relatos de moradores, o casal chegou a agredir fisicamente alguns vizinhos - e o convívio atribulado rendeu boletins de ocorrência e visitas ao Instituto Médico-Legal (IML).
"As crianças tinham medo de entrar no elevador e dar de cara com o casal. O prédio inteiro estava em pânico. A gente chegava em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e em vez de relaxar ficava tenso, esperando algo muito ruim acontecer", disse Rodrigo Vianello, ex-síndico do prédio, que teve a ideia de procurar um advogado para tratar da expulsão do casal.
Para a gerente de relacionamento e comunicação da Lello Condomínio, Angélica Arbex, o fato do condomínio procurar um advogado para tratar de uma questão entre vizinhos já demonstra que a situação chegou ao limite. "O recomendável sempre é o diálogo. Se não der certo, tem ainda a hipótese de advertências e multas. Ao chegar à Justiça, encontramos um caminho quase que sem volta para a boa convivência", disse. "Os edifícios precisam criar espaços de convivência para que as pessoas se conheçam melhor, para que elas possam conversar de forma construtiva e encontrar consensos que atendam às necessidades de todos", completou.
A expulsão do condomínio não está prevista em lei. No artigo 1.337 do Código Civil, a punição para comportamentos considerados antissociais é a multa - que pode atingir até dez vezes o valor do condomínio. No caso dos médicos, todas as outras hipóteses já haviam sido tentadas. "Eles já haviam sido advertidos e multados várias vezes, mas nunca mudaram o comportamento", comenta o advogado. A sentença de expulsão foi dada pela 16.ª Vara Cível de São Paulo. E, embora tenha sido uma decisão de primeiro grau, o casal não entrou com nenhum recurso e, imediatamente, colocou o apartamento para locação. O advogado de defesa do casal foi procurado pela reportagem, mas informou que nem ele nem seus clientes iriam se manifestar. "É importante salientar que, nesses casos, o morador não perde o direito à propriedade. Ele é proibido de conviver naquele condomínio - devendo vender ou alugar o imóvel", explica Bushatsky.
Em 2017, um morador foi expulso de um edifício no bairro de Moema por comportamento antissocial. O morador em questão ficou conhecido por ficar nu na academia do prédio, promover orgias na piscina e comparecer em reuniões de condomínio vestido de Batman. "Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava. A situação chegou a um ponto em que a única saída era a expulsão", contou Natachy Petrini, síndica profissional que administrava o edifício na época.
O advogado Anderson Martins da Silva, que atuou no caso, lembra que, entre outras coisas, o morador considerado antissocial foi responsável por provocar incêndio em um dos prédios vizinhos com a utilização de fogos de artifício e chegou a ameaçar um advogado do condomínio que morava no mesmo prédio (fato esse que deu origem a um inquérito policial por coação no curso do processo). "Todas as medidas extrajudiciais possíveis foram adotadas pelo condomínio: moção de repúdio, multas, majoração das multas até dez vezes o valor do condomínio, ajuizamento de ações criminais, mas nada impedia o condômino de continuar a descumprir a lei e as regras de convivência do condomínio."
Em sua sentença, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, responsável pelo julgamento do caso de Moema, escreveu: "Ainda que inexistente previsão legal quanto à possibilidade de exclusão de condômino, pelo fato de o Código Civil limitar-se à aplicação de multa, em seu artigo 1.337, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema."
Caso a caso
- Expulsão
Só existe em situações que não se resolvam com conversa ou aplicação de multa. Há poucos registros no Judiciário.
- Exageros
Crianças barulhentas ou hiperativas e música alta não podem ser consideradas atitudes extremas. "Viver em condomínio exige uma predisposição para conviver com outras pessoas", diz o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky.
- Repetição
A reiteração de um comportamento considerado ruim é que é problemático. Isso pode configurar a intenção de prejudicar os demais moradores.
- Inadimplência
O atraso no condomínio não é, a priori, considerado comportamento antissocial. "Momentos difíceis todos passam. Mas se o condômino não paga os seus compromissos e demonstra sinais de riqueza ou troca o carro toda semana, ele pode estar agindo deliberadamente para prejudicar os demais. Nesse caso, pode ser considerado alguém com comportamento antissocial e, portanto, passível de punição", afirma Bushatsky.
O que fazer para contornar atritos
1. Conversar
"Um bom síndico precisa entender de contabilidade e ter um temperamento bom, ser alguém que tenha paciência", diz Bushatsky.
2. Mediar
"Tambem é possível tentar participar de uma câmara de mediação. Existem profissionais que podem ajudar a resolver litígios de uma forma menos traumática.
3. Alertar
Envie uma notificação. Se o problema persistir, aplica-se multa. Se ainda assim o problema continuar, multa aumentada.
4. Judicializar
Se nada funcionar, o condomínio pode ir à Justiça.
Com eles, é na reunião e muito na conversa
Cuidar do equilíbrio de um condomínio não é uma tarefa simples. Personalidades diferentes, horários que não combinam, crianças hiperativas, animais de estimação e outras questões são um desafio à boa convivência. A síndica Marisa Miranda de Oliveira Maciel sabia disso tudo quando assumiu um condomínio de 5 blocos e 960 apartamentos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. "Nos tínhamos muitos problemas (brigas, xingamentos), mas eu sabia que era possível resolvê-los", afirma.
Para minimizar atritos, ataques, brigas e ofensas, Marisa implementou um programa de "reuniões de blocos" para aproximar, integrar e tirar dúvidas dos moradores. "Com reuniões menores, eu consegui explicar melhor as questões do prédio, consegui fazer com que as pessoas se conhecessem e a relação ficou muito mais civilizada."
Marisa passou por um teste de fogo. Ela conseguiu aprovar, em assembleia, um aumento na taxa condominial. "Isso só foi possível porque o condomínio está vivendo um período de harmonia. Assim, conseguimos provar que o valor do nosso condomínio estava defasado e um reajuste reverteria em coisas boas para todo mundo."
Além das reuniões por bloco, a síndica tem promovido aula de pilates e eventos para crianças nas áreas comuns do edifício. "Tudo isso tem feito com que as pessoas se conheçam melhor. O clima aqui melhorou muito - e continua melhorando", afirma.
Outro síndico adepto do diálogo é Affonso Celso Prazer de Oliveira, que aos 80 anos está a frente de um dos edifícios mais emblemáticos da capital paulista0, o Copan (que conta com aproximadamente 5 mil moradores). "Quando tem algum problema, a gente primeiro conversa. Se é reincidente, aplica 1 salário mínimo de multa. Mas tem de ter diálogo, conversa e não criar barreiras", disse. "Claro, tenho casos crônicos, problemáticos, mas vamos tentando resolver. Por exemplo, se a pessoa quiser pode ter até um elefante no apartamento, mas nas áreas comuns vai ter de carregar no colo."
Por Estadão
Gilberto Amendola
Fonte: www.terra.com.br